Alguns dizem “o Flamengo não perde no Maracanã”. Outros falam “na Arena, ninguém tem chance contra o Grêmio”. Deve haver uma frase dessas para cada time no Brasil porque é sabedoria popular que o time mandante tem vantagem no futebol. E isso por vários motivos: a equipe visitante enfrenta a torcida adversária, precisa viajar por horas e viver em hotel, joga em campo diferente — onde não conhece os “atalhos” —, enfrentam altitudes elevadas, climas adversos e muito mais.
Há vários estudos acadêmicos sobre o tema para o Brasil. Por exemplo, Pollard et al. (2008) e Shikida et al. (2018) concluem que equipes mandantes marcam mais gols e ganham mais pontos. Ambos tentaram entender por que isso acontece e argumentaram que o deslocamento de times visitantes importa muito no Brasil, afinal, trata-se de um país de tamanho continental.
Mas o que aconteceu no Brasileirão 2020-2021 durante uma pandemia inédita que abalou o mundo? Esse ano teve de tudo no campeonato: desde técnicos e times inteiros contaminados até a ausência da torcida nos estádios em todos os jogos. Se o efeito mandante era forte antes, pode ser que tenha acabado sem torcedores para dar força aos times?
Até 2019, os times paulistas e do Sul tinham uma vantagem maior de jogar em casa. Quem parecia não ter nenhuma vantagem eram o Atlético-GO, o Bahia, o Sport Recife
Neste artigo, vamos explorar essa pergunta com os dados do Brasileirão disponibilizados na plataforma Base dos Dados . A BD mantém um repositório de dados públicos com mais de 30 conjuntos de dados limpos, integrados e atualizados. No repositório, é possível encontrar microdados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), SIM ( Sistema de Informações de Mortalidade) , do Censo Demográfico , dentre muitos outros, inclusive os dados históricos atualizados do Brasileirão.
Com dados de todas as partidas de 2003 a 2021 — número de gols, estádio, árbitro —, conseguimos testar empiricamente algo que está na cabeça dos fãs do esporte em todo o Brasil. Fizemos três perguntas: 1) qual é a probabilidade de vitória de mandantes?; 2) qual é a relação entre tamanho da torcida presente e a probabilidade de vitória de mandantes?; e 3) houve mudanças no efeito mandante entre 2003-2019 e 2020-2021?
Neste gráfico, respondemos a primeira pergunta. Fica claro que a probabilidade de vitória do mandante gira sempre ao redor de 50%, um pouco mais ou um pouco menos com o passar dos anos. Nada muito diferente do que jogar uma moeda para cima — um resultado basicamente aleatório.

E será que, na média, ter torcida maiores é positivamente correlacionado com a probabilidade de vitória do mandante? É bem fácil responder a essa pergunta com os dados na mão. No gráfico abaixo, encontramos uma relação positiva. Há um efeito não muito grande e que ainda diminui quanto maior é a torcida. Não é algo muito surpreendente. Mas essa é uma comparação que esconde ainda muita informação. Por exemplo, pode ser que times melhores tenham torcidas maiores e uma chance incondicional maior de vitória. Para solucionar essa dúvida, usamos os dados detalhados completos e fizemos uma análise multivariada.

Para estimar o efeito mandante na probabilidade de vitória da partida, realizamos os seguintes passos: rodamos uma regressão linear a nível da partida onde regredimos a variável indicadora de vitória do mandante em indicadoras para cada time, além de indicadoras para ano, mês e horário. Ou seja, nossos resultados já levam em conta o fato de que certos times têm probabilidades maiores ou menores de vitória. Uma ressalva importante, claro, é que só temos dados do Brasileirão sob covid-19 para um campeonato. Isso diminui a precisão das estimativas.
Nossos resultados estão resumidos neste último gráfico. Basicamente, o efeito mandante, que até 2019 era positivo para quase todos os times, desapareceu no Brasileirão 2020-2021. Até 2019, os times paulistas e do Sul tinham uma vantagem maior de jogar em casa. Logo depois vem alguns cariocas e outros mineiros. Quem parecia não ter nenhuma vantagem eram, por exemplo, o Atlético-GO, o Bahia e o Sport Recife.

O mais interessante é que isso tudo praticamente desaparece em 2020-2021. Quase todos os coeficientes ficam estatisticamente indistinguíveis de zero (e é tudo mais impreciso, claro). Ou seja, sob covid-19, o efeito mandante parece nulo. Não dá para afirmar com certeza, mas o mais provável é que isso seja explicado pela ausência de torcida, dado que outros fatores ainda se mantiveram constantes, como o deslocamento dos times e hotéis.
Nosso código de captura e análise dos dados está inteiramente disponível nos repositórios da Base dos Dados . O objetivo do projeto é universalizar o acesso a dados no Brasil e, por isso, convidamos todos a explorar esses dados de futebol e todos os outros disponíveis no catálogo .
Ricardo Dahis é economista, aluno de PhD na Northwestern University e cofundador da Base dos Dados.
Eduardo Bartholomay é aluno do mestrado em economia aplicada na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e graduado em Ciências Econômicas pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas).
Colaborou com gráficos Lucas Gomes .