Coluna

Denis R. Burgierman

Defende a natureza e deixa a gente morrer de fome?

30 de janeiro de 2019

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As tragédias ambientais atingem mais gente do que se imagina. E fazem todo mundo mais pobre

Na sexta-feira passada, 25 de janeiro de 2019, o peso do grosso resíduo marrom acumulado em anos esburacando as montanhas de Minas Gerais para tirar minério de ferro de dentro delas foi demais para a precária barragem da Vale segurar. Deu-se o maior acidente de trabalho da história do Brasil, uma tragédia tão devastadora que os bombeiros não estão conseguindo nem encontrar os corpos, soterrados na lama, arrastados para longe com uma violência impensável.

No dia, eu nem fiquei sabendo, ocupado que estava com minhas próprias crises, bem ao estilo “classe média sofre”. Estava de férias, na praia. Junto com os pais e as mães de uma dúzia de crianças pequenas que estudam com meus filhos, alugamos umas casinhas no litoral norte de São Paulo, com um lindo jardim com vista para o mar. No primeiro e no segundo dias, nossos pequenos se divertiram na praia como se não houvesse amanhã. Mas houve: e veio com esguichos de vômito, febre alta e diarreia. Na sexta, enquanto a lama escorria aterrorizante pelos morros de Minas, nosso bucólico jardim em frente ao mar parecia um pouco com uma enfermaria, com cadeiras de praia fazendo as vezes de macas. Das 13 crianças, 11 estavam bem doentes, prostradas, sem apetite, irreconhecíveis.

No fundo, o que respingou em mim naquela casa de praia foi uma pequena gota da mesma crise ambiental que traumatizou Minas. Tanto a tragédia da Vale como o desconforto de Ubatuba são consequência de um mesmo fenômeno que se repete no Brasil inteiro, do Rio Grande do Sul a Roraima, do Acre a Pernambuco: o descuido irresponsável com os recursos básicos que nos mantêm vivos. Andei viajando o país uns anos atrás para uma grande reportagem que publicamos no Estadão sobre mudanças climáticas e o quanto seus efeitos são agravados pela maneira como erguemos nossas cidades e fazemos nossas plantações. Vimos por todo lado – de Santa Catarina a São Paulo ao sertão do Nordeste – os mesmos erros e os mesmos crimes. Para começar, no Brasil todo resíduos são atirados diretamente nos cursos naturais de água – sejam eles restos químicos e venenosos da indústria ou da mineração, ou o conteúdo de nossas privadas. Mais da metade do esgoto brasileiro é despejado quentinho na natureza.

Culpar o novo governo por esses erros é absurdo. Sob gestões do PT, do PSDB e do PMDB, uns mais uns menos, insistiu-se num modelo destrutivo de ocupação do solo, com bairros ricos e pobres sendo erguidos sem instalações mínimas de saneamento, e grandes empresas, como a Vale, sequestrando o sistema político e lucrando com a destruição da terra dos outros brasileiros. Quase nenhum governante preparou-se para as previsíveis mudanças climáticas, que estão aumentando o calor e a frequência de chuvas extremas, gerando condições cada vez mais propícias para desmoronamentos e epidemias.

Mas, até algum tempo atrás, apesar de todos esses erros, havia ao menos do lado do governo o reconhecimento de que era necessário melhorar. E melhorou-se, é justo que se diga – mais devagar do que deveria, mas também não é de se desprezar que a água limpa, que só chegava a uns 55% dos brasileiros nos anos 1980, hoje escorra da torneira de mais de 80% da população. A mortalidade infantil no Brasil caiu pela metade entre 2000 e 2015. E o cuidado com a natureza também vinha aumentando, devagar: o desmatamento na Amazônia caiu quase 80% nos primeiros anos do século 21, por exemplo.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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