Coluna
Matheus Gomes
A esperança vem das ruas: a importância do protesto de 19 de junho
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O Brasil dos últimos meses nos deu poucas oportunidades de vivenciar aquela boa sensação de ter uma surpresa positiva na política nacional. Um desses raros momentos aconteceu no último sábado de maio, o 29M, quando vimos as maiores manifestações de rua contra o governo federal desde o movimento em defesa da educação pública, em 2019.
Em meio à maior tragédia humanitária que vivemos desde o fim da escravidão, é preciso ter sabedoria para comemorar as pequenas vitórias. E o irromper de multidões contra Bolsonaro na rua foi isto: um primeiro passo para colocarmos fim no genocídio em curso que se aproxima das 500 mil mortes. Depois de tanto tempo de isolamento, foi coletivamente que começamos a superar o medo e agora a nossa ação deve fazer com que este sentimento passe para o lado de lá, ou seja, que as ruas façam tremer os palácios e tirem o sono dessa quadrilha que ocupa o poder.
Em 19 de junho teremos mais uma prova de fogo, e é preciso que os protestos convocados para o 19J superem o que vivemos no 29M. Creio que isso é possível, pois, de lá pra cá, a crise política ganhou contornos ainda mais dramáticos.
A pandemia segue como o elemento central da conjuntura e, tragicamente, o caminho para o colapso do sistema de saúde ainda está muito mais próximo que o da superação da crise sanitária. Em 142 dias de campanha de vacinação, atingimos a marca de 11% da população imunizada e, se continuarmos nesse ritmo, sabe-se lá quando chegaremos a 70%, o limiar da imunidade coletiva de acordo com a maioria da comunidade científica internacional.
Neste contexto, os últimos dias trouxeram fortes indícios de que Bolsonaro iniciou mais um processo de “fritura” no Ministério da Saúde. Após o segundo depoimento de Marcelo Queiroga na CPI da Covid, no qual apesar de reafirmar sua subserviência ao bolsonarismo, ele falou sobre a importância de medidas não farmacológicas no combate a pandemia, o presidente trouxe à tona sua nova sandice, o fim do uso de máscaras para a população já vacinada. No entanto, a resposta coletiva foi imediata e acabou fornecendo um mote para os protestos: a máscara fica, o presidente sai.
O repúdio à estupidez de Bolsonaro é um forte componente do seu desgaste crescente. As aferições contínuas das pesquisas de opinião confirmam que há uma maioria social em prol da abertura do processo de impeachment. Mas cansaço é o estado de espírito do povo trabalhador. A despeito da tímida recuperação do PIB, a situação econômica é desoladora em nossas comunidades. A luta pela sobrevivência ocorre num cenário em que a maior parte da força de trabalho brasileira está fora de atividade, uma situação inédita e que expressa a devastação neoliberal. Isso explica por que a maioria dos lares do Brasil conviveu com situações de insegurança alimentar, como mostrou a pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. A continuidade de piadas e disparates passou do estágio da irritação e começou a mover politicamente os atingidos pela barbárie.
Construir uma alternativa política no calor das lutas sempre foi o método de transformação dos explorados e oprimidos no Brasil
No entanto, a fome e o desemprego são temas laterais na ação da ampla maioria da classe política. “Passar a boiada” se transformou numa lógica de governança. Observando o Congresso Nacional, vemos que a semana foi tomada por projetos que visam flexibilizar ainda mais as combalidas legislações de proteção ambiental e tornar quase impossível a demarcação de territórios indígenas. A bancada do boi segue em atividade, enquanto os índices de desmatamento nos fizeram passar vergonha no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho.
Por óbvio, devido à composição do governo, este movimento também inclui as Forças Armadas. Não bastando a escandalosa absolvição de Eduardo Pazuello pela cúpula militar, a imposição do “segredo papal” de 100 anos ao processo interno sacramentado pelos generais mostra que o “braço forte e a mão amiga” do Exército não faltarão ao encontro do projeto autoritário do presidente. No entanto, os militares já pagam o preço dessa associação. Uma pesquisa XP/Ipespe divulgada na sexta-feira (11), demonstra que a confiança da população nas Forças Armadas declinou consideravelmente.
Há inúmeros elementos que demonstram o enfraquecimento do governo, mas é preciso entender que Bolsonaro não cairá de maduro. O presidente ainda preserva um núcleo de apoio significativo que segue mobilizado através da máquina estatal, vide os gastos milionários com as “motociatas”, e também conta com a complacência sanguinária da maioria dos agentes do mercado nacional e internacional.
Nesse sentido, a marcha para a imposição de um projeto autoritário e neofascista segue em curso. Não tenhamos dúvida, eles não hesitarão em impor um autogolpe se tiverem oportunidade, e é por isso que a espera para um “feliz 2022” é arriscada. A exemplo do que ocorre no Peru neste momento, onde a candidata de extrema direita e seus aliados questionam o resultado eleitoral, Bolsonaro constrói desde já sua narrativa para jogar desconfiança no sistema e mobilizar seus seguidores até as últimas consequências.
Neste quadro, o 19J se constitui como um momento estratégico na política nacional, pois a força social com maior capacidade para derrotar o bolsonarismo é a aliança entre as mulheres e homens da classe trabalhadora, o povo negro e periférico do campo e das cidades e a nossa juventude. Construir uma alternativa política no calor das lutas sempre foi o método de transformação dos explorados e oprimidos no Brasil e é daí que vem a nossa esperança. Todos às ruas, com máscara, álcool em gel e a coragem para defender o nosso país!
Matheus Gomes
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