Coluna

Luiz Augusto Campos

Ação afirmativa nos EUA: os efeitos da decisão da Suprema Corte 

03 de julho de 2023

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Tribunal proíbe que a raça de um candidato seja considerada em qualquer processo seletivo universitário. Instituições tenderão a ser dominadas por membros das elites locais e globais

No dia 29 de julho, seis dos nove juízes da Suprema Corte americana decidiram pela inconstitucionalidade de qualquer programa de seleção universitária que considere a raça de um candidato ou candidata. O caso chegou à Corte pelas mãos da Sociedade de Estudantes por Admissões Justas, uma associação de maioria asiática que acusou as universidades Harvard e da Carolina do Norte de favorecerem ilegalmente negros e latinos com desempenho inferior nos testes de admissão. A rigor, a decisão proíbe qualquer tipo de ação afirmativa com base na raça/etnia, um tipo de medida contra a discriminação adotada pelo país no mínimo desde o fim dos anos 1960 . Mais do que um retrocesso pontual, essa decisão pode ter efeitos desastrosos para toda sociedade americana. Para entender por que, é preciso recuperar alguns eventos da tortuosa história das políticas antidiscriminação naquele país.

Nunca é banal lembrar que vários estados dos EUA mantiveram leis de segregação até 1964, quando o país finalmente proibiu discriminações baseadas na raça . Isso implica que, há menos de um século, estados podiam impedir negros de estudar nos mesmos colégios ou morar nos mesmos bairros que brancos. Até mesmo o uso de banheiros, bebedouros e transportes públicos era regulado por leis consideradas até então constitucionais pela Suprema Corte, que adotava o princípio de que negros e brancos eram “ separados, mas iguais ”.

Graças ao movimento pelos direitos civis, essas leis foram sustadas. Mas na vida real, as práticas racistas não foram eliminadas de um dia para o outro, muito menos seus efeitos acumulados, ao contrário. Prova disso foi a intensificação do fluxo migratório de negros dos estados do Sul para os estados do Norte e o número de líderes antirracistas do período que foram barbaramente assassinados como Malcom X (1965) e Martin Luther King Jr. (1968).

Foi com o intuito de mitigar os efeitos acumulados pelo racismo pregresso e atual que os Estados Unidos começaram a adotar as chamadas ações afirmativas. Ainda que o país nunca tenha aprovado uma legislação nacional como a Índia, a África do Sul ou mesmo o Brasil, várias resoluções federais e de alguns governos estaduais buscaram garantir a presença de trabalhadores negros e negras em empresas e em espaços educacionais. No entanto, foram as universidades e faculdades que mais contribuíram para a difusão desses programas.

Na década de 1970, no entanto, a Suprema Corte estadunidense restringiu bastante o desenho dessas políticas. Em 1974, Alan Bakke , um engenheiro e ex-veterano de guerra, tentou sem sucesso entrar no curso de medicina da Universidade da Califórnia. Como sua pontuação no processo seletivo havia sido superior àquele de alguns estudantes cotistas, os advogados de Bakke abriram um processo judicial argumentando que a reserva de vagas para negros o havia impedido de entrar na universidade, o que supostamente contrariaria o princípio da igualdade de tratamento. Depois de passar por múltiplas instâncias, o processo foi finalmente julgado pela Suprema Corte em 1978.

Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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