Proteção diante de riscos: a assistência social nos municípios

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Proteção diante de riscos: a assistência social nos municípios
Foto: Adriano Machado/Reuters

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Natália Sátyro e Sergio Simoni Jr.


30 de agosto de 2024

Grosso da responsabilidade para manutenção de serviços cabe ao poder público municipal

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Qual a estrutura institucional dos municípios para lidar com necessidades que se originam desde situações como a pobreza e extrema pobreza, uma pandemia, ou até uma tragédia como a que assolou o Rio Grande do Sul? Menos conhecido do que o Sistema Único de Saúde, o Suas (Sistema Único de Assistência Social) é parte de uma determinação constitucional de que todos devem ser protegidos pelo Estado, principalmente quando enfrentamos situações de vulnerabilidade e riscos sociais. Pensar no desastre de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais e as recentes enchentes no Rio Grande do Sul ajuda a entender que a proteção social é para todos.

Foi longo o processo para constituir a Assistência Social como uma política pública e a sua entrega como um direito, não como caridade ou favor. O impacto de seus programas foram sentidos pela população e mensurados pela comunidade acadêmica nacional e internacional. As ferramentas do Suas são copiadas por muitos países, uma vez que retirou milhões de brasileiros e brasileiras da pobreza e o Brasil do Mapa da Fome em 2014. 

Em um cenário de crise, o financiamento da assistência deixou de ser prioridade

O Suas está presente em todos os municípios brasileiros, seja por meio de benefícios monetários, como PBF (Programa Bolsa Família) e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), seja por serviços socioassistenciais oferecidos em equipamentos públicos ou entidades conveniadas. O PBF atinge atualmente cerca de 21 milhões de famílias e o BPC, uma renda no valor de um salário mínimo dirigida a idosos e pessoas com deficiência extremamente pobres, quase 5 milhões de pessoas. Assim, realizando uma conta aproximada, cerca de 30% da população brasileira recebe esses benefícios monetários da Assistência Social.  No entanto, os serviços socioassistenciais também são essenciais para combater situações de riscos sociais, seja pela pobreza seja por desastres. Dados do Censo Suas de 2023 apontam que existem cerca de 8.600 Cras (Centros de Referência de Assistência Social) distribuídos em mais de 5.526 cidades, mais de 2.900 Creas (Centros de Referência Especializado de Assistência Social) em cerca de 2.500 municípios, e quase 250 Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua em mais de 200 cidades. Essas são apenas algumas das unidades públicas que traduzem a capilaridade da Assistência Social no território brasileiro, oferecendo serviços como atendimentos e acolhimentos às famílias, além de ações particularizadas e comunitárias. Dando suporte a tudo isso há o Cadastro Único de Programas Sociais, uma espécie de Censo Demográfico de toda a população pobre e extremamente pobre que em si mesmo é uma ferramenta de diagnóstico e que permite o monitoramento dos programas.

Por exemplo, o que a estrutura do Suas possibilitou durante a pandemia? Foi por causa dessa estrutura, mais especificamente do Cadastro Único, que foi possível elaborar, desenvolver e entregar o Auxílio Emergencial a 65 milhões de pessoas apenas um mês depois do início da pandemia. Isso é tecnologia social. Da mesma forma, as enchentes do Rio Grande do Sul seriam ainda mais trágicas não fosse a capacidade de resposta do Estado dada a capacidade instalada e experiência das políticas de assistência social. 

O governo federal financia os benefícios monetários referidos acima e parte dos gastos com os programas e equipamentos. O grosso da responsabilidade para manutenção dos serviços, no entanto, cabe ao poder público municipal. E isso se agravou nos últimos anos: como a assistência não tem vinculação constitucional – um patamar mínimo de gastos -, diferentemente da saúde e da educação, ela ficou muito fragilizada após a Emenda Constitucional que estabeleceu o teto de gastos em dezembro de 2016. Assim, as verbas discricionárias foram diminuídas e a política sofreu um desfinanciamento, dependendo ainda mais fortemente do aporte municipal. Isso ocorreu inclusive no período pandêmico. Se em 2020 houve um aumento, em 2021 observou-se uma queda de 58% dos recursos. Ademais, nos últimos anos, 2022 e 2023, grande parte do financiamento federal teve origem em emendas parlamentares, o que indica uma instabilidade no financiamento uma vez que as emendas são recursos sem garantia futura. Em outras palavras, em um cenário de crises nos últimos anos, desde a queda da renda em meados da década passada, até desastres como Brumadinho ou Rio Grande do Sul, o financiamento da assistência deixou de ser prioridade pelo governo federal. E a pergunta que fica é: como os municípios podem enfrentar e responder a demanda? 

O estabelecimento da assistência social como um direito constitucional, a elaboração e implementação de benefícios monetários e serviços socioassistenciais é essencial no Brasil dada nossa estrutura extremamente desigual. Nosso país há décadas ocupa as mais altas posições no ranking internacional de desigualdade, e comporta um elevado contingente de pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza, tanto em termos relativos, quanto absolutos. Se é verdade que houve melhora dos indicadores desde meados dos anos 1990 até meados da década de 2010, ela foi insuficiente e em alguma medida revertida posteriormente até o início dos anos 2020, com a crise econômica e política que assolou nosso país. Portanto, o seu fortalecimento nos municípios é essencial tanto para combater a fome e a pobreza, mas também para que o Estado esteja preparado para as novas demandas que virão em função das mudanças climáticas e suas consequências sociais.

Natália Sátyro é doutora em ciência política, professora associada do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e vice-coordenadora do INCT-QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável).

Sergio Simoni Jr. é doutor em ciência política, professor-adjunto do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo e pesquisador do INCT-QualiGov.

Esse artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024. 

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