Educação: o útil, o divertido e o inútil

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Educação: o útil, o divertido e o inútil
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Ricardo Dahis


02 de julho de 2016

A educação formal deveria imediatamente parar de forçar alunos a aprenderem informações inúteis

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Por que fazemos esforços para aprender algo? Por que gastamos nosso tempo e energia aprendendo uma língua, como cozinhar uma nova receita, ou memorizando uma fórmula matemática? Dentre vários motivos, um deles é que, num sentido amplo, consideramos a informação que estamos aprendendo ‘útil’. Mas nem sempre é óbvio que estamos aprendendo coisas úteis. Ou, em outras palavras, frequentemente nos pegamos (pelo menos eu!) com a impressão de que estamos desperdiçando nosso tempo aprendendo algo que nunca mais usaremos novamente. Por que isso é assim? Nesse texto gostaria de argumentar que nós deveríamos repensar nossas prioridades em educação, tanto ao nível pessoal quanto ao nível de políticas públicas.

Deixem-me ser mais preciso. Primeiro, defino ‘aprendizado’ como a aquisição de uma nova informação pelo nosso corpo. Como a maior parte do processamento de informação em nosso corpo é feito pelo cérebro, essa definição se reduz à aquisição de uma informação pelo cérebro. Note que a aquisição de informações pode tomar várias formas. Pode ser a transferência do ambiente externo para o corpo (conteúdos de livros, professores, ou qualquer outra experiência externa), ou um desenvolvimento interno (aprender a andar de bicicleta), ou combinações desses dois. Além disso, ‘informação’ pode significar quase qualquer coisa: uma fórmula matemática, uma notícia no jornal, uma habilidade não-cognitiva, etc. Um último ponto sobre essa definição é que não precisamos mergulhar em Neurociência ou detalhes epistemológicos de aprendizado. Como aprendizado ocorre ao nível do cérebro, esse é um tópico fascinante porém é também desnecessário à discussão desenvolvida abaixo (aos interessados no assunto, recomendo os livros ‘In Search of Memory’ de Eric Kandel e ‘Make It Stick’ de Brown, Roediger e McDaniel).

E o que significa uma informação ser útil? Eu defino uma informação sendo útil se é necessária em alguma situação no presente ou futuro. Por exemplo, se você viaja para um país no exterior e vai a um restaurante, aprender a língua local de antemão é útil. Mas aprender sobre a rotação da Terra não é (apesar de ser útil para outras situações potencialmente). É interessante notar que ‘utilidade’ pode vir de situações não-cognitivas: desenvolver habilidades socioemocionais é útil para o mercado de trabalho, ou aprender como pintar é útil para se produzir arte.

aprender uma informação inútil é um desperdício

Dentre as informações úteis, é útil (já usando nossa definição!) distinguir dois tipos de utilidade: a direta e a indireta. Uma informação é “diretamente útil” se é diretamente utilizada ou requerida na situação de interesse (aprender a língua do país é diretamente útil). E uma informação é “indiretamente útil” se serve como meio para outros propósitos (saber falar latim para impressionar os pais da sua namorada). Por fim, uma informação pode ser “divertida” se aprendê-la gera prazer para o aprendiz. É então uma questão de preferências, de consumo (como economistas classificariam a questão). Para mim, aprender sobre evolução é divertido, porém aprender gramática não é. Vale ressaltar que essas três categorias não são mutualmente excludentes: uma informação pode ser divertida, direta e indiretamente útil ao mesmo tempo. Ou pode ser só duas coisas, ou mesmo uma. Entretanto uma informação que não é nem direta nem indiretamente útil, que não serve nenhum propósito no presente ou futuro, é o que eu chamo de ‘inútil’.

Uma característica notável da memória humana é que o cérebro lembra e esquece por motivos os mais inesperados (ver ‘The Seven Sins of Memory’ de Daniel Schacter). Quem nunca se perguntou por que nós lembramos a cor do cabelo de um personagem obscuro de uma animação, enquanto ao mesmo tempo esquecemos o que comemos de café da manhã ontem? Porém, apesar dos aparentes mistérios sobre como nosso cérebro funciona, cientistas já sabem um princípio básico de memória: nós lembramos mais o que recobramos em mente, e esquecemos mais o que não. Isso ocorre através de um simples porém poderoso fato muito celebrado em Neurociência: neurônios que disparam juntos, conectam-se juntos. Toda vez que mentalizamos uma memória localizada em nossa memória de longo-prazo, as conexões entre os neurônios suportando essa memória se fortalecem. E as conexões não-utilizadas aos poucos perdem força, até que eventualmente desaparecem. Nossa memória não é como a de um computador: é sobre conexões entre neurônios, enquanto memórias digitais são sobre estados de sistemas de resistores no disco rígido (análogos eles mesmos a neurônios).

Mas esqueçam o bocado de Neurociência acima. O ponto é que aprender uma informação inútil é um desperdício por dois motivos: você nunca usará essa informação em nenhuma situação, e você se esquecerá dela com o tempo. Em termos de sua vida hoje, esse esforço será um desperdício de tempo, energia e recursos. Qual é o ponto de alunos terem que memorizar fórmulas complicadas de Física na escola que nunca mais usarão de novo? Qual é o ponto de fazer cursos na universidade para obter um diploma, mas que não têm nada a ver com o que você fará posteriormente?

nós deveríamos estar constantemente nos perguntando o que é verdadeiramente útil para aprendermos e ensinarmos

Minhas conclusões são as seguintes. Governos têm recursos escassos (em dinheiro e tempo) para investir na educação das pessoas, o que implica que prioridades devem ser escolhidas. Em primeiro lugar, a educação formal deveria imediatamente parar de forçar alunos a aprenderem informações inúteis.

Segundo, informações divertidas são ótimas; mas num mundo com recursos limitados, estas não deveriam ser o foco de políticas educacionais do governo. Há vários outros ambientes onde pessoas podem aprender informações divertidas: nós não precisamos necessariamente de escolas para isso.

Em terceiro lugar, informações indiretamente úteis deveriam ser evitadas. Porém isso pode ser impossível no mundo real. Eu vejo ao menos três bons motivos pelos quais esse tipo de informação ainda é relevante: (1) Ela pode servir como sinal para outra coisa: ao obter um diploma numa boa universidade uma pessoa pode mostrar que é capaz de trabalhar duro e de aprender sobre temas complexos. Num mundo com informação incompleta, onde é custoso distinguir sinais de ruído, muitos tipos de informações indiretamente úteis continuarão atraentes. Além disso, como frequentemente argumentado por cientistas cognitivos, (2) conhecimento ‘raso’ pode ser necessário para construirmos conhecimento ‘profundo’. É difícil entender conceitos complicados de linguagem se você mal sabe juntar palavras em frases com algum sentido. Ou pode ser complicado ser um bom jogador de basquete se você não sabe passar ou arremessar a bola. E, por último, (3) pode haver incerteza a respeito da utilidade de uma informação no futuro. Se não conseguimos saber se aprender sobre reações químicas será útil para uma pessoa no futuro, então pode ser de fato interessante ensinar a todos sobre química hoje.

Todavia, mais do que tudo, sistemas educacionais deveriam focar intensamente seus recursos em ensinar o que é diretamente útil. E o grau de utilidade varia entre diferentes tipos de informação; portanto as mais importantes deveriam vir primeiro (não discutindo aqui questões pedagógicas sobre a progressão no aprendizado de conceitos, etc.). Uma característica virtuosa de vários sistemas educacionais mundo afora é permitir aos alunos escolherem no ensino médio (ou as vezes até mais cedo) seus campos de especialização, como Engenharia ou Comunicação.

Obviamente a grande pergunta é: quais informações são consideradas úteis? A resposta é frequentemente controversa, com variações entre culturas, ou parte de extensos debates ideológicos, entre outras formas de discordância. Do ponto de vista de escolhas educacionais individuais, a resposta também nem sempre é óbvia. É comum não sabermos o que faremos no futuro, ou quais situações aparecerão e o que precisamos estar prontos para enfrentar. Mas, seja governos, provedores de educação ou indivíduos, nós deveríamos estar constantemente nos perguntando o que é verdadeiramente útil para aprendermos e ensinarmos. É uma pena que tanto tempo e dinheiro seja jogado no lixo por nossa falta de clareza em nossos objetivos, ou por nossa incapacidade de mudar políticas educacionais no país.

Ricardo Dahistem mestrado em Economia pela PUC-Rio e é aluno de PhD em Economia na Northwestern University.

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