A política ambiental brasileira sob ataque: um palco de violências

Debate

A política ambiental brasileira sob ataque: um palco de violências
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Nirvia Ravena


10 de janeiro de 2020

Este ensaio avalia as atitudes e interesses do governo federal em relação ao meio ambiente. O texto é o segundo de uma série sobre o primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência – e é parte de uma parceria entre o ‘Nexo’ e a Associação Brasileira de Ciência Política

A política ambiental brasileira já vivia tempos de desafio nos períodos anteriores ao sistema desarrazoado que se implantou depois do último pleito para a escolha presidencial. Se antes as leis ambientais necessitavam de um esforço de concertação para que alcançassem um mínimo de coordenação, se equiparando às leis trabalhistas em termos de consolidação, hoje o cenário é desolador.

Escolhido também como alvo da desregulação, o meio ambiente no governo atual é um exemplo de distopia. A maneira idiossincrática com que a regulação ambiental vem sendo tratada pelo atual governo revela a inépcia que o caracteriza em todos os setores. Mas em relação ao meio ambiente algumas questões afetas aos processos de regulação e desregulação chamam atenção. Explica-se. As regulações setoriais enquanto processos originados nas esferas das políticas públicas são, na maioria das vezes, dinâmicas onde todos os envolvidos têm ganhos e perdas relativos. O que se está assistindo, desde o ano passado, é um atropelamento dos processos que se dão nas arenas onde os grupos de interesse se encontram, e, na contenda, geram ações regulatórias que atendem em parte aos interessados.

A polarização gerada na eleição se apresentou na arena ambiental de forma clara. A ascensão da agenda do agronegócio, que já vinha há anos sendo de certa forma viabilizada em governos anteriores, tomou proporções inescrutáveis com o aparato burocrático a seu favor. Os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente foram capturados por interesses claramente avessos à regulação dos setores que compõem a arena ambiental, e, em relação a eles, foram tomadas ações de fortalecimento e de desconstrução, respectivamente. Enquanto o Ministério da Agricultura teve suas prerrogativas aumentadas, o Ministério do Meio Ambiente foi sucateado.

Particularmente o Ibama foi atingido de forma certeira. Sendo um órgão partícipe da regulação ambiental, o sufocamento que experimenta é notório quando se vê a estratégia de sabotagem à fiscalização ambiental: a manutenção das operações com um corte de 31% nas verbas destinadas ao PNAPA (Plano Nacional de Proteção Anual) de 2020. Além disso, os cargos de chefia, como as Superintendências Estaduais, foram preenchidos por pessoas sem expertise e externas ao órgão. Somado a isso, houve, ao longo dos anos, uma diminuição em 55% do número de fiscais: em 2009, eram 1.600; agora, são 720 para todo o território nacional.

Em março de 2019, foram impedidas as comunicações diretas entre funcionários do Ibama e do ICMBio com a imprensa. Nitidamente, a medida visava ocultar da sociedade informações que resultaram no cenário devastador das queimadas na Amazônia poucos meses depois. Não era apenas o estímulo que o atual presidente dava aos grileiros e fazendeiros ligados ao agronegócio para que desmatassem que se buscava obscurantizar. A mordaça imposta aos trabalhadores responsáveis pela fiscalização ambiental tinha como objetivo ocultar o aparato autoritário espelhado nas primeiras medidas governamentais após a eleição. Nelas, ficava claro o projeto de sucateamento das instituições responsáveis pela aplicação dos dispositivos legais no setor do meio ambiente. Em um ano, houve um aumento de 29,5% no desmatamento. Grande parte em áreas de proteção ambiental. Isso não é trivial. É a associação da violência burocrática operada na arena ambiental com a violação dos direitos daqueles que ocupam tradicionalmente áreas de proteção ambiental. Mais que isso: é, em uma escala global, como definia Keneth Boulding, a “cowboy economy”, em que a violência impera. Essa violência se materializou na morte de indígenas, quilombolas e agricultores familiares, e sintetiza as premissas da política ambiental brasileira no ano de 2019.

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