Brasil: retrocesso ou pioneirismo na COP26?

Ensaio

Brasil: retrocesso ou pioneirismo na COP26?
Foto: Bruno Kelly/Reuters - 4.set.2021

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Pedro Rio


30 de outubro de 2021

Protagonismo do país se transformou nos últimos anos com a redução da relevância da agenda ambiental

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O Brasil era reconhecido por um protagonismo natural nas agendas sustentáveis. Nosso pioneirismo com as energias renováveis, liderança no combate ao desmatamento e a capacidade de articulação política sempre foram pontos relevantes para o país. Contudo, esse cenário se transformou nos últimos anos. Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder, a relevância da agenda ambiental foi reduzida e diversas ações foram tomadas na contramão da direção de outros países.

Desde o dia 31 de outubro até 12 de novembro, acontece na cidade de Glasgow, na Escócia, mais uma edição da conferência do clima da ONU, a COP26. Líderes de aproximadamente 200 países constroem um diálogo intenso em torno da implementação do vigente Acordo de Paris, que tem como objetivo limitar o aumento da média global de temperatura em menos de 2ºC em relação ao período pré-industrial.

Lembrado por ter sido o primeiro país em 24 anos de história da conferência que recusou sediar a COP25 em 2020, o Brasil nos provoca a pensar se vamos passar uma imagem de retrocesso ou pioneirismo em 2021.

Movido por interesses políticos, recentemente o governo Bolsonaro e o Congresso permitiram a aprovação de verdadeiros “jabutis”, que parecem ignorar a crise ambiental. O setor elétrico, setor diretamente conectado à agenda do meio ambiente, avançou com medidas que, além de aumentar o preço da energia, também intensificam a crise.

A primeira delas ocorreu no mês de julho quando a Medida Provisória 1.031 , de privatização da Eletrobras, foi sancionada pelo presidente. A MP surgiu com a intenção de aliviar as pressões financeiras do governo através da privatização de uma de suas principais companhias, mas teve o texto alterado, permitindo a contratação de termelétricas movidas a gás natural em regiões que nem mesmo possuem reservas de gás ou infraestrutura de gasodutos.

Estamos sendo liderados por políticos que parecem desconhecer a estrutura do setor energético brasileiro e suas consequências financeiras e ambientais

Além disso, recentemente, tivemos uma série de mudanças também na MP 1.055, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. A medida surgiu em junho de 2021 com a intenção de mitigar os danos da maior crise hídrica dos últimos 91 anos. O texto traz consigo dois itens ambientalmente sensíveis. O primeiro prorroga os subsídios para usinas termoelétricas movidas a carvão, as mais caras e poluentes que existem. Já o segundo ponto aumenta os custos de transmissão de energia elétrica para financiar a construção dos gasodutos necessários para a construção das térmicas aprovadas na privatização da Eletrobras.

Por fim, para reforçar a narrativa pública do atual governo, o poder Executivo afirmou no último dia 14 de outubro que deseja investir cerca de R$ 20 bilhões para renovar os parques de usinas térmicas movidas a carvão. Bolsonaro ainda declarou que quer retirar a bandeira de escassez hídrica da conta de luz dos brasileiros, alegando o retorno das chuvas. “Vou pedir, pedir não, determinar que ele [o ministro de minas e energia] volte à bandeira normal a partir do mês que vem”, disse durante um evento evangélico em Brasília.

Tudo isso reforça que estamos sendo liderados por políticos que parecem desconhecer a estrutura do setor energético brasileiro e suas consequências financeiras e ambientais. Quando o presidente comemora o “retorno das chuvas”, prometendo a redução das bandeiras tarifárias no curto prazo, deixa claro que não entende a dinâmica do setor que é movido por ações de médio e longo prazo.

Apesar do negacionismo, existem projetos que podem melhorar a imagem do Brasil durante a conferência do clima. O Projeto de Lei 414/2021, conhecido como lei da portabilidade da conta de luz , está nas etapas finais de aprovação no Congresso Federal. O PL moderniza o setor elétrico brasileiro implementando políticas públicas bem-sucedidas em outros países como: Alemanha, Japão, França, Reino Unido, estados americanos e australianos e outros.

Sua aprovação permitirá a abertura do mercado livre de energia elétrica para todos os consumidores. Nos últimos anos, esse mercado cresceu mais de 20% ao ano, liderado principalmente pela oferta de energia proveniente de parques eólicos, reduzindo assim as emissões de CO2 do país e diversificando a matriz elétrica brasileira. A solução é importante para mitigar a crise hídrica e evitar possíveis apagões no futuro.

Alguns dos grandes líderes mundiais abdicaram da pauta ambiental, deixando a responsabilidade para poucas nações. E o protagonismo natural brasileiro foi deixado de lado nos últimos anos. Não é momento para ignorar o progresso que sempre tivemos por meio de práticas sustentáveis, que nos deram posição de liderança, reduziram o impacto ambiental e trouxeram investimentos para o país. Essa atitude é claramente a decisão estratégica mais equivocada.

Pedro Rio é formado em ciência e tecnologia pela Universidade Federal da Bahia, CEO da Clarke Energia e um dos selecionados da lista da Forbes Under 30 de 2020.

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