A última COP foi marcada pelo retorno do protagonismo brasileiro nas discussões ambientais multilaterais. Enquanto presidente eleito, Lula foi ao Egito, indicando que a questão climática seria uma das prioridades do seu novo governo e que o Brasil novamente se juntaria aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. Recentemente, o presidente Lula confirmou que irá a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a 28ª Conferência das Partes, acompanhado de seus ministros e de, possivelmente, uma das maiores delegações da COP. O evento, que ocorrerá entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, apresenta um importante desafio ao Brasil: liderar as demandas dos países do Sul Global, em um momento de emergência climática e de crise do multilateralismo, enquanto o país se prepara para sediar e presidir a COP-30, que ocorrerá em Belém, em 2025.
O sistema internacional, nos últimos anos, enfrenta dificuldades para resolver suas questões pelas vias multilaterais. A recente escalada do conflito Hamas-Israel, além da ausência de trégua na guerra entre Rússia e Ucrânia, apontam para a ineficiência das organizações internacionais, formuladas no pós-Segunda Guerra. É o caso do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, com o veto dos Estados Unidos, barrou a proposta brasileira de pausa humanitária na Faixa de Gaza. No tocante às temáticas ambientais, a incapacidade das medidas negociadas nos últimos anos de fazer frente aos crescentes desafios impostos pelas mudanças climáticas acaba por esvaziar a agenda. O mais recente relatório publicado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) apontou que as emissões de gases de efeito estufa continuam a crescer, que é provável que se exceda o limite de 1,5º C de aumento da temperatura antes de 2030, que os riscos decorrentes das alterações climáticas são mais severos do que se imaginava e que será necessário interromper o uso de combustíveis fósseis, principal causador das mudanças climáticas. Enquanto isso, a presidência da COP que se inicia nos próximos dias será exercida pelo líder da empresa estatal de petróleo de Abu Dhabi, Sultan Ahmed Al Jaber.
Brasil espera utilizar a COP para enviar mensagem de comprometimento com o sistema multilateral, buscando soluções de mediação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento
Os desafios se impõem ao Brasil também no âmbito doméstico. Ao mesmo tempo que o país precisa resgatar a confiança das Partes após anos de desmontes, setores da economia representados no Congresso Nacional continuam a pressionar pelo esvaziamento da agenda ambiental. É o caso da retirada do Cadastro Ambiental Rural e da Agência Nacional de Águas e Saneamento do escopo do Ministério do Meio Ambiente e da defesa da tese do Marco Temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas, por parte da bancada ruralista e de segmentos do agronegócio.
Em preparação da posição brasileira para a conferência, o Ministério das Relações Exteriores organizou o evento “Diálogos – Visão Brasileira para a COP-28”, que contou com a participação de representantes do setor privado, de organizações não governamentais e de entes subnacionais, a fim de apresentar os objetivos do Brasil na COP, além de receber as demandas da sociedade civil. Na ocasião, os diplomatas destacaram os pontos de decisão cruciais para o Brasil: o Global Stocktake— uma avaliação sobre os rumos do cumprimento da meta de 1,5ºC proposta no Acordo de Paris —, os debates em torno da justiça climática — tema ainda novo nas tratativas —, além das discussões sobre financiamento e meios de implementação. Sobre este último, destaca-se a possível criação do Fundo de Perdas e Danos, que seria destinado às comunidades mais impactadas pelas mudanças climáticas, embora ainda não haja consenso (ou expectativa de consenso) sobre quem seriam os financiadores e os beneficiários desse Fundo. Também se espera que o governo brasileiro atue nas declarações sobre florestas, em especial com uma coalizão dos países amazônicos, e que apresente um programa sobre recuperação de pastagens para agricultura e pecuária sustentáveis. Do lado da sociedade civil, as exigências são diversas e vão desde a busca por investimentos para desenvolvimento de fontes de energia limpa à necessidade de construção de políticas de adaptação que considerem as vulnerabilidades dos mais afetados pelos eventos extremos. É importante ressaltar o papel desempenhado pela sociedade civil nos foros multilaterais ambientais, uma vez que utilizam a visibilidade das declarações para fortalecer as negociações e que pressionam os países a agir internamente.
Apesar do desafio, o momento também pode ser de oportunidades para o Brasil, que espera utilizar a COP para reconquistar a confiança das Partes, enviando uma mensagem de comprometimento com o sistema multilateral e buscando soluções de mediação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, especialmente nos temas de difícil consenso, como financiamento. Por sediar e presidir a COP-30, momento de renovação dos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil tem a importante missão, neste e nos próximos encontros, de mediar a negociação de compromissos justos e coerentes com as realidades internas dos países, enquanto busca contribuir para a contenção dos efeitos danosos das mudanças climáticas.
Camila Oliveira Santana é internacionalista, graduada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e aluna de mestrado em Ciência Política na USP (Universidade de São Paulo), com pesquisa sobre a participação brasileira nas Conferências do Clima.