O que esperar do Brasil na próxima Conferência do Clima

Ensaio

O que esperar do Brasil na próxima Conferência do Clima
Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Compartilhe

Temas

Camila Oliveira Santana


26 de novembro de 2023

Sistema internacional enfrenta dificuldades para resolver suas questões pelas vias multilaterais. Incapacidade de medidas negociadas fazerem frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas esvazia agenda

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

A última COP foi marcada pelo retorno do protagonismo brasileiro nas discussões ambientais multilaterais. Enquanto presidente eleito, Lula foi ao Egito, indicando que a questão climática seria uma das prioridades do seu novo governo e que o Brasil novamente se juntaria aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. Recentemente, o presidente Lula confirmou que irá a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a 28ª Conferência das Partes, acompanhado de seus ministros e de, possivelmente, uma das maiores delegações da COP. O evento, que ocorrerá entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, apresenta um importante desafio ao Brasil: liderar as demandas dos países do Sul Global, em um momento de emergência climática e de crise do multilateralismo, enquanto o país se prepara para sediar e presidir a COP-30, que ocorrerá em Belém, em 2025.

O sistema internacional, nos últimos anos, enfrenta dificuldades para resolver suas questões pelas vias multilaterais. A recente escalada do conflito Hamas-Israel, além da ausência de trégua na guerra entre Rússia e Ucrânia, apontam para a ineficiência das organizações internacionais, formuladas no pós-Segunda Guerra. É o caso do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, com o veto dos Estados Unidos, barrou a proposta brasileira de pausa humanitária na Faixa de Gaza. No tocante às temáticas ambientais, a incapacidade das medidas negociadas nos últimos anos de fazer frente aos crescentes desafios impostos pelas mudanças climáticas acaba por esvaziar a agenda. O mais recente relatório publicado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) apontou que as emissões de gases de efeito estufa continuam a crescer, que é provável que se exceda o limite de 1,5º C de aumento da temperatura antes de 2030, que os riscos decorrentes das alterações climáticas são mais severos do que se imaginava e que será necessário interromper o uso de combustíveis fósseis, principal causador das mudanças climáticas. Enquanto isso, a presidência da COP que se inicia nos próximos dias será exercida pelo líder da empresa estatal de petróleo de Abu Dhabi, Sultan Ahmed Al Jaber.

Brasil espera utilizar a COP para enviar mensagem de comprometimento com o sistema multilateral, buscando soluções de mediação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento

Os desafios se impõem ao Brasil também no âmbito doméstico. Ao mesmo tempo que o país precisa resgatar a confiança das Partes após anos de desmontes, setores da economia representados no Congresso Nacional continuam a pressionar pelo esvaziamento da agenda ambiental. É o caso da retirada do Cadastro Ambiental Rural e da Agência Nacional de Águas e Saneamento do escopo do Ministério do Meio Ambiente e da defesa da tese do Marco Temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas, por parte da bancada ruralista e de segmentos do agronegócio.

Em preparação da posição brasileira para a conferência, o Ministério das Relações Exteriores organizou o evento “Diálogos – Visão Brasileira para a COP-28”, que contou com a participação de representantes do setor privado, de organizações não governamentais e de entes subnacionais, a fim de apresentar os objetivos do Brasil na COP, além de receber as demandas da sociedade civil. Na ocasião, os diplomatas destacaram os pontos de decisão cruciais para o Brasil: o Global Stocktake uma avaliação sobre os rumos do cumprimento da meta de 1,5ºC proposta no Acordo de Paris —, os debates em torno da justiça climática tema ainda novo nas tratativas , além das discussões sobre financiamento e meios de implementação. Sobre este último, destaca-se a possível criação do Fundo de Perdas e Danos, que seria destinado às comunidades mais impactadas pelas mudanças climáticas, embora ainda não haja consenso (ou expectativa de consenso) sobre quem seriam os financiadores e os beneficiários desse Fundo. Também se espera que o governo brasileiro atue nas declarações sobre florestas, em especial com uma coalizão dos países amazônicos, e que apresente um programa sobre recuperação de pastagens para agricultura e pecuária sustentáveis. Do lado da sociedade civil, as exigências são diversas e vão desde a busca por investimentos para desenvolvimento de fontes de energia limpa à necessidade de construção de políticas de adaptação que considerem as vulnerabilidades dos mais afetados pelos eventos extremos. É importante ressaltar o papel desempenhado pela sociedade civil nos foros multilaterais ambientais, uma vez que utilizam a visibilidade das declarações para fortalecer as negociações e que pressionam os países a agir internamente.

Apesar do desafio, o momento também pode ser de oportunidades para o Brasil, que espera utilizar a COP para reconquistar a confiança das Partes, enviando uma mensagem de comprometimento com o sistema multilateral e buscando soluções de mediação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, especialmente nos temas de difícil consenso, como financiamento. Por sediar e presidir a COP-30, momento de renovação dos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil tem a importante missão, neste e nos próximos encontros, de mediar a negociação de compromissos justos e coerentes com as realidades internas dos países, enquanto busca contribuir para a contenção dos efeitos danosos das mudanças climáticas.

Camila Oliveira Santana é internacionalista, graduada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e aluna de mestrado em Ciência Política na USP (Universidade de São Paulo), com pesquisa sobre a participação brasileira nas Conferências do Clima.

Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.