Debate
Carlos Grabois Gadelha
A pandemia atual do coronavírus revela de modo dramático que as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento são inexoravelmente vinculadas, sendo, ao mesmo tempo, um erro e uma falta de visão a oposição nefasta e perversa entre a economia e a saúde
O conceito do Ceis (Complexo Econômico-Industrial da Saúde) foi desenvolvido no início dos anos 2000 para captar a relação indissociável entre saúde e desenvolvimento, segundo uma perspectiva endógena que considera a saúde e o sistema de produção e de inovação relacionado como parte indissociável de um padrão de desenvolvimento e não apenas como um fator acessório, funcional e exógeno, delimitado estritamente ao campo das políticas sociais e mesmo compensatórias frente à dinâmica do capital.
A visão restrita da relação saúde-desenvolvimento aparece na concepção adotada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) há cerca de duas décadas, em forte interação com o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional). Essa visão foi consolidada e intensamente difundida no relatório clássico de 2001 sobre a relação entre economia e saúde (“Macroeconomics and health: investing in health for economic development”). A despeito de, acertadamente, considerar a saúde como um direito humano essencial, acaba, do ponto de vista econômico, reduzindo essa relação ao fornecimento de capital humano, como implicitamente aparece na “ajuda” que os países desenvolvidos deveriam fornecer aos países pobres (com grande destaque para a África) para que o enfrentamento e a redução da incidência de doenças como Aids, malária e tuberculose (entre muitas outras doenças transmissíveis) permitissem elevar a produtividade do trabalho e o investimento privado, limitados por uma “infestação” sanitária nos países e regiões pobres.
Também importante destacar outra vertente tradicional do estabelecimento do elo entre saúde e desenvolvimento nos trabalhos liderados por importantes pensadores liberais, com destaque para Amartya Sen, que tratam a saúde como fator essencial da liberdade de escolha, seguindo o individualismo metodológico que associa o desenvolvimento à liberdade dos indivíduos em sua singularidade. A saúde aparece, mais uma vez, como fator exógeno que contribui ou não para o exercício da liberdade individual. Pessoas saudáveis são mais livres para escolher.
São platitudes e reducionismos que não colocam o dedo na ferida, nas mazelas sociais e econômicas que estão por trás da geração estrutural de desigualdade em todos os seus níveis!
Em todas essas visões, fica subsumida a reprodução endógena e dialética da dinâmica capitalista no interior da saúde, envolvendo tanto o desenvolvimento das forças produtivas, do investimento, do emprego e da inovação, quanto a tendência, inerente ao nosso sistema econômico, de geração de assimetrias e desigualdades nos níveis sociais, territoriais e nacionais, em um processo de clara globalização movida pela inovação em todas suas dimensões (inclusive a financeira) e pela, simultânea, exclusão.
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