especial-decada

7.
A emergência
ambiental

Em 22 de Dez de 2019

Onde estávamos em 2010

Realizada em Cancun, em 2010, a conferência do clima das Nações Unidas para tratar de assuntos do meio ambiente reforçava os objetivos de redução de emissões do Protocolo de Kyoto, firmado em 1997. Reafirmava também a promessa de países ricos compensar financeiramente países em desenvolvimento para que não queimem ou derrubem florestas. Segundo dados da época, 15% das emissões de carbono do mundo vinham do desmatamento. Era um índice em queda. De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), entre 2001 e 2015, as emissões de carbono das florestas caíram mais de 25%. O ano de 2010 registrou as temperaturas globais mais quentes desde o início das medições. O resultado foi obtido, pela primeira vez, a partir de 11 parâmetros diferentes, do derretimento de gelo à temperatura do ar. O recorde anterior de temperatura da Terra havia sido em 1998. Uma tentativa de desmoralizar a pesquisa em torno do aquecimento global se propagou em 2010 depois que e-mails entre cientistas foram roubados e vazados. Trechos das mensagens foram citados por políticos e veículos negacionistas como prova de que os pesquisadores teriam manipulando dados para favorecer a tese de que a temperatura da Terra estava subindo. A controvérsia foi apelidada de “Climategate”. Oito investigações independentes, incluindo de comissões no parlamento britânico e de órgãos federais do governo americano, não encontraram qualquer indício de má conduta ou adulteração. Uma pesquisa realizada em 2012 constatou que para os brasileiros o desmatamento era o maior problema ambiental do país.

Onde estamos em 2019

Desde 2015, o Acordo de Paris foi assinado por 197 países. Diferentemente do Protocolo de Kyoto, o tratado deixou para cada país decidir sobre suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Globalmente, seu objetivo que o aumento da temperatura até 2030 fique, no máximo, entre 1,5ºC e 2ºC acima dos níveis pré-Revolução Industrial. A pauta ambiental ganhou espaço e prioridade no debate público na última década. Uma ocorrência maior de eventos climáticos extremos trouxe urgência à causa. Em 2019, um grupo de 11.250 cientistas de 153 países declarou que o mundo enfrentava uma “emergência climática clara e inequívoca”. Movimentos de jovens em vários países, simbolizados pela estudante sueca Greta Thunberg, de 16 anos, se tornaram protagonistas em protestos. O uso de fontes de energia renovável cresceu em todo o mundo. No último ano da década, pela primeira vez forneceram mais eletricidade aos americanos do que o carvão. Mas o planeta encontra dificuldades em reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. No ano de 2018 o planeta soltou CO2 em volume recorde na atmosfera. Em 2017, Donald Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Afirmou que não iria prejudicar a riqueza obtida pelo setor energético dos EUA [em que predominam combustíveis fósseis] “em sonhos, em moinhos de vento”. A posição de Trump ecoa em autoridades de direita de vários países, incluindo Jair Bolsonaro. Com seu discurso anti-ambientalista e ações de enfraquecimento da fiscalização, o presidente foi acusado de incentivar o desmatamento da Amazônia, fenômeno que registrou crescimento em seu governo.


Para onde vamos até 2029

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP

“O maior desafio na questão ambiental são as mudanças climáticas causadas pela ação antropogênica. O Brasil tem um desafio diferente de países que precisam parar de queimar petróleo, carvão e gás natural. No Brasil, 70% das emissões vêm de agricultura e, principalmente, de mudanças dos usos da terra, perda de vegetação natural, principalmente na Floresta Amazônica. Precisamos da transição do uso da terra nos países tropicais. Na América da Norte, Japão e China, a agricultura produz cada vez mais usando cada vez menos área. Na América Latina, África e Ásia a expansão da fronteira agrícola é baseada em commodities, principalmente carne, grãos e óleo de palma, caso da Indonésia. A área de agricultura e pecuária dos países tropicais é enorme e de produtividade muito baixa. 

A partir de hoje o mundo precisaria diminuir em 7% ao ano a queima de combustíveis fósseis até 2030 e depois acelerar essa diminuição para chegar a zero em 2050. É um enorme desafio. As emissões cresceram 1,5 ºC em 2018 e devem crescer entre 0,6 ºC e 0,7 ºC este ano. Muitos países em desenvolvimento ainda vêm inaugurando termelétricas a carvão, petróleo e gás natural. 

A quase totalidade dos transportes do mundo ainda utiliza combustíveis fósseis. Sem falar que, na grande maioria dos países, a energia dos veículos elétricos vem da queima de combustíveis fósseis. Então, não emitem zero, apenas emitem menos. O Brasil é ideal para veículos elétricos, pois nossa eletricidade já é 70% quase que totalmente renovável pois vem de hidroelétricas, solar ou eólica. Muito melhor que na China onde a eletricidade vem de termelétricas a carvão. Mas estamos muito atrasados com a eletrificação da nossa frota.”

Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP

“A humanidade já dispõe dos meios técnicos para descarbonizar a vida econômica. No entanto, da Conferência Climática de Paris (2015) para cá, as emissões continuam aumentando. Isso reduz as chances de que a elevação da temperatura global média seja mantida nos limites além dos quais os riscos para a vida na Terra crescem exponencialmente. Há ao menos três razões para este paradoxo, que vão influir sobre o panorama socioambiental da próxima década.

A primeira é de natureza geopolítica. O anúncio de Trump de que sairá do Acordo de Paris amplia o isolamento da Europa como portadora da esperança de ‘emissões líquidas zero’ até 2050. Trump fortalece o negacionismo climático de outros governos de extrema direita no mundo e estimula as indústrias fósseis não só nos EUA.

A segunda razão: se é verdade que as renováveis modernas avançam de forma extraordinária na China e na Índia (onde serão instaladas, nos próximos dez anos, o correspondente à energia gerada por 32 Itaipus em solar a eólica) não é menos certo que os interesses ligados à expansão dos fósseis mantêm impressionante força. A China constrói uma usina a carvão a cada três dias e o que ela está implantando a partir de 2019 equivale a todas as usinas a carvão da Europa, cujas atividades devem ser interrompidas para que se atinja a meta de carbono zero até 2050. A transição para a economia de baixo carbono é conflituosa e estes conflitos não tendem a diminuir.

A terceira razão é que, mesmo países em que reduzir drasticamente as emissões não depende de ciência, tecnologia, nem de mudanças na estrutura da produção e do consumo (como é o caso do Brasil em que metade das emissões deriva de desmatamento) terão grande dificuldade em cortar emissões, em virtude da força política das atividades econômicas baseadas na criminalidade, na grilagem e na invasão de terras públicas.

O destino do paradoxo entre os potenciais já oferecidos pela ciência e a inércia dos interesses dominantes não está dado de antemão. Daí a importância tanto dos movimentos sociais (sobretudo os dos jovens) como da tomada de posição de governos sub-nacionais e de empresas (inclusive do setor financeiro e especialmente as companhias de seguro) para as quais os riscos climáticos impõem mudanças significativas em seus modelos de negócios.”