6.
Conflitos e
deslocamentos
no mundo
Em 21 de Dez de 2019
Onde estávamos em 2010
O Afeganistão era o país de origem do maior número de refugiados do mundo. Mais de 3 milhões de pessoas haviam deixado o país no rastro de um conflito iniciado dez anos antes, após a invasão americana ocorrida em resposta aos ataques de 11 de Setembro de 2001, na chamada “guerra ao terror”. No ano seguinte, 2011, o terrorista saudita Osama Bin Laden seria morto no Paquistão, Muammar Gaddafi seria morto na Líbia e a Primavera Árabe levaria a Síria a uma guerra civil que já dura oito anos, fazendo o número de refugiados mudar de escala e de direção. O Paquistão e o Irã eram os países que mais recebiam refugiados – juntos, esses dois países abrigavam mais de 3 milhões de pessoas que haviam fugido de guerras em países vizinhos. Na América Latina, meio século de guerra civil contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) fizeram da Colômbia o 6º maior país de origem de refugiados de guerra no mundo no início da década, mas a incidência de desastres naturais e violência política fariam o Haiti entrar no radar das grandes migrações na região a partir de então. Além dos refugiados – pessoas que têm essa condição reconhecida em função da existência de um “fundado temor de perseguição” –, havia ainda a migração por razões econômicas, com o tradicional fluxo do sul para o norte, dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, o que ajudou a embalar o discurso de grupos nacionalistas e nativistas, cada vez mais preocupados com questões de fronteira e de identidade nacional.
Onde estamos em 2019
O número de refugiados no mundo dobrou em relação ao início da década. Se em 2010 havia um total de 10,5 milhões de pessoas nessa condição, o levantamento consolidado mais recente, de 2018, mostra que esse número já passou dos 20,3 milhões. A Síria lidera a lista com 6,6 milhões de civis espalhados pelo mundo na condição de refugiados de guerra – o que representa mais que o dobro de afegãos que estavam nesta condição quando o país ocupava o topo da lista, no início da década. A Turquia é em 2019 o país que mais recebe refugiados no mundo, 3,6 milhões – mais do que os dois maiores destinos de 2010, Paquistão e Irã, recebiam, somados. Embora países do Oriente Médio liderem a lista de origem e destino dos refugiados, foi na Europa que o assunto provocou reflexos políticos mais fortes, sobretudo a partir de 2016. Milhares de pessoas fugindo da violência e da pobreza no Oriente Médio e na África lançaram-se ao mar para cruzar o Mediterrâneo em barcos improvisados, desembarcando na costa da Itália, da Grécia e da Espanha. A “crise migratória”, como foi chamada na Europa, foi o mote de campanhas vitoriosas de candidatos de extrema direita em várias partes e pôs em questão com força inédita a filosofia de integração fronteiriça da União Europeia. Na América Latina, o Haiti e a Venezuela tornaram-se países importantes na dispersão de imigrantes por razões de violência, pobreza e desastres naturais. Esse movimento migratório regional chegou aos estados do norte do Brasil provocando respostas xenofóbicas no início e respostas humanitárias militarizadas por parte do governo federal na sequência.
Para onde vamos até 2029
Renato Zerbini Ribeiro Leão, presidente do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU
“De agora até 2019 a tendência é de que as migrações sejam cada vez mais mistas, pois essa tem sido a característica desse fenômeno no século 21. As migrações mistas constituem movimentos complexos porque neles podem juntar-se refugiados (que são pessoas que fogem de perseguições e de conflitos) com migrantes de todo tipo: menores não acompanhados, migrantes por causas ambientais, migrantes vítimas de tráfico de pessoas e migrantes econômicos. Os barcos que chegam à Europa são um exemplo clássico desse fenômeno misto. Em outros casos, no entanto, esses fluxos continuam tendo natureza rotineira, ocorrendo por exemplo entre fronteiras imediatas de países limítrofes, como no Deserto de Sonora entre México e EUA ou na fronteira entre Paquistão e Afeganistão.
Teremos novos desafios nos próximos dez anos, portanto, pois as razões vinculadas a esses fluxos migratórios poderão modificar-se a qualquer instante, complicando a avaliação do estatuto jurídico das pessoas nelas envolvidas. Os Estados nessa trajetória, sobretudo os Estados receptadores desses imigrantes, deverão aprimorar suas legislações, mecanismos de elegibilidade e acolhida de quem chega. Essa ação será facilitada se houver um trabalho tripartite, isto é, um esforço conjunto entre Estado, sociedade civil e organizações internacionais em prol da afirmação da dignidade das pessoas imersas nesses fluxos.”
Camila Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos
“Com o cenário mundial atual, as projeções que temos para os próximos anos no que se refere à migração não são muito otimistas. Guerras não resolvidas e crises humanitárias ainda longe de serem solucionadas, em territórios como Síria, Venezuela, Somália e Iêmen, deverão manter altos os índices de pessoas que tentam, diariamente, cruzar fronteiras e mares em busca de sobrevivência.
As mudanças climáticas também são outro fator importante que devem causar sérios impactos na migração, ocasionando o que tem se chamado de refugiados ambientais – pessoas forçadas a deixar sua terra natal por mudanças no clima, como secas, elevação do nível do mar, desertificação e outros desastres naturais.
O populismo autoritário que vem crescendo e se espalhando pelo mundo, em países como Estados Unidos, Polônia e Hungria, tem em suas agendas ataques a políticas de migração e propostas de fechamento de fronteiras, e seus efeitos devem se prolongar pela próxima década. Dificultam o acolhimento a pessoas que buscam proteção e endossam a xenofobia de suas populações, utilizando um discurso protecionista e anti diversidade que coloca migrantes e refugiados como ameaças às nações.
Países com boas legislações sobre migração, como o Brasil, que tem uma das leis mais elogiadas do mundo, podem se resguardar legalmente das violações de direitos nesse sentido. Outro importante mecanismo de proteção e garantia de direitos são os tratados internacionais, como o Pacto Global de Migração e o Pacto Global sobre Refugiados. Assegurar o respeito e o cumprimento desses compromissos será cada vez mais importante.”
Produzido por João Paulo Charleaux
Desenvolvimento por Thiago Quadros
Arte por Guilherme Falcão
Edição por Conrado Corsalette
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