Como está a eficiência do transporte público na capital do país
Jade Dias e Lucas Marinho
13 de janeiro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 23h36)Projetada em 1956, a configuração de Brasília como cidade planejada interfere na logística diária da população, e posiciona a capital como uma das 10 piores do mundo em transporte coletivo
Ônibus passa em Brasília no canto em dia de protesto
Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab 99+Nexo de Jornalismo Digital, com o tema “A cidade como pauta: desafios e soluções de mobilidade urbana”, realizado na redação do Nexo, em outubro de 2019.
No Brasil, o planejamento urbano permitiu a criação de diversas cidades planejadas como Palmas, Aracaju, Salvador e Brasília, que têm o território estruturado, se não em sua totalidade, em parte dele. A mais famosa delas é Brasília (DF), cidade estruturada especificamente para ser a capital do país. Apesar do planejamento inicial, os problemas advindos da urbanização não deixaram de existir. Ao longo da história, as paisagens urbanas das cidades planejadas brasileiras passaram por um acelerado ciclo de desenvolvimento e o crescimento desordenado impactou a estrutura desses territórios. Nesse contexto, a eficiência da mobilidade urbana é um dos itens mais significativos para avaliar se houve uma expansão harmoniosa e sustentável desses territórios planejados.
Brasília é a capital planejada ícone do modernismo brasileiro. A criação de uma nova capital no interior do Brasil foi proposta, primeiramente, em 1823 por José Bonifácio de Andrade e Silva que sugeriu o seu nome. O objetivo era garantir a segurança do país mantendo a administração longe dos portos e, consequentemente, menos acessível. Dessa forma, em 1892, foi criada a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, liderada pelo astrônomo Luiz Cruls com a colaboração de um grupo de profissionais que fizeram um levantamento sobre a topografia e os recursos da região do Planalto Central, conhecida como Quadrilátero Cruls.
Nesse contexto, o governo sob coordenação do então presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira lança o edital do Concurso Público para a construção do Plano Piloto, que selecionou o arquiteto e urbanista Lúcio Costa para o projeto. Iniciou-se, então, em 1956, a construção da nova capital. No processo de construção cumpriu-se a política desenvolvimentista da época, que objetivava a expansão efetiva do Estado. Portanto, a decisão de integrar o projeto com o resto do território brasileiro é perceptível em seu planejamento urbanístico.
Em 1960, Brasília foi inaugurada apresentando um traçado urbano bastante complexo. O projeto tinha como base dois eixos que formavam o desenho de um enorme avião. No Eixo Monumental ficariam as sedes dos principais edifícios governamentais, enquanto no sentido contrário ficariam os prédios residenciais e comerciais, destinados à população.
A construção da cidade e a sua integração com o resto do país atraiu contingentes populacionais para o seu território. Porém, a capital não tinha um planejamento de sustentabilidade do próprio plano urbano especificamente incorporado ao seu projeto. Desde então, Brasília vem sendo modificada para atender às demandas da sociedade moderna.
Desde meados do século passado o padrão de mobilidade da população brasileira passa por consideráveis modificações como consequência do vertiginoso processo de urbanização e crescimento demográfico. Apesar disso, não houve investimentos correspondentes na rede de infraestrutura urbana. Uma das principais mudanças, e que mais contribuiu para a declínio da eficiência na mobilidade, foi o uso cada vez mais acentuado do transporte motorizado individual pelos cidadãos.
Isso ocorreu, principalmente, por conta de políticas governamentais que estimularam a produção, venda e utilização de veículos privados, ao passo que pouco implementaram medidas de incentivo ao uso do transporte público e ao transporte não motorizado. Esse cenário contribuiu para o aumento do congestionamento urbano na capital e, consequentemente, para o aumento dos acidentes de trânsito, além do agravamento de poluentes veiculares.
Embora o poder público não controle a forma como as pessoas se deslocam diariamente, ele pode estimular a sua escolha modal oferecendo uma infraestrutura mais eficiente. Para que isso aconteça, o sistema de transporte público deve investir não apenas num menor tempo de percurso, mas na viabilidade econômica e qualidade do serviço. Isso vai desde cumprir a tabela horária e itinerários, até destinar veículos que ofereçam um mínimo de conforto à população.
Nesse contexto, o PDTU (Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade) que compreende Brasília e o seu entorno foi orientado pelo desejo de gerar uma interdependência entre essas regiões . Apesar dessa iniciativa, não existiu um investimento em integração do sistema de transporte público com outros modais. Rapidamente ocorreu um desarranjo entre a expansão urbana e o sistema de transportes do Distrito Federal. Atualmente, Brasília e Entorno do DF contam com metrô e ônibus como meios de transporte público que são operados por diversas empresas.
Segundo o estudo Linha de Base de Mobilidade Urbana de Brasília , o modelo atual da estrutura de transporte público, implantado desde 2013, assemelha-se a um tronco, alimentado com terminais de integração para os diferentes locais de destino. Após uma mudança de licitação em 2015, toda a frota de ônibus foi trocada e a capital passou a utilizar uma estrutura de “bacias”, em que linhas de determinadas regiões seriam operadas exclusivamente por alguma empresa.
Atualmente, o PDTU incorpora a expansão da rede de metrô, a implantação de dois sistemas de corredores exclusivos para ônibus e um sistema de Veículo Leve sobre Trilhos. No entanto, Brasília apresenta uma predominância do transporte individual de 36,7%, enquanto o transporte coletivo representa 30,9%. A rede de transporte público coletivo do Distrito Federal possui 30 terminais de ônibus e dois terminais destinados às linhas do serviço de transporte semiurbano. Mesmo apresentando esses índices, durante o ano de 2009 houve um crescimento de 93,6% do número de passageiros embarcados.
Um levantamento produzido pelo instituto de pesquisa Expert Market classificou Brasília como o 10º pior transporte público do mundo. Segundo o estudo, Brasília apresenta o segundo pior tempo médio de espera por ônibus ou metrô (28 minutos) e, no que diz respeito ao deslocamento médio diário por meio de transporte público, Brasília (1 hora e 36 minutos) ficou à frente apenas de Bogotá, na Colômbia (1 hora e 37 minutos).
A respeito do planejamento territorial, o Nexo conversou com especialistas em mobilidade urbana que, com base em seus estudos e vivência da pauta, expuseram seu ponto de vista sobre o assunto. São eles:
João aparecido BAZOLLI A princípio tudo que é planejado, consequentemente, apresentaria melhores resultados. Nesse sentido, examinando a estruturação das cidades planejadas brasileiras poderá ser verificado que apresentam o eixo de transporte público previamente determinado. Obviamente, a dinâmica do crescimento delas apresentaram características diversas e foram adequadas às novas realidades. E estas alterações nem sempre respeitaram a proposta do plano original, mesmo porque, em muitos casos, a própria dinâmica de ocupação se contrapôs a previsão dos planejadores. Não podemos deixar de pontuar que estas cidades privilegiaram o uso do automóvel em detrimento das pessoas.
WALFREDO ANTUNES O projeto de Palmas, por exemplo, inclui um princípio de organização da movimentação. A característica linear do plano praticamente sugere a solução de linha tronco, alimentada por outras caudatárias deste eixo e, seguindo a ocupação e necessidade, podem existir linhas circulares de maior ou menor raio de atuação. Neste caso, o planejamento incluiu uma perspectiva de organização do transporte público. Já em Goiânia , onde trabalhei com isto, o eixo Anhanguera pôde ser implantado (projeto Jaime Lerner) e havia expectativa de implantação similar no sentido Norte-Sul. Cidades planejadas devem incluir em sua concepção as soluções de mobilidade. Em outros casos, vale o princípio de relacionar o uso do solo com transporte, em uma relação bi-unívoca.
JOSEÍSA MARTINS Nem sempre as cidades são planejadas pensando no transporte público. Se as cidades forem planejadas com esse foco, claro que tem tudo para dar certo, e têm mil vantagens sobre as cidades que não passaram por esse tipo de planejamento. As que não foram planejadas com esse foco, passaram por grandes transformações conflituosas, onerosas, e com um certo desgaste social, ambiental e econômico. As cidades planejadas pensadas em um transporte eficiente não precisam sair desapropriando, “destruindo”, desconstruindo, para depois construir novamente. Reforço que a cidade planejada só tem essa eficiência uma vez que pensada na demanda do transporte público.
Uma vez questionada por estudos de especialistas e veículos de comunicação sobre o que têm sido feito para minimizar os impactos dos problemas no transporte público da capital, o poder público afirma que operou a mudança de gestão da DFTrans (Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana), que preocupava os usuários no que dizia respeito à logística de passes para o transporte público. A gestão da secretaria, agora em responsabilidade do BRB (Banco Regional de Brasília), prometeu tornar mais fácil a vida do passageiro .
Já sobre o levantamento da Expert Market que classificou Brasília como o 10º pior transporte público do mundo, a gestão limitou-se a afirmar por meio de nota que o estudo realizado pelo instituto de pesquisa não tem precisão e eficácia . Reforçou também que o levantamento não leva em conta outros critérios importantes e faz a comparação entre cidades que transportam de 50 mil a 100 mil pessoas com cidades que transportam de 1 milhão a 2 milhões por dia.
Edição Antonio Mammi
Colaborou Lucas Gomes com os gráficos
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