Expresso

Por que o quadro de covid na Índia afeta a vacinação no Brasil

Mariana Vick

27 de março de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h03)

Governo indiano é pressionado a ampliar o ritmo da imunização interna, mudando planos de exportação de empresa responsável por produção de doses de Oxford

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FOTO: ADNAN ABIDI/REUTERS – 17.MAR.2021

Mulher está em pé de jaleco, máscara, luvas e touca preparando seringa. À direita, uma mulher sentada estende o braço.

Enfermeira prepara dose de vacina contra a covid-19 em Nova Déli, na Índia

O Instituto Serum, laboratório indiano responsável por produzir doses da vacina da Universidade de Oxford e da farmacêutica AstraZeneca importadas pelo Brasil, anunciou que deve atrasar o envio de novos imunizantes para o país. A informação foi divulgada pela agência Reuters e confirmada no domingo (21) pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Os atrasos devem ocorrer por causa da grande demanda por vacinas na Índia, que busca acelerar a imunização de sua população contra a covid-19. Com 1,3 bilhão de habitantes, o país é o terceiro mais afetado pelo novo coronavírus no mundo. A decisão do governo indiano deve também afetar envios de vacinas para Arábia Saudita e Marrocos.

O acordo entre a Índia e o Ministério da Saúde prevê que o Instituto Serum envie ao país 10 milhões de doses da vacina de Oxford, segundo a Fiocruz, que fabrica o imunizante no Brasil. Dois milhões de doses foram entregues ao país no fim de janeiro. Pelo cronograma do governo federal, o restante das remessas deveria chegar a partir de abril.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que o calendário previsto com o laboratório indiano está mantido, mas que pode sofrer alterações, de acordo com a produção dos insumos para vacina. O contrato atual prevê que as oito milhões de doses cheguem em quatro remessas de duas milhões cada até julho de 2021.

A Fiocruz recebeu a informação de que o Instituto Serum atrasaria o envio de vacinas em carta do dia 4 de março. Localizado no Rio de Janeiro, o laboratório é responsável por receber a vacina de Oxford no Brasil e fazer a rotulagem e a etiquetagem das doses importadas antes de distribuí-las pelos estados.

Desde janeiro, a vacina de Oxford tem sido usada na campanha brasileira de vacinação contra a covid-19. Além dela, o país vem usando em maior quantidade a Coronavac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Com apenas dois imunizantes à disposição e problemas com a produção de insumos, o país tem vacinado em ritmo lento.

13,3 milhões

de brasileiros foram vacinados com ao menos a primeira dose da vacina contra a covid-19, segundo consórcio de veículos de imprensa; o número representa 6,3% da população

A importância da Índia para a indústria farmacêutica

A Índia, conhecida como “farmácia do mundo” por sua capacidade de fornecer vacinas e medicamentos genéricos, exporta imunizantes contra a covid-19 desde janeiro. O principal responsável pelo volume de vendas para outros países na pandemia é o Instituto Serum, que produz 1,5 bilhão de doses por ano.

Com o início das campanhas de vacinação contra o novo coronavírus, o país distribuiu imunizantes a nações vizinhas e parceiras, como Bangladesh, Nepal, Butão, Ilhas Seychelles, Maurício e Maldivas, e enviou remessas comerciais de doses para países como o Brasil e o Marrocos.

60%

das vacinas no mundo (não só durante a pandemia) são produzidas pela Índia

A Índia produz hoje a vacina de Oxford, em parceria com a Astrazeneca, e a Covaxin , criada localmente pelo laboratório Bharat Biotech. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) analisa um pedido do Ministério da Saúde de importação de 20 milhões de doses da Covaxin para o país, mas os dados da vacina estão incompletos.

Para o Brasil, as vacinas importadas pela Índia representam uma parcela relevante da campanha nacional contra a covid-19. Em março de 2021, o país está no pior momento da pandemia, marcado por superlotação de hospitais e recordes de mortes diárias. Além de importar doses, o Brasil fabrica a vacina de Oxford na Fiocruz e a Coronavac no Instituto Butantã.

A indústria farmacêutica é uma importante ferramenta da Índia para os empregos locais, o comércio exterior e a diplomacia. Com a pandemia, o país tem se esforçado para fazer parceria com outros países, especialmente os vizinhos, para melhorar sua imagem e reduzir a influência chinesa na região.

Qual o quadro da vacinação na Índia

A Índia vem sendo criticada por sua população por distribuir ou exportar mais doses de vacinas contra a covid-19 do que administra no país. Com uma campanha de imunização considerada lenta, o país vacinou apenas 3,3% dos indianos até esta quarta-feira (24), segundo o site Our World in Data.

Os dados apontam que, até essa data, a Índia havia vacinado com pelo menos uma dose mais de 44 milhões de pessoas. Embora o número seja expressivo, trata-se de uma fração pequena da população indiana — de 1,3 bilhão de habitantes —, que precisa estar amplamente vacinada para haver imunidade coletiva .

85º lugar

é a posição da Índia no ranking de países que mais vacinam sua população contra a covid-19, segundo dados até 24 de março de 2021 do site Our World in Data

A Índia é o terceiro país mais atingido pela pandemia da covid-19. Dados da universidade americana Johns Hopkins mostram que, até a tarde de quinta-feira (25), os indianos haviam registrado cerca de 11,7 milhões de casos da doença. Em número de óbitos, o país fica em quarto, com mais de 160 mil.

Originalmente, o Instituto Serum, o mais produtivo do país, deveria vender imunizantes contra a covid-19 apenas para países de média e baixa renda na Ásia e África. Entretanto, problemas de produção em fábricas da AstraZeneca em outros lugares o levaram a enviar a mais países a pedido da farmacêutica.

A Índia tem o objetivo de vacinar 300 milhões de pessoas até agosto. Segundo a imprensa local, o país teria que acelerar em quase 10 vezes o ritmo de vacinação para atingir essa meta. Com o ritmo de hoje, o governo levaria dois anos até imunizar toda sua população contra a covid-19.

Em março de 2021, a Índia viu os casos de covid-19 subirem em todas as regiões do país, o que levou as autoridades locais a temer uma nova onda da doença. A média móvel diária de novas infecções, que em fevereiro era de cerca de 10 mil, subiu para mais de 18 mil no mês seguinte, representando uma alta de 65%.

O impasse anterior

Em janeiro, o governo brasileiro passou por um constrangimento com a Índia por ter anunciado a importação de doses da vacina de Oxford produzidas pelo Instituto Serum quando o país asiático ainda não havia confirmado que enviaria os imunizantes para o Brasil na data divulgada pelas autoridades locais.

O governo federal chegou a preparar em 13 de janeiro uma operação para buscar doses do imunizante com um avião fretado. Por questões logísticas, o voo não chegou a ir à Índia, mas estava iniciando a viagem dentro do Brasil quando as autoridades indianas negaram que fariam as exportações no momento.

FOTO: DIVULGAÇÃO/MINISTÉRIO DA SAÚDE

Um avião está dentro de um lugar que parece um grande galpão. Nele se lê: "vacinação, Brasil imunizado, somos uma só nação". Há também um selo do SUS (Sistema Único de Saúde) e do governo federal.

Avião da Azul que se preparava para buscar vacinas na Índia

Na época, o governo indiano disse que era “ muito cedo ” para dar respostas ao Brasil sobre o envio de vacinas, e o país havia se precipitado ao querer enviar um avião. “Parece que o Brasil queimou a largada ao anunciar oficialmente o envio de uma aeronave”, disse na ocasião uma reportagem do jornal indiano Hindustan Times.

As primeiras doses importadas da vacina de Oxford chegaram ao Brasil na semana seguinte , no dia 22 de janeiro. Foram 2 milhões de doses na primeira remessa. Com o envio, o país incorporou o imunizante ao plano nacional de vacinação contra a covid-19, que havia começado alguns dias antes, até então apenas com a Coronavac.

Com a operação com o avião, o governo do presidente Jair Bolsonaro buscava fazer com que a campanha de imunização contra a covid-19 começasse com as doses da AstraZeneca, que foram sua aposta na crise. A Coronavac foi a aposta do governador paulista, João Doria (PSDB), que é adversário político de Bolsonaro.

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