O silêncio da torcida como estratégia anticovid na Olimpíada
Cesar Gaglioni
21 de junho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h11)Gritos e falas em tom mais elevado estão proibidos nos Jogos de Tóquio. Decisão tenta mitigar os riscos de transmissão
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Mulheres observam anéis dos Jogos Olímpicos, em Tóquio
“Aplauda, mas não grite” , disse ao público uma voz nos alto-falantes da cidade de Iwaki, em 26 de março, na passagem da tocha olímpica dos Jogos de Tóquio, que ocorrem entre 23 de julho e 8 de agosto. A estratégia do silêncio, adotada na cidade ao norte da capital, será replicada nas competições no país asiático.
Essa é apenas uma de uma série de medidas programadas para a Olimpíada de 2021, que deveria ocorrer no ano anterior, mas acabou adiada por causa da pandemia da covid-19. A doença, que já matou 3,8 milhões de pessoas no mundo, ainda ronda os Jogos, que além de alertas de silêncio terão público reduzido nas arquibancadas para reduzir riscos de contaminação.
Neste texto, o Nexo apresenta as regras da Olimpíada de Tóquio, a política japonesa de relativa quietude durante a pandemia e o embasamento científico que conduz a estratégia.
O COI (Comitê Olímpico Internacional) divulgou a lista completa de regras dos estádios que vão sediar os jogos.
O COI ressalta que a situação continuará sendo monitorada pelas autoridades japonesas e que mudanças no regulamento podem acontecer sem aviso prévio.
Um certo silêncio já se tornou praxe para os fãs de esportes no Japão. Desde setembro de 2020 , o país asiático não permite gritos, cantorias e conversas em tom mais elevado nos estádios. Aplausos e outras formas de comemoração – como o agitar de braços e danças – são permitidos.
O silêncio é parte das políticas de enfrentamento à pandemia estabelecidas pelo governo japonês. No campo das soluções não farmacológicas, o Japão tenta enfrentar o avanço do vírus a partir da desestimulação dos encontros nos chamados “três C’s” , letra que, em inglês, inicia as palavras:
Conversas próximas, gritos e cantorias se encaixam nos cenários de contato próximo entre as pessoas. As medidas de isolamento e distanciamento foram adotadas pela maior parte da população japonesa.
Já é consenso entre médicos e cientistas de que o principal meio de transmissão da covid-19 é o ar – diferentemente do que se pensava no início da pandemia, quando o principal temor era o contato com superfícies contaminadas.
Nesse cenário, gotículas saem do nariz ou da boca de uma pessoa infectada em partículas muito pequenas, chamadas aerossóis, e ficam pairando no ar.
Se essas partículas entram em contato com o nariz, boca ou olhos de uma pessoa saudável, uma nova infecção acontece.
A partir dessa lógica, o Japão e o COI proibiram gritos e conversas em volume elevado durante a Olimpíada.
Um estudo publicado em junho de 2020, realizado pela Universidade de Yale, nos EUA, comprovou que cantar ou gritar resultam na emissão de partículas maiores de saliva, que persistem no ar por mais tempo e, pelo tamanho, conseguem se espalhar por distâncias maiores.
“O distanciamento social de um ou dois metros pode ser uma barreira contra a transmissão de vírus por uma fala comum, mas não por gritos, cantos, tosses ou espirros”, diz o artigo.
Desde 2020 ocorrem protestos contra a realização da Olimpíada . Pesquisas realizadas por agências japonesas indicam que a maioria da população do país não gostaria que os Jogos acontecessem agora.
Segundo uma delas, realizada pela NHK em janeiro, cerca de 80% dos japoneses defendem adiar ou cancelar a edição do evento de vez. Outra, realizada pela agência Kyodo News em abril, indica que 72% não querem os jogos e 92% temem novas ondas de contágio do coronavírus.
Até segunda-feira (21), o Japão tinha registrado 786 mil casos de covid-19 e 14.373 mil mortes.
O número pode parecer baixo se comparado a outros países, como o Brasil, mas indica que 2021 está sendo mais mortal para o país asiático, de acordo com análise feita pelo Nexo .
10.959
é o número de mortes registradas no Japão entre 1º de janeiro e 21 de junho de 2021, 76,2% do total
3.414
é o número de mortes registradas no Japão durante todo o ano de 2020, 23,7% do total
A análise foi feita a partir de dados oficiais divulgados pelo governo japonês e de contas feitas para calcular a proporção de mortes em cada ano.
Há também um custo econômico envolvido na realização ou no cancelamento da Olimpíada.
Um estudo publicado em 25 de maio pelo Nomura Research Institute (NRI, ou Instituto de Pesquisa Nomura) estimou os custos de um eventual cancelamento das Olimpíadas de Tóquio. Os cálculos de Takahide Kiuchi, economista do NRI e ex-executivo do Banco do Japão, indicam uma perda de US$ 16,6 bilhões caso os Jogos não sejam realizados. Pela cotação de 26 de maio de 2021, esse valor equivale a cerca de R$ 88,3 bilhões.
No entanto, o economista aponta que as perdas decorrentes de realizar o evento podem ser ainda maiores. Se os Jogos levarem a um aumento considerável de casos de covid-19 no Japão, as medidas restritivas necessárias para controlar o contágio seriam mais custosas que o cancelamento dos jogos.
“Mesmo se os Jogos forem cancelados, a perda econômica será menor que o estrago causado pelo estado de emergência”, disse Kiuchi em entrevista ao jornal japonês Kyodo News. Ele ainda afirmou que, por causa desse risco, “a decisão sobre manter ou cancelar os Jogos deve ser feita sob a perspectiva do risco de infecção, e não do prejuízo econômico.”
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