Expresso

A suspeita nos negócios da vacina para além do caso Covaxin

Cesar Gaglioni

28 de junho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h12)

Uso de intermediários brasileiros ligados ao líder do governo Bolsonaro na Câmara se repetiu em outros contratos. Presidente diz que ‘não tem como saber o que se passa em ministérios’

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FOTO: DIVULGAÇÃO/PALÁCIO DO PLANALTO

O deputado Ricardo Barros (PP-PR) quando era ministro da Saúde

O deputado Ricardo Barros (PP-PR) quando era ministro da Saúde

O depoimento dos irmãos Miranda à CPI da Covid no Senado na sexta-feira (25) pôs o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), no centro das suspeitas acerca das tentativas tardias de compra de vacinas contra a covid-19 pelo governo federal. O nome do parlamentar apareceu inicialmente nas negociações da Covaxin, imunizante indiano, mas integrantes da comissão miram contratos também de outras vacinas, como a chinesa Convidecia.

O caso Covaxin trouxe a sombra da corrupção sobre um governo que já era acusado de ações e omissões negacionistas que ajudaram a agravar a pandemia no Brasil, país que é o segundo do mundo com mais mortes pela covid-19. As suspeitas vão até o presidente da República, Jair Bolsonaro, que chegou a ser alertado sobre possíveis ilegalidades nas transações do imunizante indiano.

Neste texto, o Nexo apresenta as novas frentes da CPI e retoma o depoimento dos irmãos Luis Miranda, deputado do DEM do Distrito Federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde.

A nova frente da CPI da Covid

No domingo (27), a revista Fórum levantou uma suspeita envolvendo Barros e a compra da vacina chinesa Convidecia, do laboratório chinês CanSino. Doze dias antes, o Ministério da Saúde tinha anunciado uma intenção de compra de 60 milhões de doses do imunizante por R$ 5,2 bilhões.

US$ 17

é o preço unitário da dose da Convidecia, o mais caro pago pelo governo

A Covaxin custaria US$ 15 por unidade ao governo. O imunizante da Pfizer sai por US$ 10, e a vacina Oxford/Astrazeneca é vendida por US$ 5.

A Convindecia ainda não foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que aguarda dados de eficácia e segurança do imunizante. A intermediação das tratativas foi feita pela empresa Belcher Farmacêutica , que tem como sócio o empresário Emanuel Catori, amigo pessoal de Ricardo Barros.

A Belcher tem sede em Maringá, no Paraná, cidade natal de Barros e onde ele começou sua carreira política, como prefeito do município entre 1989 e 1992. Silvio Barros, irmão do líder do governo na Câmara, comandou a prefeitura de Maringá entre 2005 e 2013. A CPI da Covid anunciou que vai investigar a negociação da Convidecia durante a comissão, segundo a rádio CBN.

O Nexo entrou em contato com a Belcher Farmacêutica, que enviou a seguinte nota:A Belcher Farmacêutica informa que, desde o dia 10 de junho de 2021, não mais representa formalmente no Brasil o laboratório chinês CanSino Biologics, por questões técnicas de natureza privada entre as empresas. Informa também que, após discussões internas, a decisão se estabelece em comum acordo e os trâmites administrativos seguem em fase final.

A Belcher Farmacêutica informa, ainda, não ter firmado qualquer tipo de contrato com o Ministério da Saúde. E considerando que não mais representa no Brasil há cerca de 20 dias o laboratório chinês CanSino Biologics, não participará de eventuais novas fases de negociação ou contratualização. Por fim, a Belcher Farmacêutica afirma que toda a sua atuação e interface institucional, perante o poder público e suas parceiras internacionais privadas, se deu como sempre se dá, com boa-fé e de forma totalmente ética, técnica e regular.

A questão da intermediação

Um ponto que une o caso Covaxin do caso Convidecia é o fato de que, em ambas negociações, há um intermediário entre o governo e o laboratório que produz o imunizante.

No caso da Covaxin, o intermediário foi a Precisa Medicamentos, que tem como sócio Francisco Maximiano. Ele tem depoimento marcado para o dia 1º de julho na CPI e também é próximo de Barros.

Maximiano também é sócio da empresa Global Saúde, que foi contratada pelo Ministério da Saúde em 2017 para o fornecimento de medicamentos para doenças raras, mas nunca entregou os produtos.

Ricardo Barros era o ministro da pasta à época, e um servidor que atuou nas negociações da compra da Covaxin é réu no caso envolvendo a Global Saúde, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo.

Há ainda uma terceira vacina negociada com o Brasil que teve um intermediário nacional: a Sputnik V, conforme destacou o cientista social Leonardo Rossatto em sua conta no Twitter . A intermediação da transação foi feita pela empresa União Química, do Paraná, que tem como sócio Fernando de Castro Marques, figura próxima de Barros .

O contrato previa o recebimento de 10 milhões de doses da Sputnik V pelo valor de R$ 2,3 bilhões . O negócio só não foi adiante porque a Anvisa viu problemas na produção do imunizante e não permitiu seu uso emergencial.O Nexo tentou entrar em contato com a União Química por telefone e e-mail, mas não obteve resposta.

As tentativas tardias do governo

No segundo semestre de 2020, Bolsonaro fez diversas manifestações contra a compra de vacinas pelo governo. Segundo o presidente, as incertezas em torno dos imunizantes eram muitas, e ele sustentava a ideia de que medicamentos ineficazes , como a cloroquina, eram a melhor solução para a pandemia.

Nesse ínterim, o governo ignorou emails da Pfizer e atrasou a compra da vacina chinesa Coronavac, do laboratório Sinovac produzida em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, do adversário político de Bolsonaro João Doria (PSDB).

Contudo, nos primeiros meses de 2021, a posição do governo federal mudou, com tentativas de fechar contratos de compra de vacinas com diversas farmacêuticas. Dentro desse contexto Ricardo Barros passou a atuar.

Em fevereiro de 2021, Bolsonaro publicou uma medida provisória com regras excepcionais para a compra de vacinas. O líder do governo apresentou uma emenda ao texto para autorizar o uso emergencial da Covaxin mesmo sem aprovação da Anvisa.

A argumentação do parlamentar foi no sentido de que, se os órgãos reguladores da Índia aprovassem o uso, a agência brasileira também deveria aprovar, como forma de acelerar a vacinação.

No mesmo mês, a Anvisa estava resistindo à Covaxin, e Barros chegou a falar em “enquadrar” a agência , numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Segundo ele, a falta de vacinas era de responsabilidade do órgão e de suas burocracias.

Ricardo Barros não se manifestou sobre os contratos relacionados às vacinas Sputnik V e Convidencia. Sobre a Covaxin, o líder do governo negou quaisquer irregularidades. “Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. A investigação provará isso”, disse Barros no Twitter.

Ricardo Barros foi ministro da Saúde de 2016 a 2018, durante o governo Michel Temer, e é um dos principais articuladores do centrão. Ele é investigado por improbidade administrativa relacionada ao período em que chefiou a pasta.

O parlamentar também foi líder do governo na Câmara entre 1999 e 2002, durante o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e vice-líder do governo no primeiro mandato do ex-presidente Lula.

Líderes do governo na Câmara têm a função de pleitear os interesses legislativos do Palácio do Planalto entre os parlamentares.

‘Um esquema muito maior’

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (28), o deputado Luís Miranda (DEM-DF) falou de um “esquema muito maior” no Ministério da Saúde. Segundo o parlamentar, as possíveis irregularidades foram ventiladas por seu irmão, Luís Ricardo Miranda, servidor da Saúde.

“Ele é técnico, apaixonado, meio metódico, meio paranoico com regulamento, regras. Quando vê um item errado, dois, é muito raro ter erro nessa operação grande, complexa. Não é normal ter tantos erros. Quando tem muitos erros, chama a atenção dele”, disse.

À CPI, os irmãos Miranda reiteraram denúncias sobre supostas irregularidades envolvendo a aquisição da vacina. O servidor Luis Ricardo Miranda disse ter sofrido “pressão atípica” para agilizar a importação do imunizante. Os irmãos relataram ter levado essas suspeitas pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro em 20 de março.

Nessa reunião, segundo depoimento do deputado Luis Miranda, o presidente citou o nome do deputado Ricardo Barros como sendo alguém com ligação com as supostas irregularidades.

Miranda disse que o irmão estaria disposto a prestar um novo depoimento à CPI, desde que seja em reunião fechada com a diretoria da comissão.

“Se existir algo realmente ilegal, não é só nessa vacina, é na pasta toda. O presidente demonstra claramente que não tem controle sobre essa pasta. Tem muita coisa que dá para puxar e investigar. E descobrir algo em outra situação que vai ligar diretamente com a Covaxin. É o mesmo grupo.”

Na entrevista, Miranda também citou uma operação na compra de testes de covid-19 que o irmão teria considerado suspeita, mas não deu detalhes da suposta irregularidade.

A possível gravação

Desde sábado (26), Miranda tem dado entrevistas e deixado no ar a possibilidade de sua conversa com Bolsonaro – na qual o presidente teria citado Ricardo Barros – ter sido gravada por seu irmão.

“Vamos contar com a possibilidade de o presidente voltar atrás [e desmentir Miranda]. Aí ele me força a fazer o que eu não quero. É o que eu tenho a dizer”, disse o deputado à CNN Brasil.

“Primeiro, deixa o presidente fazer o movimento. Não vou me expor nem expor ele antes de ele errar. Ele, por enquanto, está ignorando os fatos. Porque ele sabe o que é verdade. Ele sabe que eu não menti. Então, vamos supor que ele resolva mentir… Ele ainda não fez isso”

Luís Miranda

deputado, em entrevista à CNN Brasil

Gravar conversa com um presidente da República sem o consentimento dele não é crime no Brasil .

Na segunda-feira (28), questionado sobre o caso Covaxin, o presidente disse que não consegue controlar o que ocorre nos seus ministérios e que “nada fez de errado”.

“Eu recebo todo mundo. Ele que apresentou, eu nem sabia da questão , de como tava a Covaxin, porque são 22 ministérios. Só o ministério do Rogério Marinho [Desenvolvimento Regional], tem mais de 20 mil obras”, disse Bolsonaro a apoiadores nesta segunda-feira (28).“Então, eu não tenho como saber o que acontece nos ministérios, vou na confiança em cima de ministros e nada fizemos de errado.”

NOTA DE ESCLARECIMENTO: Este texto foi atualizado às 16h18 do dia 28 de junho de 2021, para incluir a resposta da empresa Belcher Farmacêutica, e às 20h55 do mesmo dia para fazer referência ao cientista social Leonardo Rossatto, que havia destacado na véspera, em sua conta no Twitter, a questão das intermediações nos negócios do governo federal relacionados a vacinas.

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