Como prefeituras tentam frear os ‘sommeliers de vacina’
Vitor Pamplona
05 de julho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h13)Cidades brasileiras adotam medidas para desestimular a recusa de imunizantes por causa do tipo de fabricante, comportamento que prejudica estratégia de vacinação nacional
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Vacinação em São Bernardo do Campo (SP)
Algumas cidades brasileiras começaram a adotar medidas para reprimir a recusa de vacinas contra a covid-19 por causa do fabricante, comportamento que ganhou adeptos desde a inclusão do imunizante da Pfizer na campanha nacional. Ao menos sete municípios em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais já reagiram aos “sommeliers de vacina”, apelido dado por usuários de redes sociais a quem acredita haver vantagens em um imunizante sobre outros.
Além de ter como base premissas equivocadas e notícias falsas, a recusa de vacinas pode prejudicar a campanha nacional de imunização , com consequências negativas individuais e para a saúde pública. Atualmente no país estão disponíveis quatro tipos de imunizante — a Coronavac, a AstraZeneca, a Pfizer e, desde 25 de junho, a Janssen — e todos foram aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Quem vai a uma unidade de saúde se imunizar, recebe a vacina que estiver disponível e não tem direito de escolher qual será aplicada.
Neste texto, o Nexo apresenta as medidas adotadas pelas prefeituras para tentar frear os “sommeliers de vacina”, relembra a origem desse comportamento e explica por que, segundo os especialistas em saúde, não faz sentido preferir um imunizante por causa da marca.
No estado de São Paulo, cinco cidades aprovaram medidas para desestimular quem quiser escolher qual vacina tomar nos postos de saúde. Em São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, na região metropolitana da capital, quem recusar a dose disponível será mandado para o fim da fila da vacinação. Dessa forma, só poderá receber o imunizante depois de todas as pessoas com mais de 18 anos se vacinarem.
Já no interior paulista, São José do Rio Preto e Jales começaram a exigir a assinatura de um termo de responsabilidade por quem recusar uma determinada marca de vacina. Segundo as duas prefeituras, os documentos serão encaminhados ao Ministério Público, que pode entrar com alguma medida judicial — ao menos por enquanto, não há punição prevista. Na pequena Urupês , no noroeste paulista, além de assinar o termo de responsabilidade, o “sommelier de vacina” fica obrigado a entrar na fila da xepa de alguma unidade de saúde.
Na quinta-feira (1º), Juruaia , no sudoeste mineiro, também adotou como medida mandar quem recusa uma vacina para o fim da fila da imunização. No mesmo dia, foi a vez de Criciúma , em Santa Catarina, também decretar a mesma providência.
“Muitas pessoas oportunistas querem escolher a vacina. Todas elas têm a sua eficácia, a Coronavac, AstraZeneca, Pfizer e a Jassen. Você não tem o direito de escolher a vacina. Vacina boa é aquela que é aplicada no seu braço”, afirmou o prefeito da cidade, Clésio Salvaro (PSDB). Ele disse ainda que as doses de vacina “não são vinho, ou uma blusa” para cada pessoa poder escolher a de sua preferência.
A decisão de adotar medidas para desestimular o comportamento dos “sommeliers” de imunizantes contra a covid tem respaldo legal do Supremo Tribunal Federal . Em 17 de dezembro de 2020, a corte decidiu que a competência para combater a pandemia é igualmente dividida por estados, municípios, Distrito Federal e União. Isso significa que os governos locais têm autonomia para aprovar leis e medidas de saúde pública, independentemente do governo federal.
Os ministros do Supremo decidiram que ninguém será forçado a se vacinar, mas autorizaram todas as unidades federativas a, por exemplo, limitar os direitos de pessoas não imunizadas. Quem não tomar vacina ou se recusar a tomar pode ser impedido de entrar em determinados lugares, sofrer sanções ou ser proibido de receber certos benefícios do governo.
Relatos sobre pessoas recusando vacinas em postos de saúde se multiplicaram no país desde a chegada de doses da Pfizer , em maio de 2021. Entre os motivos, estava o índice de eficácia que chega a 95% e a crença de que com o imunizante americano seria possível viajar para o exterior sem ser barrado nos aeroportos, já que ele tem sido amplamente usado nos EUA e em países da Europa.
Reações adversas à Coronavac e à Oxford/AstraZeneca, mesmo raras e brandas, ajudaram a disseminar o comportamento à medida que foram divulgadas nas redes sociais. Febre, dor de cabeça, indisposição e dor passageira no local da aplicação são comuns em todas as vacinas, inclusive na Pfizer , de acordo com as autoridades de saúde dos EUA. Notícias falsas também levaram ao aumento da rejeição das vacinas no Brasil. O Instituto Butantan, que fabrica a Coronavac no país, criou até uma página em seu site para desmentir fake news.
Quase seis meses depois do início da vacinação no Brasil, ainda é comum encontrar pessoas nas filas dos postos de saúde perguntando qual marca de vacina está sendo aplicada. Depois da Pfizer, há uma nova preferência pela Janssen , por ser proveniente dos EUA e aplicada em dose única.
A principal razão pela qual especialistas não recomendam que as pessoas recusem os imunizantes disponíveis é a saúde pública. A vacinação não é apenas uma ferramenta de proteção individual, mas coletiva, que evita a propagação de uma doença quando um grande percentual da população é vacinado. Por isso, dizem os especialistas, não faz sentido escolher qual vacina tomar.
A vacinação em massa cria o que os infectologistas chamam de imunidade coletiva, que é a proteção de toda a população, incluindo quem não foi vacinado. “Para controlar a covid-19, precisamos de alta cobertura vacinal rapidamente, não só para diminuir o número de doentes, mas para reduzir a circulação do vírus”, explicou ao Nexo a médica Flávia Bravo, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), em maio.
Mesmo com eficácias diferentes para prevenir casos sintomáticos da covid-19, lembrou Bravo, todas as vacinas aprovadas no país previnem casos graves e mortes em um índice de praticamente 100%. “Vacinas que têm eficácia de 50% ou de 70% para casos sintomáticos registram minoria de doentes graves. Quem adoecer terá sintomas leves. Com isso, começaremos a controlar a doença”, disse.
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