Expresso

As investigações que pressionam o ex-ministro Pazuello

Estêvão Bertoni

05 de agosto de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h17)

General da ativa tem assessor ouvido na CPI, vira alvo de dois processos no Tribunal de Contas da União e é citado em depoimento de deputado que relata pressão para liberar verbas ao centrão 

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 19.MAI.2021

Imagem mostra o ex-ministro Eduardo Pazuello, de terno, com um broche da bandeira do Brasil na lapela, e máscara

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello

Na tentativa de fechar o cerco contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a CPI da Covid no Senado ouviu na quinta-feira (5) seu ex-assessor, o empresário Airton Soligo , conhecido como Airton Cascavel. Responsável por negociar com estados e municípios o envio de insumos e equipamentos na pandemia, Cascavel era considerado por interlocutores como o ministro “de fato” , por facilitar decisões.

Fora da CPI, o ex-ministro da Saúde vem tendo sua situação agravada em investigações sobre a atuação do governo na pandemia. Ele é investigado pela Polícia Federal sob suspeita de omissão na crise sanitária no Amazonas, e virou alvo na quarta-feira (4) de outros dois processos do TCU (Tribunal de Contas da União), também por causa das ações do ministério. Além disso, um depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) à PF divulgado na terça-feira (3) implicou o ex-ministro como alvo de pressões para liberar dinheiro aos parlamentares do centrão.

O cerco civil a Pazuello se contrasta com a resposta que o general da ativa recebeu de seus colegas militares. O ex-ministro se livrou de uma punição no Exército depois de participar de um ato público de apoio a Bolsonaro, em maio — em atitude vedada a oficiais da ativa.

Neste texto, o Nexo mostra como foi o depoimento do ex-assessor de Pazuello à CPI e como o ex-ministro da Saúde vem sendo pressionado pelas investigações.

O depoimento do ex-assessor à CPI

Cascavel foi convocado para depor no Senado por ser considerado o braço direito de Pazuello. Os senadores queriam saber qual era sua participação nas decisões da pasta, que retardou a compra de vacinas e apostou em medicamentos sem eficácia. O ex-assessor negou que seu cargo fosse importante e se eximiu de participação nas negociações sobre vacinas, apuradas pela CPI por suspeitas de irregularidades.

Antes de ser efetivado como assessor em junho de 2020, Cascavel atuou no ministério de maneira informal por cerca de dois meses, recebendo governadores, prefeitos e participando de atividades da pasta, sem receber por isso. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que ele pode ter incorrido no crime de “usurpação e exercício da função pública”.

Segundo o empresário, que já foi prefeito, deputado estadual e federal por Roraima, a nomeação demorou porque ele precisou se desligar de sua empresa para poder exercer um cargo público, mas não conseguiu fazer isso já que, na época, os cartórios estavam fechados por causa da pandemia. Ele também disse ter ouvido boatos de que seu nome havia sofrido resistências na Casa Civil, mas não soube dizer por qual motivo.

Questionado pelos senadores sobre o epíteto de “ministro de fato” que recebeu de secretários de Saúde, por desenrolar questões burocráticas e de logística, Cascavel minimizou sua importância na pasta.

“Eu quero diminuir essa importância que as pessoas me atribuem nessa relação com Estados, com municípios (…). Eu nunca vi um secretário municipal ou estadual me condenar por qualquer atitude; pelo contrário, diziam que eu ajudava a facilitar a burocracia pública, para que as coisas acontecessem. Foi esta a minha função, a de fazer acontecer”

Airton Soligo

ex-assessor de Pazuello, em depoimento à CPI

Cascavel disse ter conhecido Pazuello em 2018, quando o general coordenou a Operação Acolhida, em Roraima, que organizava a chegada de venezuelanos ao país. O convite para ser assessor especial do ministério ocorreu ainda na gestão do ex-ministro Nelson Teich, que não ficou sequer um mês no cargo e pediu demissão por discordar do protocolo do governo sobre o uso da cloroquina em doentes com covid.

Com a saída de Teich, o convite foi refeito por Pazuello. O ex-assessor permaneceu no cargo de abril de 2020 (a formalização da nomeação só aconteceu em junho daquele ano) a março de 2021. Sua exoneração se deu junto com a substituição do general pelo ministro Marcelo Queiroga.

Segundo Cascavel, seu papel era de articulação, já que os militares nomeados para atuar na pasta não tinham “traquejo político do trato” e o ministério precisava manter uma boa relação com o Congresso. Segundo o jornal O Globo, o empresário, que é filiado ao Republicanos, tinha intenção de retomar sua carreira política e via no cargo uma maneira de se projetar. Em 2018, ele concorreu a deputado federal, mas não conseguiu se eleger.

No diálogo do ministério com os governadores, Cascavel disse ter atuado como um “pacificador”, inclusive nas tratativas conturbadas do governo federal com o Instituto Butantan — Bolsonaro chegou a anunciar que não compraria a Coronavac. O ex-assessor criticou o que chamou de “politização” em torno dos imunizantes, sem reconhecer a participação do governo na questão. Por isso, foi confrontado pelos senadores sobre as declarações do presidente contra as vacinas.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) questionou o ex-assessor sobre as ligações feitas a ele pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que tentou intermediar a venda de vacinas para o ministério e disse ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de um diretor da pasta. Cascavel afirmou que não conhecia o PM e disse não tê-lo atendido.

“Havia um insistente mandando mensagens, alguém ofertando vacinas no meu telefone, e eu nunca respondi essas mensagens porque eu achava que isso era picaretagem, eu achava que era uma armação”

Airton Soligo

ex-assessor de Pazuello, em depoimento à CPI

As ações contra Pazuello no TCU

O depoimento de Cascavel não teve grandes revelações em relação à atuação de Pazuello, mas a situação do ex-ministro tem se agravado. O general tornou-se alvo de duas novas ações no TCU na quarta-feira (4). Ele e outros três ex-funcionários do alto escalão do ministério são investigados por descumprimento de determinações do próprio tribunal, o que pode resultar em pagamento de multas.

“O Ministério da Saúde recebeu do tribunal uma determinação para que elaborasse um plano de coordenação. Não é que ele tentou fazer e fracassou. Há um componente de dolo [intenção de violar a lei] na medida em que foram editados atos para esvaziar as competências que os atos anteriores estabeleciam para o ministério. Ao invés de acatar a determinação do tribunal, o que o ministério fez foi revogar as normas que lhe atribuíam competências na regência da pandemia”, afirmou o ministro Bruno Dantas, do TCU, em seu voto.

Ele defendeu que Pazuello e o ex-secretário-executivo do ministério Elcio Franco fossem multados pelo descumprimento das determinações em cerca de R$ 34 mil (a multa para outros dois funcionários seria de R$ 20 mil), mas os ministros decidiram que eles deveriam apresentar suas defesas antes.

O segundo processo no TCU vai investigar a responsabilidade de cada um nas omissões do ministério na pandemia. Dantas lembrou que, embora a gestão do SUS (Sistema Único de Saúde) caiba à União, estados e municípios de forma compartilhada, o Ministério da Saúde tem que coordenar as ações. O governo federal tem sido acusado justamente de abrir mão de seu papel. “Quando falamos de uma pandemia, não há como enfrentá-la, uma pandemia tão agressiva, tão dura, sem que haja um plano nacional”, disse o ministro.

As investigações da Polícia Federal também tratam da omissão do governo federal na crise do Amazonas. Apesar de alertado com antecedência sobre os riscos de falta de oxigênio na região, o governo nada fez para evitar o colapso dos hospitais. Na mesma época, o ministério investiu na disseminação de remédios ineficazes no estado.

A depender do resultado do julgamento do TCU, os investigados podem ficar impedidos de assumir cargos públicos.

As denúncias do deputado Luis Miranda

Na terça-feira (3), Pazuello também foi citado num depoimento feito pelo deputado federal Luis Miranda à Polícia Federal. Miranda é irmão de um servidor de carreira do Ministério da Saúde que denunciou supostas irregularidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal (o contrato foi posteriormente cancelado, após as revelações virem à tona).

Ele e o irmão dizem que levaram o caso ao presidente Jair Bolsonaro, que confirmou o encontro e disse que pediu para Pazuello apurar. O presidente está sendo investigado sob suspeita de prevaricação no episódio.

No depoimento, o deputado federal disse que Pazuello contou ter sofrido pressão do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para direcionar recursos a determinadas regiões do país.

Segundo Miranda, o ex-ministro lhe relatou durante um voo: “Arthur Lira botou o dedo na minha cara e falou assim: ‘Eu vou te tirar dessa cadeira’ porque eu não quis liberar a grana para a listinha que ele me deu dos municípios e lugares que ele queria que recebesse”.

Ele disse que perguntou ao então ministro se o caso era o tal “pixulé” a que Pazuello fez referência ao deixar o ministério. Em vídeo vazado na época de sua saída da pasta, o general aparece dizendo ter negado vários pedidos de “pixulé”.

“Aí, eu falei: ‘Ah, é isso. É então aquele desabafo que você fez do pixulé?’ E ele falou: ‘É, porra, aquela história que eu falei, do tal do pixulé’”, afirmou o deputado no depoimento.

Ainda segundo Miranda, Pazuello lhe disse que o episódio havia sido relatado também a Bolsonaro. O deputado divulgou uma foto dentro do avião, ao lado do ex-ministro, para comprovar sua versão.

A Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) negou em nota que Pazuello, atualmente no cargo de secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, tenha sofrido qualquer pressão. Lira também negou o caso e disse que vai acionar o Conselho de Ética da Câmara contra Miranda.

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