O relatório da CPI nas mãos de Aras: o que esperar da apuração
Isabela Cruz
28 de outubro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h29)Procurador-Geral recebe de senadores documento que pede punição de Bolsonaro, ministros, governador e parlamentares por atuação na pandemia. Sob desconfiança por alinhamento com governo, promete que vai agir
Procurador-Geral da República, Augusto Aras recebe de senadores o relatório aprovado da CPI da Covid
Senadores da CPI da Covid entregaram nesta quarta-feira (27) o relatório final do inquérito parlamentar para o procurador-Geral da República, Augusto Aras. O documento atribui nove crimes ao presidente Jair Bolsonaro e mais uma série de outros a autoridades que também só podem ser denunciadas à Justiça por iniciativa de Aras.
Há grande desconfiança em relação ao ritmo que o procurador-geral deverá impor à análise do documento. Isso porque Aras já deu diversas demonstrações de alinhamento aos interesses do governo federal , algo que analistas atribuem ao desejo do procurador de ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal. Uma vaga na corte está aberta no momento , e a primeira indicação de Bolsonaro, o ex-advogado geral da União André Mendonça, enfrenta grande resistência para ser aprovada no Senado.
Neste texto, o Nexo mostra o que Aras já indicou sobre o relatório da CPI, explica quais são suas capacidades para frear inquéritos e processos contra as cúpulas do Executivo e do Legislativo, e traz análises sobre o sobre os casos com mais chances de serem considerados pelo procurador-geral.
Sob desconfiança dos senadores , Aras afirmou ao receber o relatório na quarta-feira (27) que as informações do documento permitirão ao Ministério Público, que já tem investigações sobre a pandemia em andamento, “avançar na apuração em relação a autoridades com prerrogativa do foro nos tribunais superiores”. É o caso do presidente da República, os ministros, o governador (que já é réu por contratos da pandemia) e os parlamentares federais a quem o documento atribui suspeitas de crimes. São eles:
Segundo o próprio Ministério Público Federal, “ficou acertado” que a CPI enviaria o relatório à Procuradoria-Geral da República em partes, conforme o direito a foro privilegiado nos tribunais superiores. Uma parte sobre pessoas que devem ser investigadas no âmbito do Supremo (presidente, ministros, deputados e senadores), e outra sobre pessoas que devem ter seus casos analisados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), como é o caso do governador amazonense. A comissão também enviará, separadamente, documentos à Procuradorias de primeira instância de São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Distrito Federal.
Não há na lei especificamente um prazo para que Aras analise o relatório da CPI. O documento da comissão, que também propõe mudanças legislativas, inclui um projeto de lei para alterar a lei das CPIs, da década de 1950. A proposta pede a aplicação aos resultados do inquérito parlamentar dos mesmos prazos estabelecidos pelo Código de Processo Penal para investigações: no caso de indiciados que estejam em liberdade, promotores e procuradores têm 30 dias para analisarem os indiciamentos encaminhados por delegados de polícia.
Normalmente, as ações penais são públicas, apresentadas pelo Ministério Público. Mas parlamentares consideram a possibilidade de pessoas e associações apresentarem “ações penais privadas subsidiárias”, previstas na legislação em hipóteses excepcionais, se Aras nada fizer diante do relatório. Especialistas em direito processual penal, porém, veem dificuldades para que isso seja viável juridicamente.
Reportagem do jornal O Globo de terça-feira (26) informou que Aras já tinha decidido que vai encaminhar o material para uma “análise prévia” do Giac-Covid-19 ( Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus-19), um órgão temporário da Procuradoria-Geral, criado por Aras e coordenado por ele, para fiscalizar as políticas públicas da pandemia.
Nesta quinta-feira (28), Aras abriu uma apuração preliminar para iniciar a avaliação sobre os fatos atribuídos pela CPI a Bolsonaro e demais nomes com foro privilegiado. Esse tipo de procedimento prévio, que antecede investigações formais, tem sido apontado por críticos de Aras como inócuo. Isso porque essas apurações têm caráter meramente interno ao Ministério Público e, até o momento , não têm ficado sob escrutínio do Judiciário, sem sofrer cobranças de um juiz.
Analistas do sistema de Justiça afirmam que Aras inicia as apurações preliminares contra Bolsonaro e seus ministros como forma de “mostrar trabalho” diante das pressões que recebe de parlamentares e entidades que acionam o Supremo Tribunal Federal e, ao mesmo tempo, evitar a abertura de inquéritos efetivos que colocariam a alta cúpula do Executivo federal como investigada criminal.
Constitucionalistas também apontam que a blindagem que Aras faz do governo é possível pela própria estrutura do Ministério Público. Dentro da instituição, diferentemente do restante dos procuradores, o procurador-geral da República não tem suas decisões de arquivamento submetidas a um órgão revisor.
Dessa forma, se ele decide encerrar as apurações preliminares ou inquéritos sem maiores justificativas, não há como recorrer para questionar o chefe do Ministério Público Federal. O relatório da CPI também recomenda ao Congresso uma alteração constitucional para que os arquivamentos de um procurador-geral da República possam ser revistos.
Estudioso da política no Ministério Público Federal, Rafael R. Viegas, doutorando da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo, conversou com o Nexo sobre o que esperar da atuação do Giac. O pesquisador destacou que a criação do Giac foi uma iniciativa de Aras em prol da coordenação dos diferentes braços e instâncias do Ministério Público e reúne procuradores e promotores com grande capacidade técnica, inclusive na área de saúde pública.
Para Viegas, no entanto, o Giac “se mostrou pouco preventivo ou combativo” ao longo da pandemia, algo que ele atribui a fatores de estrutura e composição do órgão. Segundo o pesquisador, como a escolha dos integrantes do Giac é feita por Aras, eles dependem de um certo alinhamento com o procurador-geral para se manterem na posição e assim conseguirem crescer na carreira, entre outros objetivos. Como comparação, as Procuradorias são ocupadas por procuradores titulares da vaga, que não podem ser removidos se agirem em sentido diverso de seus superiores.
“Esse tipo de órgão se insere numa lógica política de funcionamento do Ministério Público, como também ocorre em outros órgãos criados por portaria. Neles, o procurador-geral e seu vice têm muito poder sobre os que são designados. Não se esperam portanto pareceres exclusivamente técnicos desse tipo de órgão, embora haja membros tecnicamente muito bem preparados para analisarem o material da CPI”
Sobre a robustez das acusações criminais feitas no relatório a Bolsonaro, de quem Aras precisa para chegar ao Supremo , o Nexo conversou com o professor de direito penal Davi Tangerino, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da FGV-SP. Para ele, “estão muito bem desenhadas” as imputações que são feitas quanto aos crimes de:
A CPI também atribuiu a Bolsonaro os crimes de infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, prevaricação e crimes de responsabilidade, estes julgados em processo de impeachment, pelo Senado. Entre todos os delitos elencados, o mais grave para o direito penal é o crime de epidemia, com pena de até 30 anos quando resulta em morte.
No caso dos crimes contra a humanidade, apesar da extensa fundamentação do relatório, Tangerino vê chances menores de que eles constem em denúncia de Aras contra Bolsonaro, entre outros motivos porque se trata de delito “mais pesado para a percepção popular”. Tangerino acrescenta que “de modo geral, processar o presidente exige precisão”. “Melhor acusar menos, mas com mais foco”.
Em caso de denúncia da Procuradoria-Geral contra o presidente da República ou contra ministros, um processo só poderá ser autorizado pelo Supremo se, antes, for autorizado por dois terços da Câmara. No caso de congressistas e governadores, a decisão de abertura de um processo cabe unicamente aos tribunais superiores, sem necessidade do aval legislativo.
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