Como é a proposta de criar um marco das criptomoedas no Brasil
Cesar Gaglioni
03 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 23h34)Texto aprovado no Senado aguarda análise da Câmara dos Deputados. Pioneiro na América Latina, projeto define direitos e deveres nas transações com moedas digitais
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Ilustração visual do bitcoin
O Senado aprovou o marco regulatório das criptomoedas na última semana de abril. A proposta, elaborada pelo senador Irajá (PSD-TO), ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados.
O texto – pioneiro na América Latina – define criptomoedas, a prestação de serviços relacionados a elas e altera o Código Penal para incluir tipos de crimes relacionados às moedas digitais.
O movimento segue outros países do mundo que também tentam regular os criptoativos, dado o seu crescente uso . O mercado de criptomoedas movimentou US$ 1,5 trilhão em 2021.
Neste texto, o Nexo explica o que diz a proposta, mostra o que outros países estão fazendo e traz análises sobre o tema.
A legislação seguiu uma definição consagrada para determinar o que são criptomoedas: elas são “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”.
O bitcoin foi a primeira criptomoeda do mundo, criada em 2009 – por alguém cuja identidade segue desconhecida – e permanece como o criptoativo mais popular do mundo. Para operar em bitcoin, o investidor – que pode ser pessoa física ou jurídica – faz um aporte de dinheiro em uma corretora, que por sua vez faz a conversão para a cotação atual da moeda, que sobe e desce rapidamente. Há outras criptomoedas além do bitcoin, que funcionam de maneira similar.
Todas as transações já feitas com bitcoins estão registradas em um arquivo comum, que é chamado de “blockchain”, ou cadeia de blocos em uma tradução livre do inglês.
A blockchain é uma peça essencial da estrutura da bitcoin, e recebe esse nome porque é formada por uma série de blocos de informação que se encadeiam. Esses blocos compilam e registram as centenas de milhares de transações realizadas com a bitcoin periodicamente no mundo desde que a moeda foi lançada. As transações são reunidas e fechadas em blocos a cada dez minutos, que devem se integrar ao arquivo maior, a “blockchain”.
Para que os blocos sejam efetivamente integrados à blockchain, um enigma matemático precisa ser resolvido por indivíduos chamados de mineradores, uma estratégia criada para assegurar a legitimidade das transações. Esses membros da comunidade online que gere a bitcoin não fazem essas contas à mão, e sim utilizam o poder de processamento de seus computadores.
Em troca pelo trabalho, eles recebem bitcoins por cada bloco de transação que verificam. Uma parte da recompensa é uma taxa que sai das transações. Outra parte vem da criação de novas moedas emitidas pelo sistema da bitcoin. Essa emissão foi uma forma encontrada tanto para remunerar os operadores pelo seu trabalho quanto para determinar o ritmo de aumento do número de moedas em circulação.
O texto aprovado no Senado define a prestação de serviços relacionados a criptomoedas. As empresas que trabalham com criptomoedas são definidas como “a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais”, como compra e venda de criptoativos. Elas devem seguir as mesmas normas estabelecidas para outras empresas que lidam com finanças.
A proposta de lei exige que o governo federal crie um órgão dedicado ao monitoramento dessas empresas.
O projeto de lei também traz mudanças no Código Penal para tipificar crimes cometidos com o uso de criptomoedas. Pelo texto, a legislação brasileira passa a reconhecer o crime de “Fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”.
Em 2021, os golpes com bitcoins totalizaram R$ 2,5 bilhões, de acordo com dados da Polícia Federal. Eles foram tipificados como fraudes comuns, sem a especificidade das criptomoedas.
Os golpes mais recorrentes envolvem prestadoras de serviços falsas que fazem promessas vazias de retorno rápido de investimento ou então estabelecem um esquema de pirâmide para seus clientes. Pela tipificação proposta, esse crime gera de dois a seis anos de prisão, além de multa.
O texto da lei também exige que autoridades públicas – como presidente, deputados, senadores e ministros – obrigatoriamente divulguem seus investimentos em criptomoedas como forma de manter uma relação transparente com a sociedade.
A mineração e processamento de criptomoedas exige grandes quantidades de energia – deixando, por consequência, um impacto ambiental significativo .
Para tentar contornar o problema, a proposta legislativa concede benefício fiscal até 2029 para empresas que invistam em tecnologia e inovação para a operação sustentável com criptomoedas. “Serão zeradas as alíquotas de Pis/Pasep, Cofins, IPI e Imposto de Importação para a importação, industrialização ou comercialização de hardware e software usados nas atividades de processamento, mineração e preservação de ativos virtuais desenvolvidas por pessoas jurídicas de direito privado” em serviços que usem 100% de energia renovável até 2030.
As criptomoedas são uma tecnologia muito recente, que ganharam tração apenas na segunda metade da década de 2010. Por isso, as regulações sobre o tema ainda são escassas.
Antes do marco regulatório aprovado no Senado, a única determinação legal sobre as criptomoedas no Brasil era de que os ganhos provenientes de investimentos com elas devem ser declarados no Imposto de Renda. A medida começou a valer em 2021.
Nos Estados Unidos, o entendimento sobre a questão varia de estado para estado . Em Nova York, as empresas que prestam serviços com criptoativos precisam ter uma licença especial; no estado do Arizona, as empresas e os usuários precisam ter uma permissão para operar as transações.
Em El Salvador, na América Central, desde setembro de 2021 o bitcoin é reconhecido como uma moeda oficial e está sujeita às mesmas leis do dólar americano, a moeda corrente do país. O bitcoin deve ser aceito em todos os estabelecimentos no território salvadorenho. Foi o primeiro país do mundo a adotar a moeda digital oficialmente.
No dia 28 de abril, o Banco Central de Cuba aprovou a liberação do uso de criptomoedas em transações do cotidiano, como compra de produtos e prestação de serviços. A única exigência é que os interessados no uso obtenham com o governo uma licença especial para os ativos digitais.
A União Europeia ainda debate o tema. O texto inicial de um marco regulatório está tramitando no Parlamento Europeu desde 2021, mas segue sem previsão para começar a valer. O Reino Unido vê as criptomoedas como qualquer outra transação financeira. Por isso, a única exigência legal é que ganhos provenientes de investimentos com elas sejam declarados nos formulários tributários dos cidadãos.
A China permitiu livremente os investimentos com criptomoedas por dez anos. Em junho de 2021, o país mudou seu entendimento sobre o tema e proibiu as transações. A justificativa oficial do Partido Comunista Chinês era de que as criptomoedas favoreciam golpes financeiros e podiam trazer instabilidade à economia do país. Para poder regular a questão, a China está desenvolvendo sua própria moeda digital oficial, que não tem previsão de lançamento.
Vinícius Bitzer, chefe de operações da corretora Brasil Bitcoin, vê o texto regulatório como positivo. “Se o texto permanecer sem alterações, ele vai contribuir com o mercado como um todo”, disse ao Nexo .
Na visão de Bitzer, a proposta pode trazer mais segurança a usuários e empresas. Ele só teme que haja uma intervenção estatal excessiva no assunto. “Se as exigências forem demasiadas, isso pode tornar a operação mais burocrática e pode acabar afastando investidores.”
Nina Silva, comentarista de tecnologia da CNN Brasil, também vê o texto como positivo . “Para grandes nomes do mercado, a regulação do setor pode ser positiva no âmbito de atrair mais investidores e dar mais segurança para combater esquemas de pirâmides financeiras”, afirmou ao canal no dia 26 de abril.
Juliana Abrusio e Marcelo de Castro Cunha, especialistas em direito digital do escritório de advocacia Machado Meyer, acreditam que o Legislativo deve estabelecer regras mais específicas para temas como NFTs e stablecoins (moedas digitais lastreadas em ouro ou dólar, mais estáveis). Eles, no entanto, veem o texto como um primeiro passo importante .
“Enquanto essas questões não forem resolvidas, o mercado cripto no país pode não conquistar a segurança jurídica necessária para desenvolver todo seu potencial, mas é importante deixar claro que, ainda assim, o momento é de comemoração pelo fato de nos aproximarmos, cada vez mais, mais de um primeiro marco regulatório para a criptoeconomia brasileira”, disseram em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo nesta terça-feira (3).
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