Por que Paulo Guedes está ganhando poder em final de mandato
Marcelo Roubicek
01 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Ministro tem vitória com avanço da venda da Eletrobras e volta a indicar nomes para cargos-chave do governo. Entenda essa retomada de influência às portas da tentativa de reeleição de Bolsonaro
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Paulo Guedes em evento do Banco do Brasil em Brasília
Paulo Guedes vem ganhando poder no final do mandato de Jair Bolsonaro. Após uma série de fracassos na execução da agenda liberal e um longo período de desgaste e isolamento , o ministro da Economia acumula vitórias em 2022.
Uma delas é o avanço do processo de capitalização da Eletrobras após mais de três anos com a agenda de privatizações praticamente travada. A maior empresa do setor elétrico brasileiro se encaminha para ser a maior privatização do governo Bolsonaro.
Além disso, Guedes conseguiu emplacar aliados em cargos importantes no setor de energia – protagonista da crise dos combustíveis de 2022 e, por tabela, centro da discussão sobre a inflação acima de 10% no Brasil. Adolfo Sachsida, ex-secretário de Política Econômica de Guedes, assumiu o Ministério de Minas e Energia em 11 de maio, após a demissão de Bento Albuquerque. Caio Paes de Andrade, também ex-secretário de Guedes, é o indicado pelo governo para comandar a Petrobras após a demissão de José Mauro Coelho em 23 de maio.
Neste texto, o Nexo relembra a trajetória de Guedes no governo e ouve especialistas para entender o fortalecimento do ministro da Economia em 2022. A avaliação é que isso reflete movimentações de Bolsonaro mirando a eleição de outubro.
2018
Nas eleições de 2018, Guedes serviu de ponte entre Bolsonaro e agentes do mercado financeiro. Sob o rótulo de “posto Ipiranga” – aquele a quem era possível recorrer para resolver praticamente tudo –, ele ajudou a angariar o apoio do setor na campanha presidencial.
2019
Guedes começou o mandato com status de “superministro” e pilar do governo. O carro-chefe da agenda econômica do governo em 2019 foi a reforma da Previdência, que foi aprovada em outubro pelo Congresso Nacional – a articulação contou com protagonismo de Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados. Em paralelo, outras pautas, como as privatizações e a reforma administrativa, praticamente não avançaram.
2020
Em 2020, a agenda econômica ficou praticamente paralisada . A chegada da covid-19 em março fez com que a pandemia ganhasse espaço e urgência no Congresso: a agenda de Guedes ficou em segundo plano. As diretrizes de corte de gastos defendidas por Guedes tiveram de ser abandonadas, ao menos temporariamente. O ministro também rivalizou com outros integrantes do governo, como os então ministros Braga Netto, da Casa Civil, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional.
2021
Em 2021, o ministro acumulou novas derrotas, incluindo a continuidade do avanço do centrão sobre o Orçamento . Mas a principal delas foi o drible aplicado sobre o teto de gastos – regra fiscal que restringe as despesas do governo. A articulação e aprovação da PEC dos Precatórios abriu mais de R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022 ao mudar o teto e adiar o pagamento de dívidas judiciais. Mesmo com a debandada de membros da equipe econômica e a reação negativa do mercado , Guedes defendeu a medida. Ele argumentou que a manobra não alterava os “ fundamentos fiscais ” da economia brasileira e que a investida se fez necessária diante da situação de vulnerabilidade de milhões de brasileiros.
2022
No ano em que tenta a reeleição, Bolsonaro articula medidas que ampliam os gastos do governo e, em boa parte dos casos, deixam a conta para 2023 . Essas medidas vão desde a promessa de reajuste de servidores até redução de tributos federais e pisos de remuneração para trabalhadores da saúde. Guedes, enquanto isso, ganha espaço no governo ao colocar aliados em cargos importantes na área de energia. O ministro também atua nos bastidores para tentar fazer com que a Petrobras segure os preços de combustíveis durante o período eleitoral. Por fim, ele indica que deve permanecer no cargo em um eventual segundo mandato de Bolsonaro.
O Nexo conversou com especialistas sobre a posição de Guedes em 2022, ano em que Bolsonaro tenta a reeleição.
Rafael Cortez Acho que o ministro Guedes mostrou ter um poder de adaptação da sua agenda em relação aos movimentos políticos da reeleição. Eu diria que é um fortalecimento, mas não é um fortalecimento das teses do Guedes. É muito mais um fortalecimento da figura do ministro, e a possibilidade de que ele dê contribuições mais robustas a esse projeto de reeleição – mas não necessariamente isso significa um poder à agenda [liberal] do próprio Guedes.
Quem está definindo a agenda, no limite, é o poder executivo [Bolsonaro]. Lá atrás, com aquela imagem do posto Ipiranga e com a criação do superministério da Economia, havia uma ideia de que o presidente Bolsonaro delegaria esse poder de agenda no campo econômico ao ministro Guedes. Não me parece que este fortalecimento, este ganho de prestígio [em 2022], seja esse fenômeno. Na verdade, parece que o Guedes é mais um executor de uma agenda que é definida pelo presidente e seu núcleo político.
Olhando em particular para este momento, tem uma outra questão que é: a ideia [de Bolsonaro] é fazer uma centralização decisória, para diminuir as divisões dentro do governo. Me parece uma leitura do presidente de que não havia uma coesão dentro do governo – daí um nome associado à Economia. Para, em alguma medida, implementar uma agenda que passa, ao fim e ao cabo, pela questão eleitoral e pelos desgastes que a inflação tem gerado no projeto de reeleição.
Tathiana Chicarino As últimas pesquisas vêm mostrando que há uma cristalização da intenção de voto. Não significa que vai acontecer dessa maneira, mas já é uma questão diferente de outras eleições presidenciais: parece que o eleitorado já tem os seus lados bem definidos. Nesse sentido, os temas que vão aparecer na campanha eleitoral estão se antecipando também. E um dos temas que têm sido colocados no debate – tanto pelos candidatos como pelas próprias necessidades da população – é a questão econômica.
A gente viu alguns aliados, algumas pessoas que fazem parte da campanha de Bolsonaro, pressionando Guedes. “Como vai ser? Quais são as conquistas que a gente pode colocar numa campanha eleitoral? O que a gente conseguiu fazer no plano econômico?” E tem muito pouca coisa que foi feita. Então essa questão da privatização [da Eletrobras], que é muito recente, pode até emplacar com alguma fatia do eleitorado. Especialmente pessoas ligadas ao mercado ou que aderem a esse discurso do mercado.
A questão dos combustíveis, subsídios, está muito mais ligada à vida das pessoas. E Guedes tem aparecido como uma pessoa que blinda Bolsonaro ao atribuir culpa disso para outros agentes – desde governadores até a questão da pandemia e da guerra. Isso casa muito bem com a estratégia de Bolsonaro de atribuir culpa para outras pessoas. Embora não tenha sido bem-sucedido nas políticas econômicas, Guedes, do ponto de vista das estratégias discursivas em torno de uma campanha eleitoral, é muito fiel a Bolsonaro. Faz esse papel e é alguém que também não lhe faz sombra.
Há também um certo fortalecimento de Guedes para fazer um contraponto ao chamado centrão. É claro que Bolsonaro está no centrão e precisa do centrão. Mas colocar todas as fichas no centrão numa campanha eleitoral é algo muito complicado. [O fortalecimento de Guedes] Pode ser uma estratégia de reviver algumas uma das forças eleitorais que acabou sustentando a campanha de 2018.
Rafael Cortez Me parece que o papel dele é muito mais de minimizar eventualmente alguns danos a uma gestão de política econômica por conta da lógica política [de Bolsonaro ao buscar a reeleição], do que ditar a agenda. A imagem do posto Ipiranga era uma imagem que superestimava o poder efetivo do ministro Guedes na gestão da política econômica. Ao fim e ao cabo, é uma agenda do presidente, do governo como um todo.
Acho que o ministro Guedes tem uma dificuldade cada vez maior de conseguir passar essa imagem de que a agenda econômica está protegida dessa lógica de curto prazo, das imposições decorrentes do processo eleitoral. O que acho que facilita um pouco essa tarefa são melhoras relativas que o Brasil conseguiu nos últimos tempos.
Essa melhora relativa tem a ver com dois elementos. O primeiro é internacional – o conflito Rússia-Ucrânia, que de alguma maneira melhora a posição do Brasil relativa aos emergentes. Isso ajuda a diminuir a percepção de risco, portanto, facilitando a vida do Guedes em evitar uma percepção de risco maior. E o segundo ponto é que os resultados fiscais têm sido melhores, por conta de um efeito inflacionário e do choque de commodities, que melhora a arrecadação. O resultado efetivo [da gestão de Guedes] não impediu o Brasil de ter uma perda importante de percepção de risco no biênio 2020-21, agora amenizada por esses fatores em 2022.
Acho que ele [Guedes] parece ter disposição para prosseguir no governo. Me parece que ele quer deixar um marco, uma contribuição, do ponto de vista da agenda econômica, associada a uma agenda liberal. Se lembrarmos das metas iniciais e da retórica ambiciosa, o ritmo de execução dessa agenda ficou devendo. Me parece que ele tem a ambição de destravar uma série de pontos que não caminharam no primeiro mandato.
Tathiana Chicarino Esse discurso liberal de Guedes caiu [funcionou] em alguns extratos em 2018. A gente fala que os empresários estão com Bolsonaro, mas tem desde grandes empresários muito ricos até empresários de médio e pequeno porte. Esse aspecto liberal de meritocracia, de questão empreendedora, caiu muito bem em 2018. A ver se isso ainda continua, por conta do contexto político e econômico, que mudou muito. As condições de vida estão muito piores do que estavam.
Agora em Davos, Guedes falou que o Brasil é liberal, que o ambiente de negócios é bom. E o discurso de Bolsonaro é muito assim, muito descasado com a realidade. Políticos em geral fazem isso, mas com ele é muito mais acentuado.
O discurso pode até ser nesse sentido. Mas alguns setores conseguiram capturar uma grande parcela do Orçamento. Há grupos econômicos, grupos de interesse que têm feito essa captura. Para essas pessoas, é possível que se continue apostando nessa política. E aí o discurso eleitoral, liberal ou não, pode servir para a manutenção desse tipo de captura – e é algo que é muito perverso, porque não é transparente.
Rafael Cortez Me parece que se repete. Ele ainda é uma figura importante para dar uma ideia de que os agentes sabem o que esperar do governo. Uma eventual mudança [na Economia] traria riscos adicionais para essa gestão de política econômica em ano eleitoral. Então a permanência do ministro ainda é um ativo para o presidente Bolsonaro não gerar mais barulho do que já tem, em termos econômicos.
A permanência do ministro é importante, mas não necessariamente isso vai se traduzir na defesa da agenda econômica [liberal]. Nesse sentido, os limites são evidentes. Inclusive, os riscos ainda são de novas ondas de intervencionismo para minimizar os efeitos de uma conjuntura perversa para uma candidatura de reeleição.
A presença é funcional para dar uma ideia de continuidade, muito embora exista uma dissonância entre a retórica do ministro Guedes e as decisões de fato do governo. Haja visto: a questão da Petrobras, o desdobramento da emenda do teto, o encaminhamento da questão tributária…
Os agentes econômicos olham esse papel de Guedes de forma relativa a quem é o rival político do presidente Bolsonaro. Por ora, como o ex-presidente Lula [que lidera as pesquisas de intenção de voto] ainda não fez esforços nesse sentido de minimizar essas incertezas, a figura do Guedes ainda dá pelo menos uma ideia de continuidade em relação ao que já se sabe. E aí pelo menos o mercado já sabe o que significa o governo [Bolsonaro]. Isso ajuda, embora não signifique que a agenda do governo faça jus a essa retórica do ministro. [Guedes] Se torna cada vez mais uma figura de um certo simbolismo, e não mostrando que tipo de agenda o governo vai colocar.
Tathiana Chicarino Acompanho muito as redes bolsonaristas e esse aspecto [do liberalismo] ainda não apareceu de forma intensa, como foi em 2018. Os outros dois eixos [da campanha de 2018] – a questão da moralidade pública de cunho religioso e a questão desse discurso armamentista – têm sido muito mais fortes dentro das redes [em 2022]. Até agora, diria que [Guedes] não vai ter a mesma força de ser esse grande fiador. Mas ele pode ser essa pessoa que blinda e que emite um discurso que tem um apelo tecnicista.
Desde que Bolsonaro foi eleito, ele fez manifestações autoritárias e isso foi se exacerbando nos últimos meses, até por conta do desempenho nas pesquisas eleitorais. E não vimos – como em 2013, 2014, 2015 e 2016 – um posicionamento de lideranças empresariais. Isso é muito significativo. Será que esse mercado realmente vai apoiar explicitamente Bolsonaro? Ou vai ser um apoio mais velado?
Paulo Guedes pode fazer essa mediação. Ainda que muito mais enfraquecido que em 2018, ele tem uma presença, uma proximidade com alguns setores do mercado.
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