Expresso

Por que o mundo corre risco de ter uma nova recessão global

Marcelo Roubicek

13 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h34)

Países mal se recuperaram dos impactos da pandemia e órgãos internacionais já fazem alertas sobre desaceleração num cenário de confluência de fatores negativos vindos dos EUA, da China e da Europa

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 28.OUT.2021

Homem olha painel na bolsa de valores. A curva é descendente

Homem olha painel na bolsa de valores em São Paulo

“Para muitos países, será difícil evitar uma recessão ”, escreveu o presidente do Banco Mundial, David Malpass, no dia 7 de junho. A mensagem foi na mesma linha de outros órgãos internacionais, como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que afirmou na segunda-feira (13) que espera uma forte desaceleração da economia global em 2022. No Fórum Econômico Mundial, Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), também não descartou uma recessão global.

Os alertas acontecem em um momento de persistência de inflação alta na maior parte do mundo, com tendência de aperto monetário em diversos países. A desaceleração da China também aparece como ameaça. E a guerra na Ucrânia segue como fator importante no cenário mundial. As principais bolsas de valores pelo mundo têm registrado quedas frente às perspectivas negativas.

Neste texto, o Nexo explica os principais motivos por trás dos temores de recessão global.

O que é uma recessão

Uma recessão corresponde ao período em que a economia está em retração. Ela pode ser demarcada de diferentes formas no tempo e no espaço. Portanto, é um conceito amplo, sem uma regra ou definição única oficial.

Uma das formas usadas para demarcar uma recessão é a ideia de “recessão técnica”, segundo a qual um país entra em um período recessivo quando há retração do PIB (Produto Interno Bruto) por dois trimestres consecutivos. A definição pode ser útil para identificar rapidamente um momento econômico ruim, mas possui fragilidades. É incomum ver acadêmicos da área de economia utilizando esse conceito.

FOTO: RALPH ORLOWSKI/REUTERS – 12.03.2020

Painel eletrônico na bolsa de valores de Frankfurt, na Alemanha. Uma curva de um índice financeiro em queda aparece em detalhe, sendo possível distinguir os pixels da tela

Painel eletrônico na bolsa de valores de Frankfurt, na Alemanha

Alguns países têm órgãos especializados que, olhando para além do PIB, tentam identificar os momentos de retração econômica com base em dados como nível de emprego, renda da população, produção industrial, números do varejo, entre outros.

Nos EUA, por exemplo, esse trabalho é feito pelo NBER (National Bureau of Economic Research). No Brasil, existe o Codace – Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, ligado à FGV (Fundação Getulio Vargas).

Na perspectiva global, é necessário considerar que pode haver muita heterogeneidade na trajetória da economia dos diferentes países. Enquanto alguns países estão em crise, outros podem estar crescendo. Por isso, não necessariamente o PIB mundial – aquele que mede todos os bens e serviços produzidos no planeta – precisa estar em queda para ocorrer uma recessão global.

FMI e Banco Mundial usam métodos parecidos para definir se há ou não uma recessão global . Para que esse fenômeno ocorra, é necessário que haja uma queda no PIB mundial per capita , além de queda em indicadores amplos como produção industrial, nível de emprego, fluxos de capital, consumo de petróleo e comércio internacional.

Esses órgãos identificam que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve cinco recessões globais : 1975 (pós-choque do petróleo), 1982 (pós-choque do petróleo, juros altos nos EUA e crise de dívida na América Latina), 1991 (fim do bloco comunista, Guerra do Golfo e hiperinflação em emergentes), 2009 ( crise do subprime ) e 2020 (pandemia de covid-19). Uma nova recessão em 2022 ocorreria apenas dois anos depois de um ano recessivo, menor intervalo registrado nesse período.

As economias desenvolvidas e a inflação

Os EUA registraram uma inflação acima da esperada pelo mercado em maio de 2022. Os preços subiram 1% no mês, na comparação com abril. Em 12 meses, a alta acumulada é de 8,6%, a maior em 40 anos.

Além de piorar a confiança dos consumidores, a persistência do avanço dos preços fez crescer entre agentes de mercado a expectativa de um aperto monetário mais forte pelo Federal Reserve, o Banco Central americano.

Ou seja, a projeção é de uma escalada mais rígida dos juros – mecanismo macroeconômico usado para conter a inflação –, piorando as condições para consumo e investimento no país. As mudanças nos juros têm implicações sobre a atividade econômica. O crédito mais caro esfria a economia. Uma taxa de juros mais baixa, por sua vez, pode ter o efeito reverso.

Uma pesquisa encomendada pelo jornal britânico Financial Times publicada no domingo (12) entrevistou cerca de 50 acadêmicos de diferentes universidades americanas, europeias e canadenses. Nesse grupo, 70% esperam que os EUA entrem em recessão no máximo até o final de 2023.

FOTO: LAWRENCE BRYANT/REUTERES – 04.ABR.2020

Duas pessoas usam máscara e andam em corredor de supermercado. Uma delas empurra um carrinho. Elas olham para os produtos nas prateleiras.

Pessoas fazem compras em supermercado em St. Louis, nos EUA

O cenário de crescimento baixo (para não falar em recessão) e inflação alta nos EUA remete ao quadro dos anos 1970 e início dos anos 1980. Esse período ficou conhecido como estagflação, justamente por combinar estagnação com aumento acelerado de preços.

A inflação foi contida no governo de Ronald Reagan – um dos principais representantes do neoliberalismo , corrente que ganhou força nas Américas a partir dos anos 1980 –, que adotou políticas de austeridade, ao mesmo tempo que o Fed elevou juros.

Os EUA não são o único país desenvolvido em que há temores de recessão em 2022. Na União Europeia e no Reino Unido, há quadros similares. Os índices de atividade econômica britânica registraram dois meses consecutivos de retração em março e abril.

Na União Europeia, a inflação também aparece como um obstáculo – a proximidade geográfica do conflito entre Rússia e Ucrânia e a dependência de combustíveis fósseis russos faz com que a crise de energia seja sentida com mais força. Isso significa que os preços de combustíveis e energia elétrica estão bastante altos no continente. O Banco Central Europeu indicou que deverá subir as taxas de juros a partir de julho de 2022, o que deve ajudar a esfriar a atividade econômica.

A guerra e os países em desenvolvimento

A guerra deve ter efeitos para além dos países desenvolvidos. O conflito levou a uma disparada de preços globais de energia e também de commodities como trigo e milho.

Para países emergentes e em desenvolvimento – como países africanos e das Américas, em que a população tem menor poder aquisitivo –, os aumentos de alimentos e energia trazem riscos políticos e econômicos. Do lado político, a falta de alimentos e acesso a bens de energia pode levar a protestos e desestabilização de governos.

FOTO: AFOLABI SOTUNDE/REUTERS

Um balcão está cheio de pães diferentes, no meio dele está uma mulher

Mulher em mercado de Abuja, na Nigéria

Do lado econômico, eventuais ganhos com exportações de commodities a valores mais altos podem ser compensadas por importações mais caras de alimentos, combustíveis e fertilizantes. Além disso, governos podem adotar políticas de expansão de gastos para conter as altas de preços, piorando o quadro fiscal e aumentando os riscos em relação às contas públicas.

O Banco Mundial também fala em riscos ligados às escaladas de juros para contenção da inflação, que podem agir contra a recuperação econômica. Além disso, o aumento de taxas de juros em países desenvolvidos – como EUA e União Europeia – pode levar a uma fuga de capitais em direção a ativos mais seguros. Portanto, dólares podem sair desses países em desenvolvimento, depreciando a moeda local e pressionando ainda mais a inflação.

Isso sem falar nos efeitos das possíveis desacelerações de grandes compradores, como os EUA, países europeus e a China. A economia mais fraca pode diminuir a demanda por bens importados de outros países e prejudicar a atividade nesses locais.

O choque vindo da China

A economia da China também passa por uma desaceleração. Mas os motivos são diferentes de EUA e Europa. Desde o início da pandemia de covid-19, em março de 2020, o governo chinês impõe regras rígidas para evitar uma explosão de infecções – a política foi apelidada de “covid zero” . O país tem cerca de 1,4 bilhão de habitantes.

Diferentemente do resto do mundo, que tenta conviver com a doença, a China é o último país a manter rigor máximo contra o coronavírus, em uma estratégia que consiste na adoção de medidas rígidas de entrada de viajantes, testagem e lockdowns para cortar a transmissão do vírus logo que surgem novos infectados.

No primeiro semestre de 2022, o país enfrentou um forte aumento no número de casos, que chegou ao pior patamar desde o início da crise sanitária. Cidades grandes, como Xangai, entraram em quarentena rígida, o que afetou a produção de bens e serviços.

FOTO: BRENDA GOH/REUTERS – 21.ABR.2022

Lojas com portas fechadas. Os letreiros e placas estão em mandarim. Não nenhuma pessoa na rua.

Lojas fechadas nas ruas de Xangai, na China

Dados de atividade econômica como consumo, desemprego e vendas do varejo já captam os efeitos negativos dessa política. Isso tudo se soma ao quadro já frágil do mercado imobiliário chinês , um dos mais importantes da economia do país, que está em crise desde o segundo semestre de 2021.

As projeções para o crescimento da economia chinesa vem sendo revisadas para baixo por órgãos internacionais e instituições financeiras. O crescimento previsto de cerca de 4% em 2022 é alto para padrões brasileiros nos últimos anos, mas baixo para o histórico chinês. Seria o pior ano para a China desde 1990 .

Para a economia mundial, a situação chinesa traz duas principais consequências. A primeira delas é que os lockdowns geram problemas de produção e logística na China, adicionando às disrupções das cadeias globais de produção que se estendem desde o final de 2020 e ajudando a pressionar preços. A guerra na Ucrânia também contribui para esses problemas que afetam relações comerciais ao redor do mundo.

Além disso, a China é uma grande compradora de produtos de diferentes partes do mundo. Uma desaceleração chinesa prejudica as vendas de países países nas Américas, na Ásia e até na Europa.

Qual é o quadro brasileiro

O Brasil não escapa desses efeitos. Uma desaceleração chinesa, por exemplo, tem consequências negativas para as exportações brasileiras. Além disso, o aperto dos juros nos EUA é má notícia para o país, já que estimula uma saída de dólares e pressiona a taxa de câmbio.

A economia brasileira começou 2022 com um crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre. Os serviços mantiveram um bom ritmo de retomada, enquanto o emprego também continuou crescendo – embora as novas vagas não sejam necessariamente de boa qualidade.

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 23.DEZ.2020

Uma mulher atravessa a rua carregando sacolas de compras. Outras pessoas atravessam também na faixa, sem sacolas.

Mulher carrega compras pelas ruas do Rio de Janeiro

Economistas ouvidas pelo Nexo afirmaram que a tendência é que esse ritmo não se mantenha no restante do ano. A inflação alta – de quase 12% acumulados em doze meses até maio de 2022 – e o forte ciclo de alta de juros promovido pelo Banco Central aparecem como fatores que devem prejudicar a atividade econômica principalmente a partir do segundo semestre. Os investimentos em baixa também devem se refletir em crescimento menor na metade final do ano.

As projeções no mercado são de que o PIB brasileiro deve crescer entre 1% e 2% ao final de 2022, na comparação com o ano anterior. Mas isso não impede que alguns economistas enxerguem risco de recessão no segundo semestre.

O que pode evitar uma recessão global

O quadro nos EUA, na Europa, na China e nos países em desenvolvimento aponta uma confluência de fatores em direção a uma recessão global. Mas isso não quer dizer que essa recessão irá necessariamente acontecer.

Economistas ouvidos pela agência de notícias Bloomberg afirmaram que um dos motivos pelos quais a recessão poderá não ocorrer é que a inflação pode estar próxima de seu pico. Ou seja, é possível que os preços deixem de subir com tanta força, aliviando o cenário econômico global.

Além disso, a demanda dá sinais de firmeza, ainda com ajuda dos estímulos feitos pelos governos em 2020 e 2021. Por fim, outro motivo apontado é que se os Bancos Centrais perceberem que o aperto monetário está levando a uma recessão, podem mudar o curso das decisões.

De todo modo, a tendência é que o momento seja de uma economia global frágil e com pouca tração. Isso ainda em um cenário de preços altos.

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