Expresso

O que o MDB busca e oferece numa nova aliança com o PT

Isabela Cruz

23 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Seis anos após articular o impeachment petista, o partido de Renan Calheiros e Michel Temer se divide sobre concorrer à Presidência com Simone Tebet ou apoiar Lula Inácio Lula da Silva

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FOTO: PAULO WHITAKER/REUTERS – 22.AGO.2017

Renan e Lula, em pé, abraçados, andam em meio a multidão

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante comício em Penedo (AL)

Dada a largada para o lançamento oficial das candidaturas à eleição de outubro, o MDB está rachado , desta vez entre lançar candidatura própria, com a senadora Simone Tebet (MS), ou apoiar já em primeiro turno o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que é o favorito nas pesquisas de intenção de voto.

O MDB se programa para lançar Tebet em evento virtual na próxima quarta-feira (27), mas nomes da legenda como o do ex-presidente Michel Temer e o do senador Renan Calheiros (AL) tentam postergar o evento. O prazo da Justiça eleitoral para a definição das candidaturas vai até dia 5 de agosto. A ideia de uma ala minoritária da sigla é ter mais tempo para convencer outras lideranças a apoiar Lula ou pelo menos não ter candidato algum. O partido tem ainda uma ala bolsonarista.

Temer, que articulou o impeachment da petista Dilma Rousseff em 2016, alega apenas querer tempo para organizar um evento presencial, mas defende a necessidade de “diálogo” com as lideranças do partido que declararam apoio a Lula. Já Calheiros, que defende a aliança com o PT, afirmou na sexta (22) ao jornalO Globo que vai contestar a candidatura de Tebet na Justiça .

Neste texto, o Nexo recupera o histórico da relação entre PT e MDB e traz análises de cientistas políticos sobre os cálculos que envolvem a possível aliança entre os dois partidos em 2022.

A relação PT-MDB

RIVALIDADE ELEITORAL

Em 2002, quando Lula venceu as eleições pela primeira vez, o MDB (que até 2017 se chamava PMDB) fez parte da chapa que rivalizou com o petista no segundo turno. O partido indicou Rita Camata para ser vice de José Serra , do PSDB. O vice de Lula foi José Alencar, do PL.

APROXIMAÇÃO PARCIAL

No governo, Lula prestigiou apenas seus aliados do MDB de primeira hora , como José Sarney e Renan Calheiros, embora seu ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, defendesse uma aliança com o partido todo. O MDB, que tinha eleito a terceira maior bancada da Câmara, conseguiu apenas dois ministérios ao longo do primeiro governo petista.

ACORDO FORMALIZADO

Com o desgaste que o PT sofria com a repercussão do mensalão, Lula buscou maior apoio do MDB, oferecendo inclusive mais ministérios em seu segundo mandato. Nas eleições de 2006, PT e MDB empataram como as maiores bancadas da Câmara e fizeram acordo para se revezarem na presidência da Casa, contrariando outras siglas da esquerda. Nesse arranjo, Temer assumiu o cargo e ajudou a garantir sustentação parlamentar a Lula.

PARTICIPAÇÃO NA CHAPA

Em 2010, o MDB condicionou seu apoio à candidatura da petista Dilma Rousseff, que precisava do partido para aumentar seu tempo de propaganda eleitoral, a ocupar a vaga de vice na chapa. Embora Lula desejasse que a legenda indicasse para o posto Henrique Meirelles, que estava à frente do Banco Central desde 2003, o MDB não abriu mão de Michel Temer . A chapa Dilma-Temer se repetiu em 2014.

IMPEACHMENT DA PRESIDENTE

No segundo mandato, Temer passou a articular o impeachment de Dilma. No final de 2015, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), destravou o processo de destituição após perceber que não teria o apoio da presidente contra as investigações da Lava Jato que o pressionavamassim como a diversos outros membros do MDB, do PT e de outros partidos. Com a queda de Dilma, Temer virou presidente e passou a ser chamado de golpista pelos petistas.

Um partido de várias lideranças

Em 2018, o MDB lançou candidatura própria à Presidência com Henrique Meirelles, que não chegou a receber 2% dos votos no primeiro turno. Na eleição para o Congresso, o partido encolheu. Atualmente, a bancada do MDB é a sétima maior da Câmara, com 37 deputados , embora seja a maior do Senado, com 12 parlamentares .

Ao longo do mandato de Bolsonaro, o MDB votou junto com o governo na Câmara em 74% das vezes , segundo o monitor do site Congresso em Foco. No Senado, o índice de governismo sobe para 83%. O senador Fernando Bezerra Coelho (PE), do MDB, chegou a ser líder do governo na Casa.

Algumas lideranças do partido, porém, foram bastante atuantes contra o presidente. Na CPI da Covid, por exemplo, o senador Renan Calheiros (AL), responsável pelo relatório final da comissão, e a senadora Simone Tebet ganharam protagonismo ao investigarem a gestão federal.

Diferenças de comportamento entre nomes fortes dentro do MDB são justamente uma das marcas do partido, que não tem uma unidade de condução na política federal, mas conta com importantes lideranças regionais – além do maior número de filiados pelo país entre todas as siglas.

É essa falta de unidade que garante ao MDB a capacidade de se descolar do impeachment de Dilma, segundo Fernando Guarnieri, professor do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). “Como é um partido muito desunido, e aí a negociação se dá mais com líderes das regiões do que com uma liderança nacional, se consegue passar por cima de qualquer traição que tenha ocorrido”, disse ele ao Nexo .

Quanto ao fato de Temer ainda ser referenciado como golpista por parte dos petistas, Guarnieri ressalta que essa resistência ao nome do ex-presidente é importante para o próprio Lula na nova candidatura. “Mostrar que tem uma ala do PT que é contra [uma aliança com o MDB] também é uma maneira de conseguir uma melhor posição de barganha nas negociações”, afirmou Guarnieri.

O racha atual

No dia 18 houve um encontro entre petistas e nomes importantes do MDB, na sede da Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT. No evento, o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), anunciou ao lado de Lula que lideranças de seu partido em 11 estados garantiam apoio à candidatura lulista.

Segundo Braga, a lista abarca os sete presidentes de diretórios estaduais que estiveram no encontro (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Ceará, Paraíba, Pará e Amazonas), mais lideranças de Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte e Piauí.

Em resposta ao apoio divulgado a Lula, outras lideranças do MDB, de 19 estados, divulgaram uma nota na terça (19) reforçando o apoio a Tebet , que permanece com desempenho irrelevante nas pesquisas de intenção de voto.

Entre os signatários da nota estavam o presidente do partido e do diretório paulista, deputado Baleia Rossi (SP), e outros nove presidentes de diretórios estaduais (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Tocantins, Amapá e Acre).

Em suas diretrizes para um programa de governo, o PT se coloca contrário a reformas aprovadas pelo MDB no governo Temer. O partido pretende rever o teto de gastos inserido na Constituição em 2016 e revogar alguns pontos da reforma trabalhista aprovada em 2017.

O que o MDB tem a oferecer e a ganhar

Para defender o abandono de uma candidatura própria, Calheiros tem afirmado que o partido não pode repetir o que fez em 2018, quando apostou numa candidatura sem qualquer viabilidade e acabou encolhido na Câmara.

Na Justiça, Calheiros pretende alegar que a escolha de Tebet não foi democrática dentro do partido, mas uma imposição do presidente do MDB, Baleia Rossi. O deputado paulista, por sua vez, afirma que a candidatura da senadora foi amplamente discutida, sem que houvesse contestação anterior por parte de Calheiros.

Já Tebet defende que uma aliança do MDB com o PT “tem cheiro de naftalina”. “Não vão tirar a única mulher competitiva, com espaço de fala na política, no momento que o Brasil mais precisa”, afirmou ela na sexta (22), durante evento com tucanos em São Bernardo do Campo (SP). Ela fez questão de dizer que Temer “ é um homem honrado ”.

O movimento de Temer para defender a prorrogação do lançamento da candidatura de Tebet foi visto por integrantes do MDB como um gesto significativo em direção à campanha petista, reportou o jornal Folha de S.Paulo.

Guarnieri afirma ser provável também que Temer, como uma liderança experiente, esteja preocupado em evitar “uma guerra civil” dentro da sigla. “Várias das convenções nacionais do MDB para decidir o lançamento de candidaturas acabaram na Justiça, e isso é péssimo para o partido”, afirmou.

Sobre o anúncio dos diretórios de apoio a Lula, José Paulo Martins Junior, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), vê na iniciativa mais benefícios às lideranças do MDB do que ao ex-presidente. “Elas se concentram no Norte e no Nordeste, onde Lula já tem força, mas podem tirar dividendos políticos desse apoio, porque Lula é capaz de levar votos para o MDB”, disse Martins Junior ao Nexo .

No entanto, se o movimento desses diretórios for suficiente para derrubar a candidatura de Tebet, a candidatura do PT pode ser bastante beneficiada, afirmou Guarnieri. “Evidentemente que a probabilidade de Lula ganhar no primeiro turno aumenta se diminuir o número de candidatos”, disse.

Os dois cientistas políticos destacaram que, embora tenha diminuído de tamanho no âmbito federal, o apoio do MDB continua importante, por ser um partido grande, capilarizado e com lideranças expressivas, oferecendo palanques influentes nos estados e municípios.

As negociações de governabilidade

Guarnieri destaca que as negociações em curso dizem respeito apenas aos acordos eleitorais. “Negociações sobre formação de governo acontecem depois das eleições, vendo o que cada partido cumpriu do que prometeu para as eleições”, disse ele.

A jornalista Andréia Sadi, do canal GloboNews, informou haver indícios de que o MDB, para desistir da candidatura de Tebet, considera negociar com o PT a nomeação da senadora para o comando de algum ministério num eventual governo Lula.

Martins Junior, da UFF, afirma que, caso vença, Lula chegará ao governo com a experiência de seus mandatos anteriores e, portanto, não deverá repetir a estratégia de concentrar ministérios no próprio partido, o que o enfraqueceria no Congresso.

“Um provável futuro governo petista deverá estar mais atento ao que chamamos de taxa de coalescência, isto é, mais atento a garantir aos partidos uma fatia dos ministérios proporcional ao tamanho que eles tenham no Parlamento , disse Martins Junior.

Em 2023 o MDB deve ter menos poder de barganha do que nos anos 2000, dado o processo de fragmentação do poder de grandes partidos que ocorreu no Congresso desde então, em benefício de partidos médios. “O MDB não tem mais o mesmo protagonismo que tinha antes, tem muito partido com a mesma força”, disse Guarnieri, da Uerj.

Com isso, um governo petista vai ter que negociar com mais legendas caso vença as eleições, porque “qualquer partido pode ser um ponto de veto”, afirmou Guarnieri. Em 2022, o PT montou uma federação com PCdoB e PV.

ESTAVA ERRADO :A primeira versão deste texto informava que o professor José Paulo Martins Junior trabalha na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Na verdade, ele trabalha atualmente na UFF (Universidade Federal Fluminense). A informação foi corrigida no dia 26 de julho de 2022, às 14h05.

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