Onde Bolsonaro cresce nas pesquisas. E onde ainda pode crescer
Marcelo Roubicek
19 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Levantamento Datafolha mostra avanço do presidente nas intenções de voto, com foco em alguns grupos ligados a religião, renda e região. O ‘Nexo’ ouve cientistas políticos sobre o espaço para ampliar os números
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Jair Bolsonaro (centro) e aliados em ato de campanha em São José dos Campos, em São Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou terreno na pesquisa divulgada pelo Datafolha na quinta-feira (18). Ele ficou com 32% das intenções de voto, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permaneceu na liderança, com 47%. A distância entre os dois caiu de 18 pontos em julho para 15 pontos em agosto.
O levantamento foi encomendado pela Rede Globo e pelo jornal Folha de S.Paulo e registrado no Tribunal Superior Eleitoral com o número BR-09404/2022 no dia 12 de agosto. O Datafolha ouviu 5.744 pessoas em 281 municípios entre terça-feira (16), data do início da campanha eleitoral, e quinta-feira (18).
O avanço de Bolsonaro se concentrou em alguns grupos como evangélicos e faixas de rendas específicas. Neste texto, o Nexo apresenta os principais focos de avanço do presidente e ouve cientistas políticos sobre o potencial de crescimento de Bolsonaro e Lula.
2 A 5 SALÁRIOS MÍNIMOS
Entre quem ganha de dois a cinco salários mínimos (R$ 2.424 a R$ 6.060), Bolsonaro cresceu sete pontos entre o final de julho e meados de agosto, saindo de 34% para 41% das intenções de voto. Lula, por sua vez, variou de 40% a 38%. Na prática, há empate técnico, já que a diferença está na margem de erro. Na faixa mais baixa de renda (até dois salários mínimos), Lula manteve a larga distância inalterada, com vantagem de cerca de 30 pontos – 55% a 23%. Essa parcela da população foi a mais afetada pela ampliação do Auxílio Brasil , de R$ 400 para R$ 600, a partir do início de agosto. Entre quem ganha de cinco a dez salários mínimos, Bolsonaro ampliou a folga na liderança de 10 pontos para 13 pontos sobre Lula. Mas o petista cresceu entre os mais ricos (acima de dez salários mínimos).
EVANGÉLICOS
Na pesquisa Datafolha de quinta-feira (18), Bolsonaro expandiu a liderança entre evangélicos em relação ao levantamento anterior, do final de julho. O presidente subiu de 43% para 49%, enquanto Lula ficou com 32%. A diferença, portanto, ficou em 17 pontos percentuais. Entre católicos, a liderança de Lula oscilou dentro da margem de erro: de 52% a 25% para 52% a 27%.
SUDESTE
No Sudeste – região mais populosa do país –, Bolsonaro melhorou seu desempenho de 28% para 32% das intenções de voto. Lula, por sua vez, cresceu dentro da margem de erro, de 43% para 44%. O petista segue liderando em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais – considerado um estado-chave em disputas presidenciais.
O Nexo conversou com dois cientistas políticos sobre os resultados da pesquisa e o que é possível afirmar sobre o crescimento do presidente nas intenções de voto. São eles:
Bruno Bolognesi Acho que o avanço dele é até um pouco esperado, e também foi na medida do esperado. Não se esperava que ele fosse avançar dez pontos só com Auxílio Brasil e outras medidas. Muito porque a distribuição desse auxílio de R$ 600 coincide com uma base eleitoral que não é dele. A maior parcela da população pobre do Brasil está em estados que votam em Lula, e que têm a memória do governo Lula – melhoraram de vida no governo Lula.
A pesquisa Datafolha não mostrou isso, mas a da Quaest apontou muito claramente que as pessoas entenderam que o Auxílio Brasil, do modo como foi feito, é uma coisa bastante eleitoreira. Quando se fala que Lula vai fazer uma política assistencialista e vai tentar distribuir renda, isso vem quase que naturalmente junto à figura de Lula e do PT. Há essa agenda no partido desde sempre, é uma coisa orgânica. Agora, Bolsonaro nunca teve agenda nenhuma – a agenda dele sempre foi o conservadorismo, muito mais ligado à extrema direita. Soa incoerente uma política pública dessa. As pessoas não são tão ingênuas assim, de se venderem sem acharem organicidade na prática.
Vale destacar os lugares onde Bolsonaro avançou um pouco mais. Ele consolidou os evangélicos – está bem clara a questão do voto a partir de preceitos morais, e não só voto econômico. E entre as pessoas de renda mais alta [de 5 a 10 salários mínimos], é um voto que me parece que Bolsonaro avançou um pouco. O aumento da vantagem dele nessa faixa é significativo, no sentido de quanto essa classe é antipetista. E de quanto há um medo do retorno do PT, e o que isso pode causar para eles, que perda de privilégio pode haver. É a mesma coisa que víamos nas passeatas e pedidos de impeachment da Dilma. Bolsonaro também avançou em algumas regiões, mas acho que a classe importa mais nesse contexto.
[A queda da gasolina] tem um pouco um efeito que a gente não consegue cravar. Os muito pobres não são atingidos, porque pobre não tem carro. Mas essa classe média e classe média-alta se sentiram beneficiados. Esse efeito é localizado. Não chega no topo – porque para quem tem muito dinheiro, não faz tanta diferença. Chega exatamente nessa faixa média onde Bolsonaro cresce. Mas é um crescimento que acho discreto, é difícil avançar nessa faixa.
Maria do Socorro Sousa Braga Tem a frente da religião, onde há o maior papel da primeira-dama [Michelle Bolsonaro], que começa a ter uma presença mais forte na campanha. Por esses resultados preliminares, isso mostra que ela está com um papel importante para atrair mais votos para o presidente.
Também vemos que estamos num contexto econômico em que, embora os números ainda sejam bastante ruins, começa a haver uma melhora. E essa melhora impacta também a percepção do eleitor. A inflação continua alta, mas houve melhora nesses indicadores econômicos. A mudança nos preços da gasolina também deve ser uma variável com maior poder explicativo sobre essa guinada.
No grupo de 2 a 5 salários mínimos, talvez a gente possa incluir caminhoneiros e taxistas, que receberam [auxílios do pacote de bondades]. Ou seja, a gente vai ter que mapear esses setores que em alguma medida foram beneficiados por esse pacote de bondades. Quanto maior a tendência do governo de reduzir [o preço da gasolina], maior a tendência [do apoio] dessa faixa se ampliar.
Bruno Bolognesi A gente tem essa memória, que espera que o Auxílio Brasil vai ter um impacto tão significante quanto teve o Bolsa Família na redução da desigualdade. Não vai acontecer isso.
O contexto é outro, o país está em crise, o desemprego é alto. Então, eu acho que [Bolsonaro] tem potencial de crescer entre os mais pobres, tem potencial de avançar em regiões pobres que não o Nordeste, onde o Lulismo é bem consolidado. Na região Norte, tem potencial para avançar mais do que já está, no Centro-Oeste tem potencial para avançar. Mas de forma discreta.
Talvez cresça mais três ou quatro pontos, reduza um pouco a diferença. É comum que com o passar do tempo da campanha, as opções se afunilem. É esperado que quanto mais próximo do primeiro turno chegarmos, mais as pessoas vão decidir entre Lula e Bolsonaro. Então é esperado que Bolsonaro cresça e que Lula talvez esteja mais estabilizado num teto.
Maria do Socorro Sousa Braga O eleitor de dois a cinco salários mínimos é um eleitor mais volátil. Do ponto de vista das teorias de comportamento eleitoral, é aquele eleitor que pensa prospectivamente quem pode lhe garantir melhores condições de vida nos próximos anos. À medida que os indicadores [econômicos] melhorarem, a tendência é que esse segmento possa mudar mais o voto.
[Bolsonaro também pode crescer] Em grupos que hoje apoiam as candidaturas de Ciro [Gomes, do PDT] e Tebet [Simone Tebet, do MDB]. Nesses setores que ainda permanecem com esses candidatos, a tendência é que eles vejam que não vai ter aumento de apoio para essas candidaturas – e eles não querem “desperdiçar” seu voto. Então a tendência é buscar aquelas candidaturas mais próximas daquilo que eles pensam, daquilo que estão querendo para o país. Entre os antipetistas que escolheram essas candidaturas que não são as duas principais, a tendência é ir para o Bolsonaro. E entre os mais próximos da franja à esquerda, a tendência é ir mais para o ex-presidente Lula.
A demonstração empírica ainda é pequena, mas penso que vai aumentar ao longo das próximas semanas esse retorno do antipetista para Bolsonaro, num cálculo estratégico de que é preciso apoiar essa força para impedir que o ex-presidente Lula vença. É algo que está espalhado, é transversal aos diferentes segmentos sociais.
No recorte regional, Bolsonaro ainda pode crescer no Sudeste, no Sul e em algumas cidades do Centro-Oeste. Eram bolsões PSDBistas, que em 2018 buscaram Bolsonaro. É claro que pode crescer também em partes do Norte que têm um voto conservador. Mas o maior voto conservador no Brasil está na região Sul, onde ele deve ter maior expressão.
Com relação ao Auxílio Brasil, quanto mais amplo for e quanto maior a chance de permanecer nos próximos anos, maior a tendência dele ter algum efeito [eleitoral]. As pessoas têm a expectativa de permanecer com aquele Auxílio [em R$ 600]. A força política que melhor expressar isso na sua narrativa de campanha terá a maior tendência de ampliar a fatia do eleitorado. Pode ser Bolsonaro, pode ser Lula.
Bruno Bolognesi Para o primeiro turno, é difícil [que cresça]. A rejeição dele não é tão grande quanto a de Bolsonaro, mas é alta. O sentimento de antipetismo não é desprezível no Brasil, tem muita gente que se preocupa com isso, muita gente que deixa de votar no PT.
Ele tem potencial para crescer talvez no segundo turno, que aí vai levar esses votos de pessoas que votaram em terceiros candidatos, como no Ciro, talvez na Tebet. Mas não acredito que ele cresça muito até o primeiro turno. Ele deve ficar nesse teto em torno dos 47%.
É a constatação de que, de fato, ele vai ficar nessa posição de primeira intenção de votos. E a disputa vai ser por regiões que estão rachadas. O fato de que os dois candidatos principais, Lula e Bolsonaro, começaram suas campanhas no Sudeste não é à toa. Eles sabem que no segundo turno, é ali que vai ser decidido. Quando a eleição está muita rachada, muito próxima entre primeiro e segundo candidato, são esses estados maiores – Minas Gerais, São Paulo – que vão rachar e acabar decidindo a eleição.
Lula tem claro que não tem nada ganho, que não dá para desprezar esse crescimento de Bolsonaro. Do ponto de vista da análise dos dados, o que chama mais atenção – e se eu fosse coordenador de campanha do Lula, estaria preocupado – é a chamada “reta de tendência”. Desprezando os números, a reta de tendência de Bolsonaro é de leve crescimento. E a de Lula é de estabilidade total. Ele sabe que a eleição não está ganha, e que vai precisar apertar o pé para ganhar, principalmente no segundo turno.
Maria do Socorro Sousa Braga Do ponto de vista do eleitorado, isso [a estabilidade de Lula em patamar alto] expressa essa afinidade, essa maior identidade partidária com o PT, com os partidos que estão ao redor e com o ex-presidente Lula. Existe aí uma forte identidade que se mantém em torno dos 45%. Mas há também um segmento que começa a sair das franjas desse grupo. Seria essa classe média C, de dois a cinco salários mínimos, mais endividada e que questiona mais as políticas do PT.
Ele [Lula] está conseguindo segurar um bom percentual de votos, mas não está conseguindo aumentar seu eleitorado. Não diria ainda que há um sinal amarelo para a campanha. Mas começa a sinalizar que o PT e o ex-presidente Lula vão ter que se reorganizar, trazer mais debate de propostas políticas. Ele tem potencial de crescer, a depender do programa. Pode avançar no segmento jovem, e entre as mulheres também. Já são segmentos mais próximos de Lula, mas que podem crescer muito mais a depender de propostas efetivas para atendê-los.
A maioria de seu apoio ainda está entre setores humildes. Ele vai precisar crescer entre a classe média. Todos os 27 estados brasileiros têm uma classe média com um lado conservador, mas que tem também um lado progressista. É claro que, dependendo do estado, esse segmento conservador da classe média é maior. Então ele não vai crescer tanto nesses estados. Mas pode crescer em outros estados onde os setores progressistas (ou que não são tão conservadores) preferem uma proposta que seja pela luta democrática.
Do ponto de vista regional, o PT pode crescer mais em São Paulo. Pode crescer também em Minas Gerais. O Nordeste é o grande celeiro do PT hoje, que pode fazer o fiel da balança. Mas ele precisa de reforço de outros estados. Ele precisa somar a essa votação tão expressiva e estável no Nordeste com esses grandes estados da região Sudeste: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje ele [Lula] ganha no Rio de Janeiro, mas vai precisar aumentar a distância lá para fazer a diferença contra Bolsonaro.
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