Por que Bolsonaro aposta tanto em cortes de impostos
Marcelo Roubicek
28 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Governo reduz IPI, diminui taxação de importações, prorroga desoneração da folha e articula teto no ICMS. O ‘Nexo’ ouve economistas para entender os objetivos e a efetividade das medidas
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O governo de Jair Bolsonaro publicou na quarta-feira (24) um decreto para adequar a política de redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) a uma decisão do Supremo Tribunal Federal . Na prática, o decreto exclui dessa política bens que são produzidos na Zona Franca de Manaus, visando preservar a competitividade das empresas da região.
A diminuição do IPI é uma das frentes da estratégia de cortes tributários promovida em 2022 pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição em outubro. Em evento de campanha na terça-feira (23), o presidente destacou a empresários da indústria as medidas de redução de impostos tomadas em seu mandato.
Neste texto, o Nexo relembra algumas das principais ações de Bolsonaro para reduzir tributos e conversa com economistas sobre essa estratégia. A avaliação é que não há garantia de que as medidas vão ser efetivas no estímulo à atividade econômica – além de que podem gerar impactos nas contas públicas.
IPI
Em fevereiro de 2022, Bolsonaro assinou um decreto reduzindo em até 25% as alíquotas da maior parte dos produtos industrializados nacionais e importados – a exceção foram os cigarros e outros produtos com tabaco. A medida tinha como objetivo estimular a economia , favorecendo a geração de empregos e renda. Em abril, o corte foi ampliado para 35% – mas o ministro do Supremo Alexandre de Moraes suspendeu a medida para alguns produtos, sob a justificativa de prejuízo às empresas da Zona Franca de Manaus. No final de julho, a ampliação do corte para 35% foi reeditada e novamente suspensa por Moraes no caso de alguns bens produzidos em Manaus. O decreto publicado na quarta-feira (24) visa se adequar às decisões do ministro, excluindo 170 produtos do corte tributário e blindando a Zona Franca.
IMPOSTOS SOBRE IMPORTAÇÃO
O governo Bolsonaro também reduziu impostos sobre importação de diversos produtos em 2022. Alguns exemplos são alimentos como feijão, arroz, massas, carnes e farinha de trigo . A taxação de produtos de aço também foi reduzida. Os cortes também atingiram videogames (que já haviam sido alvo de desonerações em outros momentos ) e suplementos alimentares , como Whey Protein.
DESONERAÇÃO DA FOLHA
Na virada de 2021 para 2022, Bolsonaro prorrogou até o fim de 2023 a política de desoneração da folha de pagamentos . A redução dos encargos da folha salarial foi implementada em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff (2011 a 2016). Em 2022, a medida vale para 17 setores, incluindo construção civil, indústria têxtil, call centers, empresas de comunicação, entre outros.
COMBUSTÍVEIS
Uma das principais frentes dos cortes tributários de Bolsonaro são os combustíveis. A principal medida foi a aprovação, junto ao Congresso, da lei que colocou um teto na cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido pelos estados sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação. A medida levou à redução dos preços nos postos de abastecimento e foi central na queda dos índices de inflação em julho. Na mesma lei, o governo também zerou tributos federais sobre a gasolina até o fim de 2022. Outros combustíveis, como gás de cozinha e diesel também foram alvo de cortes de tributos federais.
O corte de tributos não é uma política exclusiva do governo de Jair Bolsonaro. Durante a crise financeira de 2008 , por exemplo, foi uma das medidas empregadas pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) para estimular a economia. Em 2022, Lula (PT) lidera as pesquisas de intenção de voto à Presidência e é o principal adversário de Bolsonaro na corrida eleitoral.
O governo de Lula reduziu o IPI sobre produtos como automóveis , eletrodomésticos e materiais de construção . A ideia era aquecer o consumo em um momento de desaceleração econômica. A estratégia foi bem-sucedida: o Brasil acabou sentindo pouco os efeitos da crise global.
Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff em comício no Vale do Anhangabaú, em São Paulo
No governo da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, os cortes de IPI foram prorrogados como forma de manter estímulos à economia. Além disso, a presidente adotou a desoneração da folha. No auge da política, a desoneração chegou a quase 60 setores . Ao longo dos anos, alguns setores da economia ganharam o direito à desoneração e depois o perderam.
A ideia da desoneração era promover a renda e o emprego no Brasil, estimulando as contratações ao reduzir os custos ligados à folha. Mas não foi isso que aconteceu – e Dilma chegou a dizer em 2017 que se arrependeu da política .
Há estudos que, usando métodos econométricos, não encontraram evidências de que desonerar a folha leva a aumento no emprego. Um deles , publicado em janeiro de 2018 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério da Economia, analisou dados do Brasil de 2009 a 2015 (a desoneração foi aprovada em 2011) e não encontrou “evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração”. A desoneração da folha, ainda assim, foi prorrogada duas vezes por Bolsonaro e segue valendo em 2022.
De acordo com economistas ouvidos pelo Nexo , uma parte dos cortes tributários feitos pelo governo Bolsonaro foi feita como uma reação mais pontual à pandemia de covid-19 e efeitos econômicos ligados à emergência sanitária. Um exemplo é a redução de impostos de importação de equipamentos médicos que entrou em vigor em 2020, primeiro ano da crise de saúde.
As reduções de tributos também têm sido usadas como uma forma de combater o momento de aumento de preços – o Brasil enfrenta uma inflação alta, que chegou a bater quase 12% em junho . Nesse sentido, a principal medida foi a redução do ICMS sobre combustíveis, que levou à queda nos índices de inflação de julho.
“A motivação nesse caso [do ICMS de combustíveis] foi de dar uma resposta a esse cenário via redução de tributos ao consumidor, para tentar controlar um pouco a alta de preços”, disse ao Nexo Julia Braga, professora de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Desonerar impostos de importação também vai um pouco no sentido de reduzir o preço dos produtos importados”, afirmou.
Posto de gasolina no Rio de Janeiro
O economista Alexandre Chaia, professor do Insper, disse que as medidas de redução de tributos sob Bolsonaro se intensificaram em 2022, o que teria ligação com uma motivação eleitoral. “É uma visão eleitoral de tentar de alguma forma criar um ambiente econômico mais positivo na época da eleição, para poder ajudar o governo a se manter como governo”, afirmou ao Nexo . Chaia também disse que isso é algo comum, que não é exclusividade do governo Bolsonaro.
Tanto Braga quanto Chaia apontaram também que a redução de impostos se insere no contexto mais amplo da agenda de redução do Estado defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Essa bandeira foi central na campanha eleitoral de 2018, vencida por Bolsonaro.
No contexto do Brasil desde meados da década de 2010, a redução do tamanho do Estado é associada geralmente à ideia de que isso levará ao saneamento das contas públicas e ao aumento do investimento privado. Nesse sentido, os cortes tributários aparecem como uma medida para reduzir o peso dos impostos no país, estimulando investimentos.
O governo diz que aposta na queda de tributos para atrair investimentos e gerar emprego e renda no Brasil de 2022. Mas o uso desse instrumento não é consensual entre economistas.
Julia Braga, da UFF, disse que não acredita que o corte de imposto tenha o mesmo poder de estimular a economia como o aumento dos gastos públicos. “O corte de imposto, em geral, é uma coisa que acontece ‘once and for all’ [de uma vez por todas]. É como se fosse um efeito nível: você aumenta a renda disponível das pessoas, mas depois isso não continua”, disse a professora.
“Se você tem uma taxa de crescimento positiva dos gastos públicos em termos reais, isso tem uma influência na trajetória de longo prazo da atividade econômica. O ritmo de crescimento aumenta, o que aumenta o ritmo de crescimento da capacidade produtiva. Isso tem um impacto muito mais forte do que uma queda de impostos na atividade econômica”, afirmou a economista.
Alexandre Chaia, do Insper, disse que, na sua visão, a redução de impostos é sim uma forma eficiente de estimular a economia, porque “você diminuiu o peso do Estado na estrutura das empresas, e isso gera emprego”. No entanto, o economista disse que é necessário que a medida seja acompanhada por outras políticas: por si só, a queda de tributos não garante que esse estímulo econômico vai acontecer.
“Não adianta o governo reduzir imposto se ele vai abrir um deficit. Ele está dizendo que no ano que vem irá subir [a carga tributária de novo] para pagar a conta. Então o empresário diz: ‘vou guardar o dinheiro hoje, para poder pagar o imposto do ano que vem’”, disse Chaia.
Jair Bolsonaro (à esq.) e Paulo Guedes em pronunciamento à imprensa
Nesse sentido, ambos Braga e Chaia criticaram o governo por não propor medidas que compensem, do ponto de vista das contas públicas, as reduções tributárias adotadas. “Não considero que seja a melhor estratégia, porque acaba impedindo a capacidade do Estado de financiar gastos públicos, que têm um papel fundamental. O próprio gasto público, como uma expansão de serviços, acaba beneficiando as pessoas mais pobres”, afirmou a professora da UFF.
A arrecadação do governo federal passa em 2022 por um bom momento, com recordes nos montantes que entram para os cofres públicos. Mas, para Chaia, isso não significa que há uma melhora estrutural da economia brasileira ou das contas públicas. Economistas apontam que os recordes na receita do governo são resultado da inflação alta e da recuperação econômica da pandemia, impulsionada também pelos preços altos de commodities.
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