O debate do voto útil na reta final da campanha presidencial de 2022
Malu Delgado
18 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)Especialistas falam ao ‘Nexo’ sobre a plausibilidade de vitória do ex-presidente Lula no primeiro turno com escolha pragmática do eleitor. Com votos cristalizados e poucos indecisos, cenário de êxito no primeiro embate é imprevisível
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Urna eletrônica brasileira no Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília
Ao se observar o retrato revelado por pesquisas de intenção de votos realizadas dias antes do pleito, fica claro que há um fenômeno de migração dos votos que se intensifica na reta final, o que em muitas ocasiões já gerou resultados surpreendentes nas eleições do país. A campanha presidencial de 2022, porém, tem sido marcada por um cenário distinto de estabilidade , com a evidente cristalização da escolha do eleitor em dois pólos: ou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou em Jair Bolsonaro (PL). O número de indecisos segue baixo, de apenas de 2%, segundo a última sondagem Datafolha (registrada no Tribunal Superior Eleitoral com o númeroBR-04099/2022), que apontou Lula com 45% e Bolsonaro com 33%.
O candidato petista alcança no levantamento do Datafolha 48% dos votos válidos, próximo de uma vitória no primeiro turno. Na pesquisa Ipec (registrada no TSE com o númeroBR-01390/2022), divulgada no dia 12 de setembro, Lula venceria no primeiro turno, com 51% dos votos válidos , sendo, portanto, uma margem muito estreita e imprevisível. Para vencer no primeiro turno é preciso que o candidato tenha 50% dos votos válidos mais um. Desde então, o PT concentra esforços no chamado voto útil, que é a tentativa de convencimento do eleitor a optar por um voto pragmático , ainda que não seja para o candidato que é sua primeira escolha. O ex-presidente também pediu aos militantes e lideranças petistas que tentem dialogar e mandar mensagens direcionadas aos eleitores indecisos.
Mas é do eleitorado do PDT, que tem como candidato à Presidência Ciro Gomes, que pode haver alguma migração mais significativa de votos para o petista . Tanto Ciro, que figura em terceiro lugar nas pesquisas, quanto Simone Tebet (MDB), que aparece tecnicamente empatada ao pedetista, criticam o discurso do voto útil e tentam segurar os seus eleitores, que são bem mais voláteis do que os de Lula e Bolsonaro.
O debate do voto útil suscita paixões porque coloca o eleitor num dilema: pensar de forma estratégica ou votar de forma sincera, de acordo com as suas reais preferências? Os dois especialistas ouvidos pelo Nexo pontuam que o cenário é imprevisível e que nada pode ser assegurado. No entanto, há algumas pequenas brechas para que ocorram, sim, mudanças de votos.
O fato de Bolsonaro ter uma rejeição de 51% e o segundo turno abrir possibilidades para episódios de mais acirramento político, violência e flertes com rupturas institucionais seriam outros fatores que poderiam levar o eleitor a cogitar um voto resignado. Um dos argumentos utilizado pelos apoiadores de Lula é que um segundo turno poderia potencializar os riscos de questionamentos infundados do resultado eleitoral e atos violentos no intervalo entre a primeira e a segunda fases da campanha.Neste texto, o Nexo ouviu dois cientistas políticos sobre a plausibilidade de uma onda de voto útil e suas consequências. São eles:
Conrado Hubner Poderia dizer que o período final do processo que antecede o primeiro turno é um momento em que costumam ocorrer as migrações de voto, as manifestações de voto útil, o esforço por quem argumenta pelo voto útil de convencer mais gente. O quanto isso vai ser representativo é difícil saber porque essas eleições são muito particulares e uma das particularidades é a consistência dos votos cristalizados, tanto em Lula quanto em Bolsonaro. Há pequenas oscilações, para cima e para baixo, mas esses votos estão cristalizados há muitos meses. Dada a excepcionalidade da dinâmica dessas eleições, é difícil saber.
Carlos Pereira Por um lado, é possível que o voto estratégico ocorra entre os eleitores de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB) em direção a Lula (PT) no primeiro turno. Afinal de contas, entre os apoiadores de Ciro, o ex-presidente Lula é o que mais aparece como segunda opção (votam no petista em sua maioria, 48%, ante 26% no presidente Bolsonaro e 22% de branco ou nulo). Já entre os eleitores de Simone indecisos, a divisão é mais equilibrada entre Lula e Bolsonaro, como“plano B” (preferem Lula 41%, a Bolsonaro, 22%, enquanto 33% declaram branco ou nulo). Por outro lado, tem havido um crescente movimento na opinião pública e entre as campanhas de Ciro e Simone para que seus eleitores priorizem o voto sincero e forcem um segundo turno, mesmo que eles não passem para o segundo turno.
Conrado Hubner Vencer eleições no primeiro turno e ter condições de fazer alianças e acordos com o Congresso são duas coisas que, apesar de diferentes, podem sim se conectar. Se Lula vencer no primeiro turno – não está fácil hoje, a projeção não indica que ele venha vencer no primeiro turno, mas ao mesmo tempo não está muito longe disso – eu não teria uma leitura de que ele sairia fortalecido, com um grau de legitimidade especial que uma vitória acachapante no primeiro turno costuma ter. Essa eleição tem uma excepcionalidade importante: a ideia de voto útil, ou que eu chamei de volta de sobrevivência, é uma ideia que está convencendo muita gente a votar resignadamente no Lula, o que é uma espécie de voto de consenso negativo. É um pouco para evitar o pior, que seria o Bolsonaro no segundo turno, com riscos de vencer as eleições.
Então não necessariamente uma vitória no primeiro turno, por si só, faria do Lula um agente muito fortalecido para buscar acordos com o Congresso. Essa costura de acordo com o Congresso vai ser um passo extremamente complicado que vai depender da configuração partidária do Legislativo. Claro que vencer Bolsonaro vai gerar uma onda de entusiasmo, de alívio, e de cooperação que talvez venha beneficiar o Lula, isso do ponto de vista da manifestação social, da pressão social, muito menos da disponibilidade ou da abertura do Congresso para facilitar esse tipo de acordo. É uma situação bastante tensa, em que a perspectiva de ter um Congresso muito diferente do Congresso de hoje é implausível.
Lula ainda vai enfrentar muito bolsonarismo e muito antipetismo com um Congresso parecido com o de hoje. Mesmo vencendo no primeiro turno, vai ter que vai ter que ceder e vai ter que buscar alianças, tratar isso com cuidado. Para resumir, acho que a vitória no primeiro turno seja muito diferente de uma vitória no segundo turno do ponto de vista de como montar alianças e uma estrutura que o permita governar.
Carlos Pereira Não necessariamente. Em que pese em 2002 Lula ter sido eleito no segundo turno, ele iniciou seu governo em 2003 com uma enorme expectativa positiva e legitimidade. Mas a despeito dessa condição, fez péssimas escolhas na montagem de sua coalizão. Montou uma coalizão grande demais (muitos partidos), ideologicamente heterogênea, não compartilhou poderes e nem recursos com os parceiros de forma proporcional ao peso político de cada um, e a sua coalizão foi muito distante da mediana do Congresso.
Se Lula ganhar no primeiro turno, pode ser equivalente a um cheque em branco para que ele cometa os mesmos erros na montagem da sua coalizão. Ao disputar um segundo turno, ele terá que levar em consideração os interesses dos parceiros.
Conrado Hubner O quão profundas e definidas hoje estão as articulações por um golpe institucional, uma articulação para tumultuar as eleições, para contestar o resultado das eleições, para incitar violência e caos social de modo que o processo eleitoral não possa seguir seu curso. É algo especulativo, mas muito plausível dadas as sinalizações diversas que Bolsonaro, de um lado, e as Forças Armadas, de outro, ou pessoas importantes das Forças Armadas, dão dia sim, dia não.
A vantagem de vencer no primeiro turno em relação a esse risco é que a contestação de uma vitória no primeiro turno implicaria contestar também o resultado de todo o corpo dos parlamentos estaduais, do parlamento nacional, e dos governos estaduais. Desestabilizaria todo o sistema eleitoral que elege centenas de pessoas nesse momento. O segundo turno é basicamente dizer se o candidato A ou B vai para a Presidência. Pode também envolver governadores, mas é uma eleição mais focada em poucas escolhas. E isso faz com que seja mais fácil para o Bolsonaro fazer o questionamento dessas eleições. Essa é uma interpretação que está em voga e eu acredito que ela seja plausível.
O intervalo entre o primeiro e segundo turno é longo, de quatro semanas, então mais do que questionar o resultado das urnas no segundo turno, esse momento também pode ser muito perigoso, em que estratégias de violência e incidentes espalhados pelo país podem eventualmente gerar pretextos para que o segundo turno seja prejudicado, ou para que o segundo turno não possa se realizar de maneira adequada. Me preocupa, na ida para o segundo turno, não apenas a facilitação do questionamento do resultado das urnas, mas o que pode acontecer no decorrer dessas quatro semanas. De novo: haverá um enfrentamento binário entre dois candidatos a presidente, sem contar os eventuais governadores. Todo o resto do maquinário eleitoral do país já vai estar resolvido. É claro que de alguma forma existe também o risco de intervenção golpista no primeiro turno, mas ele se intensifica e se agudiza do primeiro para o segundo, por essas diversas razões.
Carlos Pereira Não creio. A democracia brasileira está consolidada. Bolsonaro não dispõe dos mecanismos institucionais e nem políticos para ser bem-sucedido. Suas ameaças, portanto, não são críveis.
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