Os cientistas em busca de vida inteligente fora da Terra
Cesar Gaglioni
25 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)Equipamentos mais desenvolvidos, como o telescópio James Webb, facilitam a procura por tecnossinais de outros planetas e permitem avanços de pesquisas que vasculham o Universo atrás de indícios de outras civilizações
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Ilustração de cidade alienígena feita na inteligência artificial MidJourney
“Existem duas possibilidades”, disse certa vez o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke. “Ou estamos sozinhos no Universo, ou não estamos. As duas possibilidades são igualmente assustadoras.”
Há cerca de 120 bilhões de galáxias no Universo observável. Matematicamente, parece improvável que a humanidade seja a única espécie inteligente na vastidão cósmica. Ao mesmo tempo, até agora não há nenhuma evidência que sustente essa ideia. Para além de ufólogos e teóricos da conspiração, há pesquisadores sérios que atuam para testar a hipótese e buscar algum sinal de vida alienígena.
Essa missão tem se tornado mais fácil com o avanço de tecnologias. Ferramentas como o telescópio James Webb, lançado em dezembro de 2021, são essenciais na busca de tecnossinais, indícios que mostrem o desenvolvimento de civilizações em planetas distantes.
Neste texto, o Nexo explica o que são tecnossinais e como essa busca tem se organizado.
Em 1990, o satélite Galileo, da Nasa, passou pela órbita da Terra antes de seguir sua viagem para fora do sistema solar. Nesse caminho, ele pôde tirar fotos e escanear nosso planeta, mandando uma série de dados para o time de cientistas que comandou a viagem, liderados pelo astrônomo (e figura pop) Carl Sagan.
O Galileo detectou luzes brilhando, estruturas metálicas, variações de temperatura em grandes cidades e grandes pólos de energia eletromagnética. Sagan e seu time deram a esse conjunto de dados o nome de tecnossinais, e estabeleceram que eles seriam parâmetro para que outras naves e telescópios determinassem a presença – passada ou presente – de vida inteligente em outros planetas.
Na quarta-feira (21), a Universidade de Manchester, no Reino Unido, apresentou e publicou um artigo que detalha em maior profundidade e atualiza os valores numéricos que podem indicar a presença de tecnossinais, tanto em planetas mais próximos da Terra, quanto naqueles que estão mais distantes. A instituição anunciou que vai focar a busca em 100 galáxias vizinhas da Via Láctea.
Os avanços tecnológicos de telescópios como o James Webb permitem que sinais muito mais sutis possam ser detectados, caso eles venham a ser encontrados.
“Com coisas como o James Webb, vamos poder buscar sinais muito menores”, disse ao jornal New York Times Michael New, pesquisador da Nasa, no dia 15 de setembro. “É algo que não podíamos fazer antes.”
Adam Frank, astrônomo da Universidade de Rochester, nos EUA, foi mais ousado falando ao mesmo jornal: “O fato é: depois de 2.500 anos de pessoas gritando umas com as outras sobre vida extraterrestre, nos próximos 10, 20 ou 30 anos talvez tenhamos dados concretos sobre isso.”
Em artigo publicado na revista The Atlantic em 12 de setembro, Frank afirmou que há uma mudança de mentalidade dentro da comunidade científica acerca da busca por vida inteligente fora da Terra. “As décadas de preconceito contra o tema, incluindo a tentativa de ligar essa busca a pequenos homenzinhos verdes e teorias da conspiração, não se sustentam mais”, disse. “Achar algum tipo de vida – inteligente ou não – mudaria fundamentalmente nosso entendimento de tudo. Devemos todos procurar por isso.”
A constelação de Ophiuchus, a cerca de 400 milhões de anos-luz de distância
Com os novos parâmetros estabelecidos e os equipamentos disponíveis, pesquisadores do mundo todo poderão, por meio de acordos acadêmicos e outros contratos, buscar tecnossinais e compilar os dados. Boa parte dessas pesquisas são financiadas pela iniciativa Breakthrough , programa de incentivo científico lançado em 2015, capitaneado por Stephen Hawking (1942-2018) e pelos bilionários Yuri Milner (Mail.ru) e Mark Zuckerberg (Meta/Facebook).
Entre os apoiadores da iniciativa Breakthrough estão a produtora Ann Druyan (esposa de Carl Sagan) e o astrônomo Kip Thorne (vencedor do Nobel de Física em 2017).
Frank Drake, astrônomo que morreu no início de setembro de 2022, também apoiou o projeto. Ele foi responsável por estabelecer a Equação de Drake , operação matemática probabilística para estimar quantas civilizações inteligentes podem existir na Via Láctea.
A equação multiplica fatores como o índice de formação de novas estrelas, o número de planetas fora do Sistema Solar já descobertos (5.084, em setembro de 2022) e as chances da vida se desenvolver nesse planeta. Com os dados disponíveis em 1961, quando Drake teorizou a equação, o resultado dizia que deveria haver cerca de 20 civilizações inteligentes – em diferentes estágios de evolução – apenas na Via Láctea.
A conta é apenas probabilística, e não serve como evidência material da existência de vida extraterrestre, mas foi importante para demonstrar, matematicamente, que a possibilidade é real.
A busca por tecnossinais é uma evolução da busca por biossinais – pegadas biológicas, como a alta presença de carbono em determinado planeta ou a existência de água neles, essenciais para a evolução da vida como conhecemos.
De acordo com Frank, a busca por tecnossinais é mais vantajosa do que a de biossinais, já que esses segundos estariam fadados a desaparecer caso, por algum motivo, a vida em determinado planeta viesse a acabar. Por outro lado, tecnossinais, como prédios por exemplo, sobreviveriam por mais tempo mesmo em caso de um cataclisma.
A indagação da possibilidade da existência de vida fora da Terra paira sob a humanidade há milênios. Já foram encontrados registros históricos refletindo sobre a ideia em documentos do Jainismo – religião indiana que data de 599 aC.
Em artigo publicado na revista Scientific American em 1997, Sagan argumentou que, para além da mera curiosidade filosófica, encontrar vida fora da Terra poderia ser benéfico para o desenvolvimento da humanidade como um todo.
“Eles inevitavelmente enriqueceriam a humanidade para além do que se pode imaginar”, disse Sagan. “Com novas formas de inteligência e novas tecnologias, algo que é uma vantagem evolucionária.”
O físico americano Carl Sagan
A carta manifesto da iniciativa Breakthrough acredita que encontrar vida inteligente seria um passo importante para a formação de uma “família interestelar” de troca mútua de conhecimento e tecnologia. “É uma situação em que todos vencem.”
Há quem acredite que o contato com uma civilização extraterrestre não seria amigável – podendo resultar em um conflito militarizado. Para a historiadora da ciência Rebecca Charbonneau, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, essa visão é um reflexo dos próprios processos históricos violentos da humanidade.
“Quando pensamos sobre o ‘outro’, esse alienígena hipotético, estamos projetando nosso próprio entendimento do que é vida inteligente nessa folha de papel em branco. É o que chamam de espelho cósmico, quando procuramos pelo ‘outro’, mas nesse processo estamos na verdade procurando por nós mesmos”, disse à revista Scientific American em 12 de agosto.
Milan Cirkovic, pesquisador do Observatório Astronômico de Belgrado, na Sérvia, acredita que buscar por vida inteligente fora da Terra é um dever da humanidade, tanto pelo desenvolvimento tecnológico, quanto pelo desenvolvimento moral que isso poderia trazer.
“Alguns desses povos poderiam ser – e provavelmente são – mais elevados moralmente, no sentido de que não só conseguem fazer reflexões éticas, mas também agir em cima dos resultados dessas conclusões”, disse em artigo publicado na Revista Internacional de Astrobiologia em 1º de setembro.
No campo da ficção, muito já se especulou sobre o que um contato com uma civilização extraterrestre significaria para a humanidade. Em “Guerra dos mundos”, o inglês H.G. Wells imaginou um conflito bélico; em “Star Trek”, o roteirista Gene Roddenberry vislumbrou um futuro em que os problemas terrestres eram resolvidos pelo contato. No filme “A chegada” (2016), Denis Villeneuve – a partir de conto do escritor Ted Chiang – teorizou que a descoberta significaria uma mudança radical no entendimento de como o tempo se comporta.
Essa variedade de hipóteses se faz presente também no campo das ciências sociais, que especulam quais seriam os resultados desse contato. Para pesquisadores dessas áreas, a descoberta de vida inteligente fora da Terra traria mudanças na cultura, religião, política, direito e moral/ética.
Os cientistas argumentam que mudanças nessas áreas certamente aconteceriam, embora seja impossível determinar como elas de fato seriam, já que o contato não ocorreu.
No livro “First Contact” (Primeiro contato, em tradução livre, inédito no Brasil), o jornalista científico Mark Kaufman argumenta que a descoberta de vida extraterrestre seria a maior revolução da humanidade em todos os tempos. “Vai ser a maior descoberta de todas […] os debates sobre o que pode ser encontrado ainda estão em sua infância, mas estão evoluindo de acordo com os avanços científicos”, escreveu.
Entre 2016 e 2017, a Nasa reuniu um time de 24 teólogos que debateram como as principais religiões do mundo reagiriam ao contato. As conclusões não foram divulgadas publicamente, mas a agência espacial confirmou que as conversas de fato ocorreram.
Para Kaufman, as religiões ocidentais – como o Cristianismo – devem passar por uma crise de fé maior em um possível primeiro contato, já que a base teológica delas passa por elementos antropocêntricos – como a ideia de que Jesus, o filho de um deus supremo de todo o Universo, teria vindo à Terra. Já religiões orientais, como o budismo e o hinduísmo, não sofreriam tanto, segundo Kaufman, já que a existência de outras dimensões e formas de vida faz parte de suas bases teológicas.
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