Os desafios da pauta ambiental e científica no novo Congresso
Mariana Vick
05 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h46)Temas nunca foram protagonistas na política brasileira, mas ganharam espaço no debate público na pandemia e com desmatamento em alta. Analistas falam ao ‘Nexo’ sobre correlação de forças em 2023
Jovens protestam por ação contra a mudança climática em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
As eleições nacionais de 2022 acontecem em meio a duas crises globais: a pandemia de covid-19, que desde 2020 deixou 686 mil mortos no Brasil, e a mudança climática, na qual o país é protagonista por abrigar a maior parte da floresta amazônica.
Tanto na crise sanitária quanto na ambiental, o governo de Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição, incentiva o negacionismo e ignora medidas recomendadas pela ciência. Para se opor a esse cenário, cientistas e ambientalistas lançaram candidaturas ao Congresso em 2022, apostando na presença desses temas no debate público e na campanha eleitoral.
O Nexo mostra qual foi o saldo dessa iniciativa, relembrando as candidaturas que foram lançadas e destacando as que foram e as que não foram eleitas. Analisa também quais foram os desafios desse movimento em 2022 e qual é o futuro da pauta ambiental e da ciência na política.
A campanha de 2022 foi marcada por iniciativas de movimentos sociais, de cientistas e da sociedade civil para lançar candidaturas à Câmara dos Deputados, ao Senado e às assembleias legislativas estaduais em defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, da ciência e da educação na política.
Com as candidaturas, parte desses grupos anunciou na campanha o objetivo de criar novas bancadas temáticas no Congresso, como uma “ bancada do cocar ” formada por indígenas e uma bancada da ciência e da educação para defender a autonomia universitária e incentivos para pesquisas.
Bancadas temáticas são agrupamentos de deputados e senadores que se reúnem na defesa de causas em comum. Os exemplos mais conhecidos são a bancada ruralista, a evangélica e a da bala. Também há uma bancada ambientalista, embora ela tenha menos visibilidade.
Uma forma de organização temática no Congresso são as frentes parlamentares, mas elas nem sempre são coerentes em sua atuação. Existe hoje, por exemplo, uma frente ambientalista, que reúne 216 deputados federais. Mas diversos projetos de lei que afrouxam a proteção ambiental passaram com facilidade na Câmara na atual legislatura— com a ajuda, inclusive, de membros da própria frente, como o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Lançando novas candidaturas, as iniciativas pró-ciência, meio ambiente e educação articuladas em 2022 foram criadas com o objetivo de mudar esse cenário, formando lideranças que priorizassem esses temas na sua agenda e organizassem bancadas com atuação mais efetiva.
Para dar visibilidade aos nomes em defesa da ciência, mais de 100 professores, pesquisadores, intelectuais e políticos que concorreram ao pleito em 2022 assinaram e publicaram em agosto um documento assumindo o compromisso de defender o setor caso fossem eleitos.
Sônia Guajajara, deputada federal eleita pelo PSOL em São Paulo em 2022
Entre os signatários, havia nomes como Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que se candidatou à Câmara pela Rede em São Paulo, e Tatiana Roque, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que foi candidata pelo PSB do Rio.
Outra iniciativa lançada em agosto foi da Apib (Articulação dos Povos Indígenas no Brasil), que reuniu 30 candidaturas em defesa dos direitos indígenas (que incluem o meio ambiente) na chamada Campanha Indígena . Nomes como Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG) fizeram parte da ação.
Não houve uma campanha com tanta visibilidade para eleger uma nova bancada ambientalista em 2022 ou fortalecer a que já existe, apesar do lançamento de iniciativas como o Voto Sem Vacilo , do Greenpeace, e o Clima de Eleição , que forma lideranças climáticas. Nomes já conhecidos, como o da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP) deram destaque ao tema quando lançaram suas candidaturas.
As campanhas criadas no início do período eleitoral buscaram mostrar para os eleitores motivos para eleger congressistas favoráveis à ciência e ao meio ambiente, mas os temas não se destacaram no debate nacional e, depois da votação no domingo (2), a correlação de forças no Congresso deve mudar pouco.
Oito deputados da chamada bancada da ciência conseguiram se eleger — porém a maioria (sete deles) foi na verdade reeleita. Duas candidatas do movimento indígena, Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, obtiveram cadeiras de deputadas federais, e Marina Silva foi uma das candidatas mais votadas de São Paulo.
Marina Silva, líder do partido Rede Sustentabilidade
Nomes importantes da agenda ambiental no Congresso, porém, não renovaram o mandato, enquanto políticos conhecidos pelo negacionismo anticiência e antiambiental conseguiram a reeleição ou estarão no Congresso pela primeira vez.
Também houve baixas na chamada bancada da educação — que, diferentemente da bancada da ciência, cujo foco está nas universidades, prioriza a agenda da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio). Segundo levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, 11 dos 20 integrantes do grupo não vão estar mais no Congresso em 2023.
Quem se elegeu
Nomes pró-ciência e meio ambiente como o de Marina Silva, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá e Teresa Leitão (PT-PE) se elegeram. Ao mesmo tempo, também se elegeram Marcos Pontes (PL-SP), ex-ministro da Ciência, Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde, e Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente, todos criticados pela atuação no governo Bolsonaro. Salles teve votação três vezes maior que a de Marina em São Paulo.
Quem não se elegeu
Ricardo Galvão, que aspirava uma vaga no projeto de bancada a favor da ciência e educação, não teve votação suficiente. Nomes conhecidos pela atuação anticiência, por outro lado, também não se elegeram. Entre eles, estão Nise Yamaguchi e Mayra Pinheiro (a “Capitã Cloroquina”), que despontaram em 2020 por defenderem remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19.
Quem vai continuar
Parte dos políticos conhecidos pela atuação antiambiental desde 2018 foi reeleita agora, como Arthur Lira (PP-AL), que durante o mandato acelerou a tramitação de projetos como o que flexibilizou regras de licenciamento ambiental e de regularização fundiária. Por outro lado, na bancada da educação básica, nomes como Tabata Amaral (PSB-SP) e Professora Dorinha (DEM-TO) também vão continuar no Congresso.
Quem saiu
Rodrigo Agostinho, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara e um dos nomes que mais defendem a agenda no Congresso, não conseguiu a reeleição. Joênia Wapichana, única deputada federal indígena eleita em 2018, também não foi reeleita. Da bancada da educação básica, não se reelegeu Felipe Rigoni (União Brasil-ES).
Apesar de a ciência e o meio ambiente terem ganhado mais peso no debate público nos últimos por causa da pandemia e de episódios como o aumento do desmatamento e os cortes nas universidades, “essas pautas são de menor importância para a maioria dos políticos”, o que explica que no debate eleitoral não tenham se destacado, segundo Adriana Ramos, especialista em política ambiental e integrante do ISA (Instituto Socioambiental).
Candidaturas competitivas como a de Sônia Guajajara e Marina Silva qualificaram o debate sobre esses temas, mas não ganharam tanto espaço quanto poderiam em uma eleição dominada pela discussão sobre temas como a violência política e as ameaças de Bolsonaro à democracia.
Eduardo Pazuello, como ministro da Saúde, durante entrevista à imprensa sobre o início da campanha de vacinação
A falta de debate sobre o tema da ciência e o ambiental não ocorreu só nesta eleição. “Grande parte dos eleitores está mais preocupada com temas de ordem imediata que afetam a sua vida cotidiana, como emprego, renda, moradia e segurança pública”, disse ao Nexo em 2020 Carolina Pimentel Corrêa, doutora em sociologia pela Universidade do Porto.
Segundo ela, países considerados desenvolvidos, como os da Europa, resolveram esses problemas há mais tempo. “O desenvolvimento econômico naquela região, que também foi altamente predatório e nocivo ao meio ambiente, foi obtido há décadas”, o que possibilitou a emergência de novas agendas políticas.
No Brasil de 2022, no entanto, nem mesmo outras políticas públicas foram debatidas como costumavam ser antes. Flávia Pellegrino, coordenadora executiva do Pacto pela Democracia, coalizão de 200 entidades da sociedade civil, disse ao Nexo em setembro que os ataques feitos antes do primeiro turno ao sistema eleitoral “ drenaram a energia ” da sociedade civil e adiaram discussões mais propositivas.
Ramos afirmou agora que, depois de quatro anos de governo Bolsonaro, “meio ambiente virou um tema forte na oposição”, o que pode explicar o sucesso das candidaturas que foram eleitas para defender essa agenda, como a de Marina Silva.
Apesar disso, o governo ainda tem uma base de apoio sólida, que se revelou na votação de domingo (2), com a eleição de sete ex-ministros — incluindo Ricardo Salles, Marcos Pontes e Eduardo Pazuello — para o Congresso. O PL, partido do presidente, conquistou a maior bancada da Câmara, seguido pelo PT.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em entrevista para jornalistas em Brasília
Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência), disse ao Nexo que outros governos, mesmo os conservadores, como o da ditadura militar (1964-1985), valorizaram o conhecimento científico ao adotar políticas como a de vacinação.
Esta é a novidade do governo atual, segundo ele: “é um governo que está contra a ciência”. Ele demonstrou preocupação com a falta de renovação das cadeiras pró-ciência e educação no Congresso, pois a bancada que existe não conseguiu frear retrocessos nos últimos anos.
Os deputados federais e senadores eleitos no domingo (2) devem assumir o cargo em fevereiro de 2023, quando começa a nova legislatura. Os deputados terão um mandato de quatro anos. Os senadores terão um mandato de oito anos.
Para Adriana Ramos, embora numericamente não tenha havido grande alteração na correlação de forças no Congresso, nomes eleitos como Marina Silva e Sônia Guajajara podem qualificar o debate sobre meio ambiente na Câmara, com o desafio de fazer oposição a diversos projetos de lei que ganharam força nos últimos anos para afrouxar a eleição ambiental.
Um caminhão passa por uma área desmatada da Amazônia em Boca do Acre
Tanto ela quanto Renato Janine Ribeiro disseram que muito do que será da agenda ambiental e pró-ciência no país depende da eleição para presidente, que será decidida em segundo turno no dia 30 de outubro. Os candidatos são Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
“Acredito que o cenário de desmonte vai se manter caso haja reeleição. Por outro lado, a adesão de Marina Silva à campanha de Lula fortaleceu o programa de governo nesse tema, que [se ele for eleito] tende a ter um papel relevante na retomada das relações exteriores do país”, disse Ramos.
Por seu estatuto, a SBPC não pode apoiar ou patrocinar candidatos. Janine avaliou, no entanto, que, “se Bolsonaro se reeleger, vamos continuar com o negacionismo. Se Lula se eleger, existe a possibilidade de termos uma volta do papel da ciência como algo importante na sociedade brasileira”. Janine foi ministro da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, em 2015.
Para ele, os desafios dos candidatos pró-ciência eleitos para a Câmara e o Senado agora será o de pautar esse assunto em um Congresso ocupado por outras agendas. Temas que ele considera importantes de se pautar são o fortalecimento da educação e da pesquisa nas universidade e o incentivo à produção de conhecimento sobre áreas estratégicas, como os biomas do país.
A possibilidade de que o próximo governo ou o Congresso atuem de forma negacionista e aprovem propostas que enfraqueçam a proteção ambiental ou a produção científica preocupa ativistas e cientistas, que afirmam que as decisões tomadas agora terão impactos de longo prazo.
Com investimento em pesquisa, por exemplo, é possível monitorar ou mesmo prevenir uma próxima pandemia, além de desenvolver instrumentos (como vacinas, testes, equipamentos hospitalares) que preparem o país para enfrentar esse tipo de crise. Do lado ambiental, combater o desmatamento pode impedir que a mudança climática tenha consequências mais graves no Brasil, como secas causadas pela alteração nos regimes de chuvas.
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