Por que o cerco aos institutos de pesquisa mina a democracia
Isabela Cruz
11 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h45)Bolsonaristas apoiam projeto para punir institutos que não acertarem resultado das urnas, algo que os levantamentos não se propõem a fazer. Senadores pedem CPI para investigar empresas
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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fala a jornalistas em Brasília
Após um primeiro turno surpreendente quanto ao desempenho do bolsonarismo nas urnas, mais competitivo do que se estimava, os institutos de pesquisa viraram alvo do Congresso. No comando da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente da República, acelerou na terça-feira (11) a tramitação de projetos sobre o tema e defendeu multas pesadas e até banimentos contra os institutos.
Entre os projetos está a proposta de Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, para tornar crime, com pena de prisão de 4 a 10 anos, a publicação, a 15 dias ou menos das eleições, de pesquisas cujos resultados não se confirmem no dia da votação.
No Senado, Marcos do Val (Podemos-ES), outro aliado de Bolsonaro, apresentou um pedido para a instalação de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) a fim de investigar o trabalho dos institutos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou nesta terça (11) que, com apoio do colégio de líderes da casa legislativa, não vai instalar CPIs antes do segundo turno das eleições.
Neste texto, o Nexo mostra as propostas apresentadas e traz análises sobre as estratégias por trás do destaque dado a essa agenda e sobre os impactos dela para a democracia brasileira.
O projeto de lei apresentado por Ricardo Barros propõe criminalizar pesquisas que não cravem o resultado eleitoral, nem mesmo considerando a margem de erro (que costuma ser de dois pontos percentuais para mais ou para menos, considerando o eleitorado total).
Barros alega que a intenção do projeto é impedir que as pesquisas sejam usadas “para manipular o mercado [financeiro] ou o resultado de eleições”. Segundo o projeto, o crime estaria configurado mesmo quando não ficar demonstrada nenhuma intenção de fraude.
Lira também falou nesta terça-feira (11) na possibilidade de “o instituto que errar em mais de três vezes a margem de erro ficar banido do sistema eleitoral por 8 anos”, além de multas pesadas para sócios e funcionários.
As pesquisas estatísticas, no entanto, não se propõem a acertar o resultado das urnas. Como virou bordão da área, as pesquisas “são retratos de determinado momento da campanha eleitoral”, não um exercício de futurologia sobre o que os eleitores vão fazer ao entrar na cabine de votação. Isto é, o que elas apresentam são dados probabilísticos, e não previsões do futuro.
Nesse sentido, fenômenos como abstenção, ondas de última hora, voto útil e voto envergonhado (não declarado aos institutos), que ocasionam diferenças entre as pesquisas e o resultado das urnas, sempre foram considerados pelos cientistas políticos e estatísticos envolvidos nesses levantamentos.
Em 2022, se passou a considerar também que bolsonaristas podem ter se recusado a participar das pesquisas ou ter dado respostas incorretas aos institutos. Nos Estados Unidos , por exemplo, institutos consideram que isso aconteceu em 2016, quando as pesquisas não foram capazes de apontar o favoritismo do republicano Donald Trump contra a democrata Hillary Clinton.
Na Argentina, em 2019, o favoritismo de Alberto Fernández, da esquerda, contra o então presidente Mauricio Macri, da direita, também não foi detectado. No Brasil, diferentemente, as pesquisas deixaram de captar que a disputa seria tão acirrada, mas conseguiram mostrar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava próximo de vencer no primeiro turno, como de fato ocorreu (Lula ficou com mais de 48% dos votos, enquanto Bolsonaro obteve pouco mais de 43%).
O presidente Jair Bolsonaro junto com Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara
Proposta na mesma direção do que está em discussão no Congresso brasileiro foi debatida, por exemplo, na Índia em 2013 e 2014 . Reportagens mostravam que haveria indícios de que as pesquisas de intenção de voto eram manipuladas, e parlamentares passaram a defender o banimento dos levantamentos. No Brasil, diferentemente, não há indícios do tipo em relação a institutos sérios– Datafolha, Ipec e Quaest, por exemplo.
Outra proposta apresentada na Câmara é o projeto de lei do deputado Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo, para proibir a divulgação de pesquisas de intenção de voto nos 15 dias que antecedem a eleição. Atualmente as pesquisas podem ser publicadas até mesmo no dia da votação.
Além da CPI das Pesquisas solicitada no Senado, a base governista busca assinaturas para instalar uma CPI do tipo na Câmara, numa articulação liderada pelo deputado Carlos Jordy (PL-RJ).
As restrições à publicação de pesquisas, ao menos na véspera da eleição, acontecem em outros países e já foram realidade na legislação brasileira e depois em projetos que buscaram retomá-las.
Mas acabaram derrubadas no Brasil por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e, mais recentemente, por decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2006 . Os tribunais entenderam que as proibições feriam garantias constitucionais como a liberdade de informação .
“Vedar-se a divulgação de pesquisas a pretexto de que estas poderiam influir, de um modo ou de outro, na disposição dos eleitores, afigura-se tão impróprio como proibir-se a divulgação de previsões meteorológicas, prognósticos econômicos ou boletins de trânsito antes das eleições”
Em setembro de 2021, a Câmara aprovou um projeto proibindo a publicação das pesquisas a partir da antevéspera da votação e exigindo que as informações publicadas antes disso apresentem um “percentual de acertos” do instituto nas cinco eleições mais recentes. O texto ainda não foi analisado no Senado.
Professor titular da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), José Eduardo Faria chama atenção para o fato de que as restrições, além de frequentemente burladas pelos jornais (que publicavam as expectativas disfarçadamente, sem citar os nomes dos candidatos), não fazem mais sentido “num momento em que temos redes sociais”, e os eleitores estão interessados em fazer seus cálculos estratégicos.
“Num momento em que temos redes sociais, e também primeiro e segundo turno, vai ficando claro que os próprios eleitores adotam suas estratégias de captar o cenário e quais serão suas opções – inclusive do ponto de vista estratégico, de forma evitar a vitória de algum candidato, por exemplo”, disse Faria ao Nexo . “Isso faz parte do jogo político, da criatividade do jogo político, da liberdade democrática”, afirmou.
A cientista política Tathiana Chicarino, professora da FespSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), também toca nesse ponto, defendendo que as fontes de informação do eleitorado tenham “pluralidade”. “Se impedirmos pesquisas eleitorais nos últimos dias antes das eleições, isso vai inibir que existam pesquisas que não são feitas por institutos reconhecidos, que tenham uma metodologia científica?”, afirmou Chicarino ao Nexo .
Professora de direito eleitoral da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e candidata pelo PDT ao Senado em 2022, Eneida Desirée Salgado afirma que, em tese, o debate sobre a regulamentação de pesquisas eleitorais acontece em outros países e tem pontos a serem considerados.
“Haverá um grande debate sobre pesquisa eleitoral depois dessa eleição, e imagino que isso vá nos levar minimamente a amadurecer esse tema”, afirmou Salgado ao Nexo . Ela defende, por exemplo, que pesquisas eleitorais contratadas por concessionárias de serviço público (caso das rádios e TVs abertas) sejam de publicação obrigatória.
Para Tathiana Chicarino, no entanto, o debate em curso no Congresso, puxado pelos ataques do presidente Jair Bolsonaro aos institutos de pesquisa, “está certamente contaminado”.
Segundo ela, a proposta de se criminalizar a pesquisa eleitoral, por exemplo, “busca fazer com que os eleitores não tenham informações sobre o processo eleitoral”, de modo que a opinião pública fique restrita “à superfragmentação das redes sociais”. “É um absurdo, mas é estratégico”, afirmou a cientista política.
Em sentido semelhante, José Eduardo Faria afirma que a própria não atualização do Censo Demográfico em 2020 “permite a Bolsonaro usar esse discurso demagógico”.
Como afirmam os próprios institutos, ter dados demográficos atualizados é fundamental para a definição das amostras e da estratificação dos levantamentos. “Se as assessorias de outros candidatos de oposição tivessem o Censo na mão, é provável que elas não teriam cometido alguns deslizes sobre esses resultados”, disse Faria.
Na visão de Faria, Bolsonaro e seus aliados usam esse tipo de pauta para “se manter nas manchetes” e, ao mesmo tempo, “neutralizar”as bases democráticas – como é o caso, segundo ele, das pesquisas eleitorais – para controlar o eleitorado.
“Bolsonaro sabe que há eleitores indecisos e que há uma tendência do eleitor indeciso de, no final, acompanhar a maioria [e votar no que está em primeiro lugar], então o que ele está querendo é impedir essa influência que as pesquisa podem ter nos eleitores ainda hesitantes, além de buscar uma justificativa a priori para recusar a validade do resultado das urnas”, afirmou Faria.
Para ele, Bolsonaro nega os conceitos matemáticos das pesquisas, assim como negou as ciências biológicas na pandemia, porque exerce uma “liderança carismática”, baseada nas emoções, e não na razão.
Segundo Faria, fazem isso também Donald Trump, nos Estados Unidos, e Viktor Orbán, na Hungria, a quem o professor classifica de políticos “ autoritários furtivos ” (porque se valem dos próprios processos democráticos, como mudanças aprovadas no Congresso, para minar a democracia).
Chicarino defende que um debate verdadeiramente interessado no aprimoramento das bases do processo eleitoral deve passar pela ampliação de fontes e métodos para análise do comportamento eleitoral. Ela cita como exemplos grupos focais e sondagens em redes sociais.
“Esse monitoramento em rede, tanto nas redes mais de superfície, como YouTube e Facebook, quanto nas subterrâneas, que são os aplicativos de mensageria, é importante para captar certos movimentos do eleitorado, como o que aconteceu”, afirmou Chicarino.
Os institutos responsáveis pelos levantamentos quantitativos também estão reelaborando seus processos de estratificação e coleta de dados, com base nas informações sociológicas disponíveis, para conseguir reunir amostra mais representativa do eleitorado brasileiro como um todo.
Em entrevista ao canal Fora da Política Não Há Salvação, no YouTube, o cientista político Jairo Nicolau também defendeu que o jornalismo reformule seu modo de lidar com as pesquisas, de forma a deixar claro para o leitor que o objetivo de uma pesquisa bem feita sequer é cravar o resultado das urnas, mas sim captar os movimentos do eleitorado.
Segundo Nicolau, como as campanhas presidenciais de 2022 não tiveram grandes eventos, as pesquisas dos institutos acabaram recebendo da imprensa e de analistas atenção desproporcional nestas eleições, o que deve ser evitado em disputas futuras.
Atualmente, pesquisas que recorram a metodologias suspeitas podem ser impugnadas na Justiça Eleitoral pelo Ministério Público Eleitoral, por qualquer partido, coligação ou federação e pelos próprios candidatos.
Além disso, a legislação eleitoral estabelece uma série de requisitos para os levantamentos em ano de votação. As multas em caso de descumprimento das exigências variam de R$ 53 mil a R$ 106 mil e se aplicam não apenas aos responsáveis pelos levantamentos, mas também aos veículos de comunicação que publicarem levantamentos irregulares. Também há pena de detenção de 6 meses a 1 ano. Confira abaixo as exigências.
REGISTRO
Em anos eleitorais, todos os levantamentos sobre intenções de votos devem ser registrados na Justiça Eleitoral. É preciso apresentar: informações do contratante da pesquisa; metodologia adotada e período de realização; valor e origem dos recursos despendidos; plano amostral; questionário completo aplicado e nome do profissional de estatística responsável pela pesquisa. As empresas que fazem esse trabalho também precisam estar previamente cadastradas.
TRANSPARÊNCIA
É obrigatório informar o nível de confiança e margem de erro, com a indicação da fonte pública dos dados utilizados. Também devem ser compartilhados dados de gênero, idade, grau de instrução, nível econômico e área física em que foi feito o levantamento. Dados pessoais dos entrevistados não ficam ao acesso do público.
PROIBIÇÕES
Diferentemente das pesquisas, a divulgação de enquetes, feitas sem método científico, são proibidas pela legislação eleitoral durante o período oficial das campanhas (em 2022, começaram em agosto).
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