Expresso

O que o novo governo tem pela frente na economia em 2023

Marcelo Roubicek

02 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h49)

Economistas falam ao ‘Nexo’ sobre os desafios do primeiro ano de gestão de Lula. A avaliação é que haverá um cenário de desaceleração do crescimento e de dificuldades para o emprego e a renda

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 30.10.2022

De olhos fechados, Lula seca o rosto com uma toalha branca pequena. Atrás deles braços erguidos fazem o L com os dedos

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em ato na avenida Paulista após a confirmação da vitória

O crescimento acima do esperado e o recuo da inflação melhoraram o cenário da economia brasileira no segundo semestre de 2022. Mas isso não significa que Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito no domingo (30), não enfrentará desafios na área econômica.

Os problemas que se colocam para 2023 vão desde o nível elevado da fome e da pobreza até o esgotamento de fatores que ajudaram a atividade econômica em 2022. Isso sem falar no cenário internacional , que será provavelmente desfavorável , e nas contas públicas ainda em estado ruim.

Neste texto, o Nexo apresenta o quadro econômico do Brasil no final de 2022 e conversa com economistas sobre as perspectivas para 2023. A avaliação é que será um ano de desaceleração, com limitações no avanço do emprego e da renda.

O panorama econômico de 2022

PIB

A economia vem crescendo acima do esperado em 2022. O PIB (Produto Interno Bruto) subiu 1,2% no segundo trimestre do ano. Entre agentes do mercado financeiro, a expectativa em outubro é que a alta ao final do ano seja de 2,8% em relação a 2021. A alta da atividade econômica foi impulsionada pela retomada do setor de serviços – ainda na toada da reabertura da pandemia de covid-19 –; pelos bons números do setor exportador, ajudados pela alta de preços no exterior, com a guerra na Ucrânia; e, em boa parte, pelos estímulos temporários articulados por Bolsonaro antes das eleições.

MERCADO DE TRABALHO

A melhora do PIB em 2022 é acompanhada de uma retomada do emprego – a taxa de desemprego chegou aos menores níveis desde 2015 . Esse movimento se apoiou em boa parte na criação de vagas de má qualidade , marcadas pela informalidade e pela remuneração baixa.

INFLAÇÃO

A inflação, que chegou ao pico de 12,13% acumulados em 12 meses em abril, caiu em julho, agosto e setembro . O recuo foi impulsionado pela redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis e energia elétrica, articulada por Bolsonaro e aprovada no Congresso. A queda do barril de petróleo no mercado internacional, que se refletiu em reduções de preço pela Petrobras, também contribuiu – embora a estatal tenha represado preços em outubro. Além disso, visando o combate à inflação, o Banco Central manteve, durante boa parte de 2022, o ciclo de elevação dos juros, que chegaram a 13,75% ao ano.

CONTAS PÚBLICAS

As contas públicas tiveram melhora em 2022. A relação dívida/PIB, usada muitas vezes para medir a saúde financeira dos países, caiu de 80,3% no final de 2021 para 77,5% em setembro de 2022 . O país também deve ter seu primeiro superavit primário – quando as receitas superam as despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida – desde 2013 . As contas públicas foram bastante ajudadas pela inflação , mas há economistas que enxergam uma melhora fiscal real .

POBREZA E FOME

Segundo dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), 33 milhões de pessoas passavam fome no Brasil no início de 2022. A pobreza também está em alta, atingindo 63 milhões de pessoas em 2021, segundo o FGV social. A população de rua também registrou crescimento.

O que esperar do PIB em 2023

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), disse ao Nexo que o crescimento surpreendente da economia brasileira em 2022 ocorreu em função de fatores temporários. Entre os aspectos citados, estão:

  • A retomada plena das atividades presenciais
  • O boom de commodities , que favoreceu exportações e a arrecadação do governo
  • O nível alto de crédito que ainda circula na economia
  • E a política fiscal expansionista , ligada, em boa parte, às eleições

A economista afirmou que esses elementos devem ser retirados, esgotados ou reduzidos em 2023. Por isso, “sem dúvida” o ano será de desaceleração do crescimento econômico. Isso sem falar em um outro elemento importante: “A gente está num nível de juros reais [descontada a inflação] muito elevado. Se a gente convive muito tempo com esses juros, é uma economia que desacelera”, disse Matos. E a expectativa da pesquisadora é justamente de manutenção dos juros em patamares altos.

Débora Freire, professora de economia do Cedeplar-UFMG (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais), enfatizou o efeito de arrefecimento da economia que virá do fim dos estímulos temporários adotados pelo governo Bolsonaro para bombar a economia antes das eleições – e que não foram suficientes para evitar a derrota do presidente contra Lula nas urnas.

“As projeções apontam para uma desaceleração da economia brasileira em 2023, principalmente por conta da necessidade de fazer alguns ajustes, basicamente para pagar a conta do gasto eleitoreiro deste ano”, disse a professora. Por isso, “vai ser um ano de arrumar a casa, no sentido de fazer reformas estruturais importantes”, disse. Um exemplo citado foi a reforma tributária.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS

Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo

Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo

Seguindo a mesma linha de raciocínio das duas economistas, Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, afirmou que “temos hoje uma economia brasileira muito à deriva, que depende do que está fora do nosso controle”. Se em 2022 esses fatores exógenos ajudaram a atividade econômica, é possível que em 2023 o efeito seja o oposto. O principal exemplo dado pelo economista é o risco de uma recessão global , que pode reduzir o preço de commodities e esfriar o fluxo de dinheiro para o Brasil.

Mendes afirmou que é necessário que o Brasil pare de depender de fatores exógenos e crie condições de crescer de forma sustentável. “A tarefa do novo governo [de Lula], se quiser algum resultado perene no tempo, vai ser tentar resolver dois gargalos grandes que a gente tem, que são o desequilíbrio fiscal crônico e os vários fatores que transformam a economia brasileira em uma economia pouco produtiva, com pouca capacidade de crescer”. Dentro desse raciocínio, o economista citou a necessidade de reduzir gastos para equilibrar as contas públicas, e adoção de reformas tributária e orçamentária para melhorar a eficiência e as perspectivas da economia brasileira.

O que esperar do mercado de trabalho em 2023

“Não existe combate à inflação – política monetária apertada – sem efeitos colaterais”, disse Matos. “Os efeitos colaterais são: desaceleração econômica, aumento de desemprego e dificuldade para manter esse crescimento de renda”.

Um eventual crescimento da renda, de acordo com a economista, teria que vir de um aumento da produtividade da economia como um todo. Nesse ponto, ela concordou com Mendes ao dizer que há gargalos significativos, que dificilmente serão resolvidos no curto prazo.

FOTO: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

Pessoa assina uma carteira de trabalho

Pessoa assina uma carteira de trabalho

Freire, da UFMG, seguiu o mesmo raciocínio. “Se o crescimento [da economia] vai ser menor em 2023, a tendência é que o processo de redução do desemprego desacelere também”.

A economista afirmou que a trajetória do mercado de trabalho poderá ser influenciada pela política fiscal do governo Lula, sobretudo se houver uma política econômica voltada para a retomada do investimento. “É muito importante que a gente tente melhorar a composição do gasto público no próximo ano, para retomar o investimento público, que tem mais capacidade de puxar o emprego”, afirmou.

O que esperar da inflação em 2023

Há consenso nas três opiniões ouvidas pelo Nexo de que a inflação tende a continuar em sua trajetória de descenso em 2023. A expectativa, portanto, é de queda no nível do avanço de preços – mas sem necessariamente ficar dentro da meta do Banco Central, que será de 3,25%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo.

“Parece que a inflação está relativamente sob controle. As expectativas estão indo na direção de voltar em 2024 para dentro da meta do Banco Central [3%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo], mas convergindo ao longo de 2023. Se não houver nenhum grande choque, nenhum outro grande fator perturbador, a inflação vai gradativamente ser reduzida ao longo de 2023”, disse Mendes.

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 10.SET.2020

Homem de máscara e boné está em frente às prateleiras com pacotes de arroz em um supermercado. Atrás dele, uma mulher de máscara olha outros produtos disponíveis.

Homem compra arroz em supermercado do Rio de Janeiro

Matos afirmou que há fatores que podem atrapalhar. Um deles é a persistência da inflação alta em alguns produtos, principalmente nos serviços. Além disso, ela prevê que não necessariamente será possível manter o preço de bens administrados, como combustíveis e energia elétrica, no patamar de 2022. Ela citou como exemplo a defasagem, em outubro de 2022, do preço da gasolina determinado pela Petrobras com relação ao mercado internacional – ao longo da campanha eleitoral, Bolsonaro pressionou a estatal para segurar preços .

A economista do FGV-Ibre também disse que pode haver um aumento de tributos por parte dos estados , para equilibrar as contas depois do choque negativo das mudanças no ICMS. “Seria muito bom poder continuar nesse patamar de isenção de tributos, mas isso não é factível”, afirmou.

Isso sem falar no cenário de provável desvalorização do real – sobretudo por causa dos juros mais altos no exterior –, encarecendo importações e pressionando a inflação.

O que esperar das contas públicas em 2023

Freire afirmou que o desafio da gestão fiscal “é gigantesco” em 2023. “A próxima gestão [de Lula] vai ter que organizar a casa depois do ano eleitoral. Mas é preciso pensar na retomada dos investimentos”, disse a professora da UFMG.

Nesse processo de “arrumar a casa”, o governo do petista também terá de lidar com uma série de fatores que Freire listou:

  • A compensação aos estados pela perda de arrecadação do ICMS com as mudanças impostas na tributação de combustíveis e outros produtos
  • A necessidade de estimular a economia via aumento do investimento público
  • A manutenção de gastos sociais , “que precisam ser ainda mais efetivos”
  • O reajuste a servidores públicos , que não acontece de forma ampla desde 2018
  • Eventuais disputas na Justiça em torno do adiamento do pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União)

Mendes afirmou que a projeção é de deficit primário em 2023, com aumento significativo da relação dívida/PIB, de 77,5% para próximo de 82%. O economista argumentou que será necessário fazer ajustes para conter esse movimento, e que dificilmente as mudanças virão pelo lado da tributação, onde a carga já é alta e distorcida.

“O ajuste tem que ser feito pelo lado da despesa. E isso requer negociação dura com o Congresso, requer reformas que não são fáceis, porque o Congresso está todo na direção de aumentar despesa, e com baixa qualidade”, disse o pesquisador do Insper.

FOTO: BRUNO DOMINGOS/REUTERS/ 15.10.2010

Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil

Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil

Matos, do FGV-Ibre, disse que essa negociação tem uma dificuldade extra: a grande parcela do Orçamento capturada pelo Congresso, principalmente na forma do orçamento secreto. Essa captura consome o espaço já escasso sob o teto de gastos, a regra que limita as despesas da União.

“Você tem que ter apoio político e não tem como dar dinheiro para conseguir esse apoio. Tem a sociedade demandando política social e não tendo um espaço no Orçamento. E tem o mercado cobrando uma sustentabilidade fiscal, ou seja um controle dos gastos”, disse Matos, descrevendo a dificuldade de achar um equilíbrio na gestão fiscal.

O que esperar do quadro social em 2023

Os programas sociais passaram a receber mais recursos a partir da crise econômica da pandemia. Freire, da UFMG, disse que será importante manter essa verba em nível elevado, mas que isso não bastará.

“No caso, O Auxílio Brasil é um programa com um valor maior, só que ele está muito mal desenhado. Não é efetivo para reduzir pobreza”, disse a economista. “Vários especialistas têm apontado falhas no desenho, que minam a capacidade do programa de atingir de maneira eficiente a pobreza, a desigualdade, e assim por diante”.

O problema mais apontado diz respeito ao fato de que o benefício tem um piso por família – em 2022, de R$ 600, programado para voltar a R$ 400 em 2023. Esse piso gera incentivo para uma mesma família se cadastrar de forma fragmentada, distorcendo o Cadastro Único (base de dados do governo que mapeia as famílias pobres do país). Além disso, famílias de tamanhos diferentes recebem o mesmo montante, o que significa que o valor per capita pode variar muito. “Precisamos pensar num desenho mais efetivo para a política social”, disse Freire.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 24.JUN.2021

Um homem de boné segura uma marmita e come de cabeça baixo. Ele está debaixo de um viaduto.

Homem come refeição recebida por doação debaixo de viaduto no Rio de Janeiro

Para além dos programas sociais, Matos, do FGV-Ibre, afirmou que a redução da pobreza passa também pelo mercado de trabalho. “A gente tem que criar condições também para inserção produtiva das pessoas de mais baixa qualificação, pessoas mais pobres, além da política social – e da educação, para evitar que a tragédia continue”, disse.

Nesse sentido, o cenário previsto de esfriamento do mercado de trabalho em 2023 aparece como um obstáculo. “O ano de 2023 é um ano em que talvez o mercado de trabalho sofra. E para poder conseguir uma renda vai ser difícil. Acho que é difícil a gente reverter essa situação de pobreza”, afirmou a economista.

Mendes, do Insper, disse que, no médio prazo, a redução da pobreza depende também de um crescimento mais robusto da economia. “A gente só vai se recuperar se conseguir fazer a economia voltar a crescer a taxas mais representativas do que a média dos últimos anos. E parar de fazer ‘voo de galinha’, crescendo um pouco mais em um ano, no ano seguinte cair em recessão”, disse. “E, para isso, a gente volta para aquela velha receita de que precisa de mais produtividade e equilíbrio fiscal”.

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