Expresso

O potencial da planta brasileira que ajuda a tratar o glaucoma

Lucas Zacari

08 de fevereiro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h16)

Estudo mostra que manejo do solo pode triplicar quantidade de substância medicinal extraída das folhas do jaborandi, presente nas regiões Norte e Nordeste

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FOTO: ICMBIO

Homem ajoelhado em cima de uma pilha de folhas de jaborandi e levantando um pouco delas com a mão direita, como um buquê

Homem fazendo a coleta de folhas de jaborandi, na Floresta Nacional de Carajás

Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale e da UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia) detectou condições de nutrientes do solo que podem aumentar em até três vezes a quantidade de pilocarpina nas folhas do jaborandi.

A substância é usada no tratamento do glaucoma, doença afeta 64 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativas de 2019 da OMS (Organização Mundial da Saúde), e é uma das principais causas de cegueira.

Neste texto, o Nexo explica as conclusões do estudo — publicado em dezembro de 2022 na revista “Journal of Plant Nutrition” — e aponta os próximos passos dos pesquisadores.

A pilocarpina do jaborandi

O jaborandi é uma espécie arbustiva endêmica brasileira, encontrada nas regiões Norte e Nordeste. A planta ocupa, em estado natural , 9.000 hectares da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, no bioma amazônico. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, Maranhão e Piauí também são estados em que o jaborandi é encontrado naturalmente.

A presença da pilocarpina nas folhas de jaborandi torna a planta atrativa para a indústria farmacêutica . Ela é a única que contém o alcalóide na forma natural, o que faz com que o extrativismo dessa espécie seja impulsionado. A alta demanda também faz com que a área farmacêutica cultive o jaborandi, para que haja maior disponibilidade da substância alcalóide.

A pilocarpina tem a capacidade de promover o aumento da produção de secreções pelas glândulas exócrinas do corpo. Ou seja, o alcalóide ajuda a produzir saliva, lágrimas e suor.

Os principais medicamentos com base na pilocarpina são colírios para o tratamento de glaucoma , doença caracterizada pelo aumento da pressão intraocular e consequentes lesões no nervo óptico.Ao administrar o colírio no olho do paciente, a substância provoca a contração da pupila e a redução da pressão.

Além do tratamento de glaucoma, o alcalóide retirado do jaborandi também é utilizado para tratar doenças como a xerostomia (boca seca), a Síndrome de Sjogren’s — inflamação gerada pela infiltração dos linfócitos das glândulas exócrinas —, e a candidíase.

Na área cosmética, o jaborandi é utilizado nos cuidados capilares, pelas propriedades de hidratação, estímulo ao crescimento e antiqueda.

O que diz o estudo

A pesquisa do Instituto Tecnológico Vale e da Universidade Federal Rural da Amazônia teve como objetivo analisar uma correlação entre os atributos químicos do solo, os nutrientes da folha do jaborandi e a quantidade de pilocarpina produzida. Foi um dos primeiros estudos a pesquisar a influência do solo na produção do alcalóide.

Os pesquisadores recolheram 83 amostras de plantas na Floresta Nacional de Carajás. As unidades de jaborandi foram recolhidas durante a época de seca na região — entre maio e outubro —, pois esse é o momento em que há uma maior concentração de pilocarpina e as folhas são colhidas para extração.

O cruzamento de dados entre os três fatores de análise apontou que o acumulado de pilocarpina encontrada de forma natural variou de 0,4% a 2,2% da matéria seca das folhas.

Em publicação na Agência Bori, os coautores da pesquisa Silvio Ramos e Cecílio Caldeira ressaltam o teor inesperado dos valores: “O resultado surpreendeu porque encontrar 2,2% de pilocarpina é um teor bem considerável, três vezes mais do que é encontrado na indústria química quando cultiva essa espécie”.

Segundo o estudo, a presença de pilocarpina no jaborandi é maior se há mais nitrogênio e magnésio — e menos fósforo — nas folhas, além de mais ferro — e menos enxofre — no solo.

O manejo nutricional desses elementos pode aumentar significativamente, portanto, a produção da substância para o uso da indústria farmacêutica.

Quais os próximos passos

Os pesquisadores dizem que a próxima etapa de pesquisa da pilocarpina natural envolve a análise da dose ideal de nitrogênio, magnésio e ferro para uma alta produção do alcalóide.

A alta demanda da substância pela indústria farmacêutica é o principal fator para buscar esse aumento de produtividade.

Ao comparar o primeiro trimestre de 2021 com o de 2022, a Sociedade Brasileira de Oftalmologia apontou que houve um aumento de 26% nos exames de detecção de glaucoma no país.

A tendência apontada de crescimento dos casos dessa doença pode tornar a pilocarpina um fator de tratamento ainda mais importante para a saúde ocular. Isso porque, segundo o “Catálogo de Produtos da Sociobiodiversidade do Brasil” , lançado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em 2018, não há outro produto que possa substituir a substância nesse tratamento.

O uso de colírios com pilocarpina é o tratamento mais comum para o glaucoma. Outras opções para o combate a essa doença são a cirurgia ocular e o uso de medicamentos diuréticos, que eliminam a água do corpo e diminuem a pressão arterial.

O estudo ressaltou que o cultivo do jaborandi selvagem para a produção da pilocarpina em larga escala é essencial, tendo em vista a maior presença da substância se comparada ao cultivo feito pela indústria farmacêutica para extração.

No entanto, o jaborandi ainda sofre com o extrativismo ilegal. A espécie esteve classificada como Em Perigo na “Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção” , do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), de setembro de 2008, e nas duas atualizações seguintes, de dezembro de 2014 e de junho de 2022 .

Para que o jaborandi saia do status de ameaçada de extinção, o catálogo de produtos produzidos pelo ICMBio aponta a necessidade da “adoção de técnicas de manejo sustentado, com a definição de regras de planejamento e exploração da safra, definição de áreas de repouso para que a espécie se recupere e o comprometimento dos folheiros cooperados em realizar o trabalho respeitando normas”.

Algumas iniciativas de coleta e manejo sustentável foram criadas desde o final do século. Em 1997, a farmacêutica alemã Merck, uma das principais produtoras de colírios oftalmológicos com a pilocarpina, elaborou um plano de manejo para exploração racional do jaborandi no Pará.

Também no estado, há monitoramento, conservação e pesquisa da espécie na Floresta Nacional de Carajás desde 2012. O projeto é mantido pela Universidade Federal Rural da Amazônia, pelo ICMBio e pela empresa Vale. Uma das metas da pesquisa é criar uma área de plantio do jaborandi, mas o principal enfoque é a preservação e o manejo sustentável da espécie encontrada naturalmente no local.

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