Por que a humanidade sabe tão pouco sobre o fundo do mar
Mariana Vick
24 de junho de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h28)Acidente que matou tripulantes de submersível em expedição até os destroços do Titanic trouxe à tona dificuldades de exploração de ecossistemas marinhos
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Submersível Titan, operado pela OceanGate Expeditions para explorar os destroços do Titanic
O acidente que levou à morte de cinco tripulantes de um submersível que desapareceu em 18 de junho ao tentar chegar aos destroços do Titanic trouxe à tona as dificuldades de exploração do fundo do mar, motivo pelo qual cientistas costumam dizer que conhecer a Lua é mais fácil do que mergulhar nos oceanos.
20%
do fundo do mar foi mapeado pela ciência , segundo dados de 2022 da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos
A falta de informações sobre o fundo do mar impede a humanidade de acessar benefícios que esse conhecimento poderia trazer para áreas como o meio ambiente, a saúde e a economia. Iniciativas de pesquisadores tentam há anos mudar esse cenário, registrando avanços. Apesar disso, ainda estão longe de alcançar toda a biodiversidade desses ecossistemas.
Neste texto, o Nexo explica o que há no fundo do oceano, por que é tão difícil explorá-lo e qual é a importância de ter mais informações sobre ele. Mostra também os possíveis impactos do acidente do submersível da empresa OceanGate para a pesquisa científica sobre o mar, na avaliação de quem estuda o tema.
O mar profundo é um ambiente imenso. Cerca de 90% da área dos oceanos têm profundidade maior que 1.000 metros , e algumas fossas submarinas chegam a ser 11 vezes maiores que isso, formando as chamadas zonas abissais. O ambiente tem no total mais de 1 bilhão de km³ de volume ocupados por compostos químicos, animais e plantas de diferentes tipos.
Organismo do mar profundo fotografados durante uma expedição em Castellano Seamount, no oceano pacífico
A biodiversidade nesses espaços é enorme. A vida surgiu no mar e se diversificou nele por muito tempo antes de emergir para a terra, como conta um artigo de pesquisadores do programa Biota-Fapesp para a plataforma Nexo Políticas Públicas . Grandes profundidades marinhas eram tidas como desertos submersos, mas estudos recentes revelaram a existência de ecossistemas ricos nesses espaços.
Apesar disso, poucas pessoas conseguiram explorar pontos como a chamada Depressão Challenger, área mais profunda do mar, na região da fossa das Marianas , no Oceano Pacífico. Apenas três pesquisadores já exploraram a área – para efeitos de comparação, doze pessoas já botaram os pés na superfície da Lua.
72%
é quanto os oceanos e mares ocupam da superfície do planeta
3.800 m
é a profundidade média dos oceanos
250 mil a 400 mil
é a quantidade de espécies que pode existir nos ambientes marinhos
O fundo do mar é um espaço difícil de explorar por causa de sua imensa área e volume, além de características físicas que dificultam a presença humana. Os níveis de pressão nas profundezas são esmagadores, o ambiente é escuro e tem pouca visibilidade, as temperaturas frias são extremas e o relevo é mais acidentado que na terra.
“Para explorá-lo, são necessários muita tecnologia e recursos financeiros. Isso exclui a maioria dos países em desenvolvimento e países pobres. A maior parte das pesquisas em mar profundo é feita por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e China”
Pesquisadores tentam mapear a área desde o século 19. O marco inicial da ciência moderna marinha teve início com a Expedição Challenger, de britânicos, entre 1872 e 1876. Mais de um século depois, nos anos 2000, o Censo da Vida Marinha catalogou 6.000 novas espécies. As iniciativas, no entanto, mal chegaram perto da diversidade total do ecossistema.
Imagem de peixes marinhos com corais ao fundo
Outro censo sobre os oceanos começou em 2023. Conduzida pelas organizações Nekton, do Reino Unido, e The Nippon Foundation, do Japão, a iniciativa pretende descobrir 100 mil espécies marinhas em dez anos. A catalogação anual de 10 mil espécies superaria em 335% a quantidade de descobertas feitas atualmente todos os anos.
Entre as tecnologias usadas nesse tipo de mapeamento, estão os chamados “carros-bolha” (submarinos que permitem observar, filmar e coletar informações da água), estruturas robóticas de coleta de dados e ferramentas de escaneamento a laser voltadas a detalhar criaturas marinhas, sobretudo as gelatinosas e com difícil estudo em terra, como as medusas.
Paulo Sumida, professor doutor e diretor do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), disse ao Nexo que, por suas características, o mar profundo é considerado um ambiente extremo. “Isso também significa que os organismos que ali vivem evoluíram nesse ambiente extremo. Muitos deles podem ter soluções para problemas específicos”, explicou.
Prospectando esses organismos de forma sustentável, a ciência poderia gerar novos produtos de uso médico (como anticancerígenos) ou de uso industrial, segundo o professor. “Além desse benefício imediato, a vastidão do mar profundo significa que há uma alta biodiversidade de organismos que fazem funções importantes no ecossistema e que mantêm o bem-estar do planeta”, afirmou.
Expedição Lophelia II, realizada em 2009 no Golfo do México para o estudo do habitat de comunidades de corais
Outro setor que pode se beneficiar do conhecimento do oceano é o energético. O potencial de energias renováveis (como a eólica ) nesse ambiente é grande, segundo o professor Luiz Paulo Assad, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista para o Nexo Políticas Públicas .
Ter mais informações sobre os oceanos também pode ajudar os países a criar áreas de manejo e conservação. “Essa biodiversidade encontra-se ameaçada pela destruição dos habitats, causadas pela exploração dos recursos marinhos, poluição e mudanças globais”, escreveram pesquisadores do Biota-Fapesp. “A nossa relação com o oceano pode ser aprofundada e diversificada de forma sustentável e, para isso, necessitamos ampliar o conhecimento científico.”
O submersível que desapareceu ao tentar chegar aos destroços do Titanic representa o extremo de uma indústria de turismo que tem crescido em popularidade em países ricos desde os anos 1980. Segundo reportagem do jornal americano The Washington Post, os clientes que se interessam por viagens até milhares de metros de profundidade no mar, como a de agora, não se veem como turistas, mas como exploradores.
O jornalista de ciência William Broad, do jornal The New York Times, disse ao podcast The Daily que essa indústria tem tido o efeito colateral positivo de permitir que os cientistas explorem melhor o fundo do mar. “Essa é uma nova tecnologia nas mãos de todos nós, incluindo os cientistas, e está gerando muitas descobertas.”
As recém-descobertas colinas coralinas têm uma alta diversidade de peixes
Apesar disso, ele disse ter notado diversas falhas de seguranças nos equipamentos da OceanGate, empresa que realizou a viagem para o Titanic. Para ele, o acidente pode ter impactos de curto e longo prazo. De início, pode inibir iniciativas de exploração do mar, mas, mais tarde, pode levar a melhorias. “Existem possibilidades regulatórias”, afirmou Broad.
Para o Nexo , Sumida disse que não vê impactos do episódio na ciência. “Esse é um caso isolado de um quase-amador que fez uma máquina inadequada para operar em grandes profundidades”, afirmou. “A pesquisa em mar profundo é feita por instituições e cientistas sérios, com equipamentos de última geração e cuidado constante com a segurança.”
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