Expresso

Como a covid-19 ainda impacta a saúde pública brasileira

Mariana Vick

24 de dezembro de 2023(atualizado 08/01/2024 às 21h11)

Estatísticas de casos e mortes pela doença diminuem, mas aplicação de vacinas segue ritmo lento, principalmente as doses bivalentes. O ‘Nexo’ conversou com profissionais da área sobre os avanços e os impasses

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FOTO: Eric Gaillard/Reuters - 07.dez.2022Pessoa aplica conteúdo de frasco de vacina em seringa. A imagem foca no frasco e nas duas mãos da pessoa. Não se vê o rosto dela.

Profissional de saúde prepara dose bivalente da Pfizer em Nice, na França

Completam-se quatro anos no dia 31 de dezembro de 2023 desde que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recebeu o alerta da ocorrência de casos de pneumonia associados a um novo tipo de coronavírus na cidade de Wuhan, na China. A cepa nunca havia sido antes identificada em humanos. Logo o vírus se espalhou pelo mundo, dando origem à pandemia de covid-19.

A crise sanitária gerou milhões de mortes e registrou momentos dramáticos em seus primeiros anos, especialmente no Brasil, na ausência de vacinas e sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A situação melhorou em 2023, com a ampliação da imunização e a troca de governo e de comando no Ministério da Saúde. Apesar disso, ainda há desafios no combate ao coronavírus.

Neste texto, o Nexo mostra os números da covid-19 no Brasil em 2023 e elenca as medidas adotadas neste ano no enfrentamento à pandemia. Mostra ainda a avaliação de profissionais e pesquisadores da área de saúde sobre a atuação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e as expectativas para 2024.

O que marcou o ano de 2023

Dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) mostram que foram confirmados 1,82 milhão de casos e 14.520 mortes por covid-19 em 2023. Os números se referem ao período de 1º de janeiro a 16 de dezembro, data das informações mais recentes disponíveis no site do conselho. Os valores podem estar subnotificados, já que nem todas as ocorrências da doença entram nas estatísticas.

A quantidade de casos registrados é muito menor que a do ano anterior, quando 14 milhões de ocorrências de covid-19 foram confirmadas no Brasil. O número de mortes, idem: foram 74.779 em 2022, valor cinco vezes maior que o identificado em 2023. Os gráficos abaixo mostram as variações no quadro da doença desde 2020:

Infecções

Óbitos

Esses números decorrem da estabilização dos quadros graves da covid-19 no país, segundo Estêvão Urbano, infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia. “2023 foi um ano de manutenção em níveis baixos do número de mortes e alguns picos sazonais de casos, mas principalmente formas leves, porque encontraram a população com uma barreira imunológica, seja por vacinação, seja por doenças prévias”, disse ao Nexo.

O quadro não é diferente do restante do mundo. A OMS declarou em maio o fim da emergência global de saúde pública pela covid-19 (embora, oficialmente, ainda haja pandemia). Novas variantes do coronavírus surgiram e provocaram altas de casos, mas não provocaram cenários como os de 2020 e 2021, quando ainda não havia imunizantes.

O que mudou no governo federal

A principal mudança na pandemia no Brasil em 2023 ocorreu no governo federal. Entre 2020 e 2022, com Bolsonaro, a gestão do Ministério da Saúde foi marcada pelo negacionismo da doença e pela desinformação sobre medidas de prevenção, principalmente as vacinas. Já neste ano as políticas seguiram o caminho oposto, com encorajamento da imunização.

Chamado de Movimento Nacional pela Vacinação, o conjunto de políticas criadas pelo novo governo incluem campanhas publicitárias e parcerias com os estados e municípios para entender as dinâmicas de cada local. Também há ações voltadas para o público infantil, que incluem as vacinas contra a covid-19, mas não só elas. Diferentes figuras públicas foram convidadas pelo Ministério da Saúde a divulgar os benefícios da imunização.

8

imunizantes do calendário infantil registraram alta na cobertura no Brasil de janeiro a junho de 2023, na comparação com o mesmo período em 2022; vacina contra a covid-19 não faz parte do grupo

Profissionais e pesquisadores da área de saúde no geral avaliam bem a atuação do novo governo. Para Urbano, o ministério chefiado pela sanitarista Nísia Trindade tem responsabilidade no enfrentamento da covid-19. Trata-se, diferentemente da gestão anterior, de uma pasta “pró-ciência”, segundo ele:

“O Ministério da Saúde encampou de forma correta a imunização e as medidas de prevenção. […] Isso foi muito importante para nós não acharmos que a pandemia acabou. Houve muita campanha pró-vacina, além de liberação de medicamentos disponíveis no SUS [Sistema Único de Sáude] para tratamento de formas graves”

Estêvão Urbano

médico e integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia, em entrevista ao Nexo

Outra ação ampliada no novo ministério foi o monitoramento de cepas do coronavírus, segundo Elize Massard da Fonseca, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) e pesquisadora de políticas de saúde. Cepas são mutações de um agente etiológico. Mesmo que a covid-19 não seja mais considerada uma emergência de saúde pública, acompanhar o vírus é importante para captar o possível surgimento de variantes mais graves ou contagiosas, disse ela ao Nexo.

O que ainda não melhorou

Apesar dos avanços, há uma contradição na trajetória da pandemia no Brasil em 2023. Embora as medidas do governo para promover a imunização tenham se multiplicado, a aplicação de novas doses contra a covid-19 não cresceu da mesma forma. O gráfico abaixo mostra os percentuais de cobertura vacinal no país, segundo dados registrados até sexta-feira (22) na plataforma Vacinômetro do Ministério da Saúde:

Queda na adesão

 

Para Urbano, essa situação se deve a “sequelas do negacionismo” do governo anterior. “Movimentos antivacina ainda dificultam muito [a adesão aos imunizantes]. Há medo conferido pelas fake news sobre efeitos colaterais. Mas, de certa forma, as pessoas mais necessitadas têm se vacinado”, afirmou ao Nexo.

A queda na adesão à vacinação também pode ser atribuída ao atual momento da pandemia, em que a incidência de casos graves e a mortalidade estão mais baixas. Há uma percepção entre a população de que o pior da crise passou. Essa visão está correta, mas, quando leva à redução da cobertura vacinal, pode causar danos, por tornar as pessoas mais vulneráveis aos efeitos da covid-19.

Esse cenário se reflete principalmente na cobertura da vacina bivalente. Aplicado como dose de reforço, o imunizante protege contra novas variantes do coronavírus. Mesmo que não elimine a transmissão, sua aplicação diminui o risco de que pessoas infectadas desenvolvam formas graves da covid-19, por isso a importância de tomá-lo.

Contradições na comunicação

Outra hipótese para a queda na adesão à vacinação é a comunicação do governo federal. Beatriz Klimeck, antropóloga, comunicadora científica e doutora em saúde coletiva pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), disse ao Nexo que o discurso do Ministério da Saúde melhorou, mas deveria dar foco a outras medidas de prevenção, além da vacina. Para ela, é como se o Brasil quisesse pôr a covid-19 “no passado” ao não tratar desses temas:

“Há uma retomada da linguagem, da comunicação, que reconhece os problemas [da covid-19]. Por outro lado, o Brasil não é exceção num cenário em todo o mundo que busca deixá-la no passado. Tem uma frase que diz que o problema das pandemias é que as pessoas tentam esquecê-as, e o ano de 2023 marca o período em que as pessoas tentaram esquecer a covid-19”

Beatriz Klimeck

antropóloga, comunicadora científica e doutora em saúde coletiva pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em entrevista ao Nexo

Medidas de prevenção como o uso de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento social caíram em desuso desde que os casos de covid-19 diminuíram e a doença deixou de ser considerada uma emergência de saúde pública. Klimeck, no entanto, afirmou que, quando o governo deixou de destacar a importância dessas ações, abriu brechas para a percepção de que a pandemia “acabou”. Essa medida, paradoxalmente, pode ter prejudicado a estratégia federal de vacinação.

“Apostar na vacina como única solução para a pandemia é errado. Sei que o uso de máscaras é complexo, mas poderíamos pensar, por exemplo, em [adotar medidas para] a filtragem de ar”, disse ao Nexo. A covid-19 é uma doença transmitida pelo ar, e avaliar sua qualidade nos ambientes poderia reduzir os riscos de transmissão, segundo ela.

Klimeck também considera que a linguagem do governo federal pode mudar em relação a outros temas, como a chamada covid-19 longa. “A desinformação sobre isso está espalhada”, disse. Sem acesso às informações corretas, parte das pessoas que desenvolvem sintomas persistentes costuma acreditar, por exemplo, que eles têm relação com as vacinas.

3 a cada 4

pessoas infectadas pelo novo coronavírus desenvolveram sintomas persistentes por pelo menos três meses, segundo estudo com 1.000 pessoas feito por pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da UFPel (Universidade Federal de Pelotas)

Quais são os desafios para 2024

Apesar da melhoria nas estatísticas da covid-19 em 2023, a doença ainda causa danos no Brasil. Dados do Conass mostram que 39 pessoas morrem todos os dias por causa do coronavírus no território nacional. O país ainda tem excesso de óbitos (ou seja, óbitos acima do que é esperado) por causa da doença, embora num patamar menor que antes.

Segundo Urbano, os casos graves se concentram em pessoas idosas e imunossuprimidas, dois dos grupos mais vulneráveis à infecção. Para essas pessoas, o SUS disponibiliza antivirais gratuitos e a manutenção das doses de vacina. O Ministério da Saúde anunciou em outubro que o imunizante será anual para grupos prioritários a partir de 2024, assim como acontece com a vacina da gripe.

Klimeck avalia que seria importante que as vacinas estivessem disponíveis para toda a população, já que os números da covid-19 ainda são expressivos. Massard, no entanto, considera correta a decisão do Ministério da Saúde. A priorização dos grupos de alto risco segue evidências científicas apresentadas pela OMS, que desde março propõe uma abordagem diferenciada para o fornecimento de doses de reforço.

Para Urbano, em 2024 o governo federal deve continuar acompanhando o que está acontecendo no mundo, antecipando-se a possíveis problemas. “Se necessário, trazer novas tecnologias, medidas que eventualmente fiquem disponíveis na literatura [sobre evidências da covid-19]”, disse. “Fazer a manutenção [do que está sendo feito], com foco na ciência.”

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