Quando pensamos em divulgação científica, em geral imaginamos estratégias para levar uma pesquisa ao conhecimento de uma audiência de grande alcance. Mas, na verdade, a divulgação científica ocorre num espectro mais amplo, desde a transferência de conhecimento de um cientista para o público até a oportunidade de diálogo a respeito de um tema. Movendo-se ao longo desse espectro, a divulgação científica permite que os cientistas ouçam outros membros da sociedade, e também que os leigos usem seu conhecimento, expertise e vivência para oferecer soluções diversas.
Vamos supor que eu seja um cientista com a tarefa de encontrar uma saída para reduzir os riscos de enchentes em uma comunidade. Além de coletar dados (índices pluviométricos, mapas geológicos, imagens de satélite etc.), eu também deveria entrar em contato com os moradores, que teriam armazenado décadas de experiência e conhecimento das regiões mais suscetíveis aos alagamentos. Essa colaboração não só combinaria o uso de expertise e conhecimento local para criar soluções possivelmente mais efetivas, como engajaria a comunidade, deixando-a mais motivada para apoiar medidas de prevenção.
Infelizmente, esse tipo de diálogo nem sempre é possível, muitas vezes devido a uma sensação de “hierarquia intelectual”: a comunidade não científica se sente desprovida de conhecimento, julgam-se indivíduos de valor intelectual inferior ao dos especialistas. É mais provável que isso aconteça quando essas pessoas tentam transmitir conhecimentos tácitos, ou seja, habilidades adquiridas por meio da experiência e que muitas vezes são difíceis de traduzir em palavras. Uma das formas de transpor essa barreira é por meio da poesia .
Escrevendo juntos
Oficinas de poesia colaborativa entre cientistas e leigos ajudam a derrubar essas hierarquias. A abordagem tende a ser mais efetiva quando trabalhamos com públicos que geralmente são marginalizados pela ciência. Sei disso por causa das oficinas que conduzi. Ao discutir mudanças climáticas com refugiados ou comunidades religiosas , a poesia me ofereceu uma oportunidade única de ouvir, compartilhar e reconectar.
Vejamos, por exemplo, este poema, escrito por um participante enquanto conversávamos sobre as possibilidades de reduzir nossas pegadas de carbono:
Vá a Barbados e plante
Uma palmeira
Desligue a luz
Tome uma birita
Tome um banho
Com alguém
Tome um banho
Com Rihanna
O autor queria mostrar como ações individuais podem fazer a diferença. Ou que talvez a chance de essas ações fazerem diferença são as mesmas de ele compartilhar uma chuveirada com uma estrela internacional.
Reenquadrando a ciência
A poesia também pode ser uma ferramenta efetiva na outra ponta da comunicação. A boa divulgação da ciência é fundamental, já que oferece informações confiáveis que podem ser contrapostas a notícias falsas. No entanto, como a pesquisa científica geralmente tem como alvo apenas cientistas, muitos leigos não conseguem ter acesso a suas conclusões.
Nesses casos, a poesia também pode ser um veículos entre a ciência e um público mais amplo, conferindo à pesquisa uma linguagem mais acessível. Iniciativas como o Projeto Sicku , o Consilience ou meu blog de poesia e ciência são exemplos disso.
O poema abaixo foi inspirado em pesquisas recentes , que detectaram níveis inesperados de químicos tóxicos em salões de beleza. Graças a esse poema , mais de 60 mil pessoas tiveram conhecimento dos resultados dessa investigação e dos impactos que isso pode ter em suas vidas.
enquanto deixa seus problemas pra lá,
senta e relaxa,
pensa na sua pele
enquanto eu removo o esmalte velho
(a gente fala demais)
e corto suas unhas,
e coisa e tal.
Lustro as superfícies,
sei lá,
removo as cutículas
e cruzo as palmas de nossas mãos.
Passo um primeira camada
com químicos,
o acrílico
com toxinas,
o esmalte
com compostos,
e as ondas de calor
que não te pertencem.
Me dê sua mão,
respire fundo,
tire uma foto.
Logo mais você vai embora
pra mostrar meu trabalho por aí,
e eu ainda vou estar por aqui
dando uma geral.
Respirando a fumaça.
Talvez o maior desafio em usar a poesia para comunicar a ciência esteja em sua própria diversidade. Muita gente se sente excluída (ou até entediada) com os poemas com que tiveram contato. Por isso é necessário trabalhar para encontrar o tipo de poesia de que essas pessoas gostam, por meio da qual elas possam falar e ouvir.
Quando isso é feito a contento, a ciência pode ser mais diversa, igualitária e inclusiva. Mais do que preencher formulários, fazer com que todo o tipo de gente se engaje é fundamental para que a comunidade ajude a encontrar as soluções dos problemas complexos que a ciência se propõe a responder.
Sam Illingworth é professor de prática acadêmica na Universidade Napier de Edimburgo.