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ESPECIAL

2010 - 2020
A década que foi
e a década que vem

Por João Paulo Charleaux, Camilo Rocha, Guilherme Falcão e Thiago Quadros
em 15 de Dez de 2019

Da promessa democrática
à guinada autoritária

A década de 2010-2019 começou com movimentos pela ampliação das liberdades civis e promessas de pluralidade, mas terminou com a ascensão de uma onda conservadora e autoritária no mundo impulsionada, principalmente, por um sentimento antissistema. 

Todos os espectros ideológicos fizeram uso das redes sociais para organizar protestos, já não mais puxados por sindicatos, igrejas ou movimentos sociais, mas por quem proclamava um novo tempo de mobilizações autoconvocadas e horizontalizadas, sem lideranças claras. 

A percepção positiva sobre internet, vista inicialmente como uma ferramenta da democracia capaz de emparedar governos via transparência, porém, converteu-se num sentimento distópico, em que se sobressaem a invasão da privacidade e a difusão de desinformação.

Partidos políticos tradicionais e mídia corporativa tiveram seus papéis questionados. Líderes carismáticos chegaram ao poder questionando a ciência e promovendo teorias conspiratórias, num movimento que fez emergir vozes radicais apoiadas por uma classe média ressentida.

Neste material especial sobre a década que chega ao fim, o Nexo lida com sete eixos para explicar as transformações pelas quais o mundo passou no período, com publicações diárias e escalonadas até 22 de dezembro de 2019. Os eixos são:

Abaixo, o Nexo traz uma cronologia com alguns fatos relevantes da década, além de um breve histórico sobre guinadas importantes ocorridas em várias regiões do mundo entre 2010 e 2019.


MOMENTOS MARCANTES DA DÉCADA
2010 — 2019

2010

  • Terremoto no Haiti

  • Uber e Instagram lançam aplicativos

  • Dilma Rousseff é eleita presidente do Brasil

  • Estatuto da Igualdade Racial passa a valer

  • Viktor Orbán assume como premiê da Hungria

  • Megavazamento de óleo da BP no Golfo do México

2011

  • Primavera Árabe no Oriente Médio

  • Começa a guerra na Síria

  • Occupy Wall Street questiona o capital

  • Morre Muammar Gaddafi na Líbia

  • Morre Osama Bin Laden no Paquistão

  • Ataque terrorista de atirador na Noruega

  • Terremoto e tsunami no Japão

  • Supremo aprova união estável entre homossexuais

  • Facebook ultrapassa Orkut no Brasil

  • Netflix chega ao Brasil e sepulta as locadoras

  • População mundial ultrapassa 7 bilhões

2012

  • Julgamento do mensalão

  • Barack Obama é reeleito nos EUA

  • Vladimir Putin obtém 3º mandato na Rússia

  • Xi Jinping assume como presidente da China

2013

  • Jornadas de Junho

  • Vazamentos de Edward Snowden

  • Golpe de Estado no Egito

  • Bento 16 renuncia e Papa Francisco assume 

  • Morre Hugo Chávez. Nicolás Maduro assume na Venezuela

  • Morre Nelson Mandela

  • Trans podem usar nome social no SUS e no Enem

  • Surgimento do Black Lives Matter

2014

  • Dilma Rousseff é reeleita no Brasil

  • Copa do Mundo no Brasil

  • Início da Lava Jato

  • Estado Islâmico proclama califado

  • Rússia anexa Crimeia

  • Marco Civil da Internet é sancionado no Brasil

  • Boko Haram sequestra meninas na Nigéria

2015

  • Rompimento da barragem da Samarco em Mariana

  • Lançamento do Nexo

  • Extrema direita vence eleição na Polônia 

  • Retomada de relações diplomáticas entre Cuba e EUA

  • Assinatura do acordo nuclear entre EUA e Irã

  • Ataque terrorista contra o Charlie Hebdo e o Bataclan em Paris

  • Primavera feminista no Brasil 

  • Sanção da Lei do Feminicídio 

  • Movimento Ni Una Menos na América Latina 

  • Boko Haram faz o maior ataque terrorista de década na Nigéria

  • Empresa SpaceX lança o foguete espacial reutilizável

  • Cientistas chineses modificam embriões humanos

2016

  • Impeachment de Dilma Rousseff

  • Olimpíada no Rio

  • Vitória do Brexit em plebiscito no Reino Unido

  • Donald Trump é eleito presidente dos EUA

  • Acordo de Paz com as Farc na Colômbia

  • Oposição vence na Assembleia Nacional da Venezuela

  • Terrorista faz ataque com caminhão em Nice na França

  • Cientistas detectam ondas gravitacionais

  • “Pós-verdade” é eleita a palavra do ano em Oxford

2017

  • EUA saem do Acordo do Clima

  • Catalunha faz plebiscito e separatistas vencem

  • Extrema direita chega ao Parlamento alemão

  • Bitcoin atinge maior valor da história

  • Eclosão do movimento #MeToo

2018

  • Lula é preso pela Lava Jato

  • Jair Bolsonaro é eleito presidente do Brasil

  • Extrema direita vira maior força da Hungria

  • Extrema direita compartilha poder na Itália

  • EUA rompem acordo nuclear com o Irã

  • Trump e Kim Jong-un reúnem-se pela primeira vez

  • Maduro é reeleito na Venezuela

  • Vladimir Putin chega ao 4º mandato na Rússia

  • Brasil passa a ter mais de um smartphone ativo por habitante

  • Cientistas detectam água líquida em Marte 

  • Amazon e Apple viram empresas trilionárias

2019

  • Alertas de emergência climática crescem

  • Brasil vive crise ambiental na Amazônia

  • Óleo vazado no mar toma praias do Nordeste

  • Barragem da Vale se rompe em Brumadinho

  • Lula sai da cadeia

  • Rússia e EUA rompem acordo nuclear

  • Socialistas vencem eleição em Portugal

  • Evo Morales renuncia após ameaça de golpe na Bolívia

  • OMS deixa de considerar a transsexualidade uma patologia

  • O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, leva Nobel da Paz


Um giro pelo mundo:
de 2010 a 2019

A década começou com protestos no Oriente Médio que pediam maior abertura política. A onda de manifestações conhecida como Primavera Árabe pôs fim ao mandato de ditadores longevos a partir de 2011, mas os resultados foram diferentes nos países em que as revoltas eclodiram. 

FOTO: Mohamed Abd El Ghany/Reuters - 20.11.2011

Vista aérea de praça circular rodeada por prédios. No centro, milhares de pessoas se reúnem embaixo de tendas iluminadas por luzes alaranjadas
  • Protesto na Praça Tahrir, no Egito, durante Primavera Árabe em 2011

A Tunísia inaugurou um ciclo inédito de democracia. Já o Egito deu lugar a novas formas de opressão. Houve casos de indefinição, como na Líbia, onde a morte de Muammar Gaddafi abriu um vácuo de poder. Na Síria, a pressão popular evoluiu para um movimento armado contra o governo do presidente Bashar al-Assad e acabou em guerra civil.

O conflito sírio atravessou a década sem solução. Potências internacionais, como a Rússia, e potências regionais, como o Irã, alinharam-se a Assad, enquanto os EUA e as potências europeias, acompanhadas pela Arábia Saudita, cerraram filas com a oposição.

FOTO: SANA/Reuters - 05.09.2016

Cidade em destroços ao fundo. No primeiro plano, grupo de homens de costas e cabelo curto. Um deles, ao centro, carrega uma bandeira da Síria

  • Forças leais ao presidente Bashar al-Assad depois de reconquistarem áreas no sudoeste de Aleppo, em 2016

O conflito espalhou mais de 5,6 milhões de refugiados pelo mundo, a maioria em países próximos, como a Turquia e a Jordânia, mas também na Europa. O desarranjo sírio abriu ainda as portas do país para a entrada do Estado Islâmico – grupo terrorista que se apresentou abertamente ao mundo em 2014, vindo do vizinho Iraque.

O grupo extremista ocupou territórios na Síria e no Iraque. Também reivindicou a responsabilidade por ataques terroristas que deixaram dezenas de mortos em capitais europeias como Paris e Londres

FOTO: Alaa Al-Marjani/Reuters - 19.10.2016

Grupo de homens em caçamba de carros acenam com dedos indicadores e médios para a câmera
  • Forças iraquianas em operação ofensiva contra militantes do Estado Islâmico em Mosul, em 2016

A saída dos EUA do Iraque, em 2011, e a redução da presença militar americana no Afeganistão, a partir de 2014, não trouxeram paz. A região permaneceu imersa em tensões, com a crise nuclear do Irã e o conflito entre israelenses e palestinos sem resoluções.

Maior potência do mundo, os EUA começaram a década ainda sob os efeitos da crise econômica de 2008, que pôs em xeque as bases de um capitalismo cada vez mais associado ao mercado financeiro. 

FOTO: Joshua Lott/Reuters - 18.09.2013

Em primeiro plano, protestantes de várias idades empunham cartazes por uma vidraça a um banqueiro, em segundo plano, trabalhando dentro de um escritório. O cartaz mais nítido traz os seguintes dizeres: “desprezo pela saúde e segurança”
  • Manifestantes caminham em frente a um banco Chase em Nova York, durante movimentos de Occupy Wall Street, em 2013

A insatisfação foi simbolizada pelo movimento Occupy Wall Street, em 2011, que contestava um sistema que garantia ganhos astronômicos ao “1% mais rico” ao mesmo tempo em que limitava as condições de vida dos outros “99%”. 

Na presidência desde 2009, Barack Obama, primeiro negro a ocupar a Casa Branca, emplacou um programa público de saúde que mobilizou o debate interno, também impactado por uma série de tiroteios em massa que despertaram questões sobre o uso de armas pelos americanos.

FOTO: Carlos Barria/Reuters - 24.06.2019

Presidente Donald Trump segura uma pasta com duas folhas, e uma grande assinatura no rodapé da página da direita. Ele veste terno, uma gravata vermelha e um broche da bandeira americana no peito
  • Em Washington, Presidente Donald Trump exibe a ordem executiva que impõe sanções ao Irã, em 2019

No campo externo, além das retiradas das tropas do Iraque e do Afeganistão, Obama fechou um histórico acordo nuclear com o Irã ao mesmo tempo em que lidava com tensões com a Rússia em meio à guerra da Síria. Também retomou relações diplomáticas com Cuba ao reabrir a embaixada dos EUA em Havana.

De impacto interno e externo, enfrentou o escândalo do controle e vigilância de cidadãos e governos estrangeiros revelado pelo analista de sistemas Edward Snowden, que atuava em agências de inteligência do governo. Membro do partido Democrata, Obama não fez seu sucessor.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters

No pé da foto, rosto de homem oriental é cortado e apenas boné vermelho com os dizeres “faça a América grande novamente” aparecem. Ao fundo, desfocado, diversas pessoas se reúnem para ouvir o então candidato
  • Apoiador do então candidato à presidência Donald Trump veste um chapéu com os dizeres “faça a América grande novamente” antes de discurso em universidade no estado da Virginia, em 2016

Nas eleições de 2016, o republicano Donald Trump cunhou o slogan “fazer a América grande novamente”. O magnata ganhou corações, mentes e votos de trabalhadores americanos empobrecidos. Fez do rechaço aos imigrantes uma de suas maiores bandeiras de campanha.

Na Casa Branca, Trump inaugurou uma era de rupturas, do acordo nuclear com o Irã ao acordo de Paris sobre o clima. Abriu uma guerra comercial com a China e criticou estruturas multilaterais como as Nações Unidas. Ao mesmo tempo, apostou numa aproximação de resultado ainda incerto com a Coreia do Norte comunista. 

FOTO: Jonathan Ernst/Reuters - 12.06.2018

Em primeiro plano, Trump olha para Jong Un, que olha para além da câmera. Ambos usam roupas pretas. Ao fundo, bandeiras de seus países ornam o espaço
  • Presidente Donald Trump e líder Kim Jong Un conversam em hotel na ilha de Sentosa, no Singapura, em 2018

No final de 2019, Trump já se prepara para disputar a reeleição, em 2020, mas vê seus planos ameaçados pela abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Deputados, liderada pelos rivais do partido Democrata.

Na Europa, a extrema direita populista chegou ao poder em países como Hungria, Polônia, Áustria e Itália. Cresceu de forma inédita na Alemanha, na França e na Espanha. E reivindicou conexões globais com movimentos semelhantes no Brasil e nos EUA ao longo da década.

FOTO: Yara Nardi/Reuters - 25.07.2019

Salvini em frente à microfone encara alguém por trás da câmera. Ao fundo, pintura orna o espaço
  • Ex-vice-primeiro-ministro da Itália Matteo Salvini participa de coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados, em Roma, em 2019

A onda reacionária europeia emergiu como resposta conservadora ao terrorismo, à imigração e a uma preocupação crescente com o que seria a perda de uma identidade diluída pela influência cada vez maior do Islã e dos países africanos e do Oriente Médio.

Aspectos desse discurso nacionalista levaram o Reino Unido a sair da União Europeia. A decisão foi tomada por plebiscito, em 2016, e deve ser concluída ainda no primeiro trimestre de 2020. O Brexit, como ficou conhecido o movimento, representou o mais duro golpe ao ambicioso plano de integração europeia fundado no pós-Guerra. 

FOTO: Neil Hall/Reuters

Grupo de homens erguem os punhos e seguram bandeiras do Reino Unido com dizeres “vote para sair da União Europeia” por entre as listras da flâmula. Ao fundo, outras pessoas se reúnem ao protesto
  • Manifestantes pró-saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016

Já a Rússia demonstrou força ao anexar a Crimeia em 2014 num desafio aberto à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e à ONU. Em seguida, respaldou militarmente o governo da Síria e rompeu um dos mais importantes tratados nucleares com os EUA

Os movimentos do presidente russo, Vladimir Putin – que está há 20 anos no poder, entre os cargos de presidente e de premiê – transbordam da área militar para a área política.

FOTO: KIRILL KUDRYAVTSEV/POOL/REUTERS

Em primeiro plano, dois homens observam Putin desfocados. Entre ambos, o presidente russo olha para o alto
  • Vladimir Putin participa de reunião com parlamentares em Moscou, em 2016

Agentes russos são acusados de interferir nos rumos da campanha eleitoral americana de 2016, invadindo computadores usados pela então candidata democrata, Hillary Clinton, e de espalhar informações falsas no ambiente eleitoral não apenas dos EUA, mas também de países europeus.

A China comunista, por sua vez, consolidou uma posição de grande potência mundial – cada vez mais capaz de rivalizar com o poder americano nas áreas econômica, militar e tecnológica.

FOTO: Thomas Peter/Reuters - 15.03.2019

Na parte inferior da foto, homens e mulheres de pé olham para fora da câmera. Na parte superior, uma parede amarela com cortinas e brasão vermelhos. Dentro do brasão, as cinco estrelas da bandeira chinesa e desenho da Cidade Proibida
  • Autoridades chinesas no Grande Salão do Povo em Pequim, na China, em 2019

Xi Jinping assumiu como presidente do país em 2012 e, desde então, investe na reedição da chamada Rota da Seda, que inclui investimentos pesados na construção de portos, aeroportos, linhas férreas e outras estruturas logísticas em diversas partes do mundo.

Entre 2009 e 2018 o gasto militar real da China cresceu 83%, o que é mais do que qualquer outro país do mundo. As projeções indicam que a China pode passar os EUA como primeira economia do mundo até 2050, o que faz da próxima década, um terreno de disputas abertas entre as duas potências.

Os chineses terão, entretanto, de lidar com a pressão interna que, em 2019, atingiu um pico inédito com os protestos por democracia em Hong Kong. Essa onda de manifestações é mais uma a mostrar o poder dos jovens e da internet, uma mistura que marcou a década, desafiando todas as estruturas tidas como estáveis até então, dos governos liberais do Ocidente às ditaduras hereditárias do Oriente Médio, passando pelo poder monolítico do Partido Comunista Chinês.

FOTO: Thomas Peter/Reuters - 12.08.2019

Grupo pessoas olham para a direita da foto portando camisetas pretas e máscaras no rosto
  • Aeroporto de Hong Kong é tomado por manifestantes contra o governo, em 2019

Na América Latina, houve uma mudança significativa no pêndulo ideológico dos líderes da região. Muitas delas por meio do voto, outras por meio de quedas de presidentes. Os governos de esquerda que haviam chegado ao poder na década anterior sofreram abalos

Em 2012, Fernando Lugo sofreu impeachment no Paraguai. Em 2016, Dilma Rousseff sofreu impeachment no Brasil. Nos dois casos, houve contestações sobre a legalidade dos processos, que acabaram com a ascensão ao poder de líderes mais alinhados à direita. 

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters

Ao fundo, prédio na Praça dos Três Poderes. À frente, homens e mulheres erguem braços, pés e cartazes. Alguns olham para a câmera, outros para fora
  • Manifestantes protestam no Congresso Nacional, em junho de 2013

As denúncias de corrupção, reveladas no Brasil pela Operação Lava Jato, levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a cadeia. E chegaram também a outros países. O ex-presidente do Equador Rafael Correa mudou-se para a Bélgica, evitando uma ordem de prisão em seu país natal. 

Ordem semelhante foi dada contra a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, que, protegida por imunidade parlamentar como senadora, voltou a fazer campanha e acabou eleita como vice de Alberto Fernández, já no fim de 2019, após os fracassos econômicos do governo do direitista Mauricio Macri.

FOTO: David Mercado/Reuters - 13.03.2018

Vestindo traje com bordados típicos bolivianos, Morales olha para a esquerda em frente a fundo preto
  • Ex-presidente boliviano Evo Morales fala a jornalistas estrangeiros em La Paz, em 2018

Na Bolívia, o esquerdista Evo Morales foi obrigado a renunciar em meio a protestos e sob ameaça de golpe de Estado feita por policiais e militares, após denúncias de fraude eleitoral apresentadas pela OEA (Organização dos Estados Americanos). Evo iria para o quarto mandato seguido.

Já a Venezuela, comandada pelo chavismo desde o fim dos anos 90, prossegue uma das mais longas crises políticas, econômicas e humanitárias do continente, marcada pela disputa entre o presidente Nicolás Maduro e o líder opositor Juan Guaidó.

FOTO: Palácio Miraflores/Reuters - 17.01.2018

  • Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em parada militar

O caso da Venezuela cindiu mais uma vez a América Latina em dois pólos opostos, exacerbando a retórica da Guerra Fria (1945-1991) e transbordando seus efeitos para toda a região, não apenas no campo do discurso político, mas também com um fluxo migratório de mais de 4 milhões de venezuelanos pedindo refúgio nos países vizinhos.

O fim da década foi palco ainda da dissolução do Congresso no Peru e da maior onda de manifestações no Chile desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990, num movimento que pôs em xeque o discurso de avanços do direitista Sebastián Piñera, presidente do país.

No Brasil, a crise política e econômica marcou a década. Em 2010, Dilma Rousseff, de esquerda, tornou-se a primeira mulher a assumir a Presidência, sob uma agenda desenvolvimentista associada à promessa de erradicação da miséria. 

FOTO: Adriano Machado/Reuters

Em frente a fundo verde, ex-presidentes olham para os lados da foto com roupas formais
  • Ex-presidentes Lula e Dilma participam de compromisso no Palácio do Planalto, em Brasília, em 2016

A onda de otimismo que tomou conta do Brasil, diante da redução da pobreza e de uma nova inserção mundial, com a escolha do país para sediar a Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, começou a ruir já em 2013, com as chamadas Jornadas de Junho

Uma série de manifestações populares passou a questionar a representatividade política nacional. Ali, mesmo que lateralmente, já surgiam os primeiros sinais de uma extrema direita que tinha o discurso de combate à corrupção como uma de suas principais bandeiras.

As denúncias de desvios de dinheiro público se sucederam e chegaram a seu ápice com a Lava Jato, operação deflagrada em 2014 que revelou um megaesquema de corrupção na Petrobras, maior estatal brasileira. 

FOTO: Fabio Rodrigues/Agência Brasil - 09.09.2015

Sérgio Moro, vestindo terno, observa para fundo da câmera
  • Sérgio Moro participa de audiência em comissão do Senado, em 2015

Dilma perdeu apoio de um Congresso fustigado por acusações. O cenário internacional mudou, o governo errou na condução da política econômica e o país entrou em recessão. A presidente sofreu impeachment em 2016. O vice Michel Temer chegou ao poder mudando o discurso, com promessa de menos estado e ajuste das contas. 

As denúncias de corrupção não cessaram e o sentimento antissistema cresceu. Preso, Lula, o maior líder da esquerda brasileira, foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa. Um ex-capitão do Exército que estava no Congresso havia quase três décadas venceu a disputa presidencial de 2018. 

FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Casal acena. Faixa presidencial está no peito de Bolsonaro.
  • Presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro durante empossamento no Palácio do Planalto, em 2019

Defensor da ditadura militar e de seus torturadores, Jair Bolsonaro tenta agora aprofundar a agenda liberalizante na economia ao mesmo tempo em que busca impor uma agenda que inclui ataques a organizações da sociedade civil, artistas, ambientalistas e políticas voltadas a minorias.