Como o Brasil reage ao novo agravamento da pandemia
Estêvão Bertoni
26 de maio de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h09)Municípios e estados anunciam medidas que vão de aberturas de leitos a ampliação da testagem. Ministério da Saúde diz não ver risco de nova onda
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Homem ajeita máscara contra a covid-19 em ponto de ônibus de Brasília
Governos locais já se preparam para um novo agravamento da pandemia no Brasil. Nos últimos dias de maio de 2021, algumas regiões do país voltaram a ter seus sistemas de saúde pressionados, levando ao endurecimento das medidas de isolamento social. Enquanto isso, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirma não haver riscos de uma nova onda de covid-19.
O Brasil viveu um grande platô de mortes diárias entre maio e setembro de 2020. Após uma pequena melhora no fim do ano, a doença causada pelo novo coronavírus voltou a matar com alta intensidade em 2021, chegando a seu ápice em abril. Agora, após a medida de mortes ter uma ligeira melhora, os dados apontam para um novo recrudescimento.
Parte dos especialistas em saúde pública prefere não chamar a nova ameaça daquilo que seria a terceira onda da covid-19 no Brasil. Isso porque os números nunca caíram de forma significativa a ponto de caracterizarem o fim de uma primeira ou segunda onda. O país estaria vivendo, portanto, uma onda contínua, com momentos de repique.
Especialistas já alertavam para o risco de piora na crise sanitária por causa dos indicadores da pandemia ainda muito elevados em maio. Com uma média móvel que ainda beira 2.000 óbitos por dia, o Brasil registra mais de 450 mil mortes pela covid-19 e pode alcançar meio milhão até julho.
Única medida capaz de interromper a circulação do vírus, a vacinação vem sofrendo uma desaceleração devido ao atraso no recebimento de insumos importados da China para a produção de imunizantes pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A falta de doses, assim como as ações e omissões do governo, têm sido investigadas na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado.
À beira do colapso, municípios já decidiram fechar até mesmo os supermercados na tentativa de reduzir a circulação de pessoas. Outras cidades se preparam ampliando o número de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva)— um levantamento do jornal Folha de S.Paulo publicado na quarta-feira (26) apontava que nove capitais e o Distrito Federal já apresentavam taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva superior a 90%. A seguir, o Nexo mostra qual vem sendo a reação da União, estados e municípios diante do risco de nova piora na pandemia.
Um levantamento do portal G1 divulgado na quarta-feira (26) mostrou que 17 cidades das regiões de Ribeirão Preto e Franca, no interior de São Paulo, apertaram as restrições de circulação devido à pressão sobre o sistema hospitalar. Ao todo, vivem 1,4 milhão de pessoas no nordeste do estado.
Na região de Ribeirão Preto, a taxa de ocupação nas UTIs era de 92,3% na quarta-feira (26). Na de Franca, o índice chegava a 94,2%, e na de Barretos, a 97,4%. A partir de quinta-feira (27), o fechamento das atividades em Ribeirão inclui até os supermercados. As restrições valem até 31 de maio. Em Franca, onde as medidas duram até 10 de junho, as regras valem também para as farmácias, que só poderão fazer entregas. Nas duas regiões, o transporte público será suspenso.
Em Pernambuco, que tinha uma fila de espera para UTIs com mais de 300 pessoas até terça-feira (25), novas regras foram anunciadas pelo governo do estado para as regiões do Grande Recife, Agreste e Zona da Mata, com o fechamento de escolas, clubes, shoppings, praias e igrejas. Apenas serviços públicos e essenciais foram permitidos. Em parte dos municípios, as regras valem apenas aos fins de semana.
Em 19 de maio, o estado registrou o maior número de casos de covid-19 confirmados em 24 horas desde o início da pandemia. Foram 3.440 novos casos e 79 mortes pela doença num único dia.
A situação também se agravou no Paraná , onde a fila de espera por leitos de terapia intensiva já atingia, na terça-feira (25), 81% do pico registrado em março. Eram 577 pessoas aguardando uma vaga — em março, a fila chegou a ter 708 pacientes.
Por isso, a partir da sexta-feira (28), haverá um toque de recolher das 20h às 5h do dia seguinte. Durante a semana, o comércio não essencial pode funcionar das 9h às 18h, com 50% da capacidade. Nos domingos, todas as atividades, incluindo shoppings, restaurantes e academias, serão fechadas. As medidas valem por um período de 30 dias.
Embora não tenha endurecido as regras, o governo de São Paulo decidiu recuar na flexibilização que vinha ocorrendo. A atual fase de restrições, que acabaria em 1º de junho, foi adiada até 14 do mesmo mês. A decisão se baseia na piora dos indicadores. Na segunda-feira (24), a taxa de ocupação de leitos de UTI voltou a ultrapassar 80%.
O número de novos casos de covid-19 também aumentou 8,3% em duas semanas, acompanhado de uma alta de 7,8% nas internações e de 4,6% nas mortes, segundo dados do governo paulista. Apesar dos indicadores, as autoridades de saúde do estado evitam falar numa terceira onda, assim como muitos especialistas em saúde.
Em entrevista na quarta-feira (26), Paulo Menezes, que é coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do estado, defendeu cautela nas decisões do governo para evitar pânico da população, que poderia entender que o país está diante de uma situação fora do controle.
“Temos reiterado aqui que há uma circulação importante do vírus. Ela se intensificou nas últimas duas semanas e de certa forma vimos o reflexo disso no aumento de casos e um aumento menor, proporcionalmente, de internações e óbitos, em relação ao aumento de casos. Pessoalmente, concordo com alguns colegas que dizem que não é muito produtivo ficarmos falando se é segunda ou terceira onda. Nós temos uma situação de alta circulação de vírus, é preciso intensificar os cuidados”
Mais cedo, o secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, defendeu em entrevista à TV Globo a adoção de medidas mais restritivas devido ao aumento de casos na capital paulista. Ele confirmou que a prefeitura se prepara para uma nova onda de covid-19.
“Há um aumento de casos já hoje na cidade depois daquele pico gigantesco que nós tivemos em março e abril com a P.1 [variante de Manaus], e nós estamos nos preparando exatamente para uma nova onda, que seguramente vai atingir todo o Brasil e não vai ser diferente aqui na cidade de São Paulo”
A prefeitura de São Paulo anunciou que deverá abrir nos próximos dias 250 novos leitos de UTIs. De sexta-feira (21) a segunda-feira (24), a taxa de ocupação das unidades que atendem pacientes com coronavírus pulou de 76% para 82%.
Já o governo estadual anunciou como medida para controlar a transmissão a distribuição, em junho, de 1 milhão de testes do tipo de antígeno, que apresentam o resultado em 15 minutos. A aplicação dos exames ficará a cargo dos municípios. A estratégia de testagem e isolamento de casos é defendida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde o início da pandemia, mas nunca foi amplamente utilizada no país.
Em Araraquara, cidade que ficou conhecida por ter adotado um fechamento rigoroso das atividades para controlar a doença ainda em fevereiro, a preparação para um recrudescimento na pandemia inclui mudança nos critérios para a suspensão do comércio não essencial.
Segundo as novas regras, haverá fechamento por sete dias caso a taxa de exames com resultado positivo para covid-19 passe de 20% de todos os testes feitos por três dias seguidos (ou cinco alternados dentro de uma semana). A retomada só irá acontecer se a taxa cair para 15% durante três dias seguidos.
Durante a pandemia, o Ministério da Saúde foi acusado de não liderar uma política nacional de combate ao novo coronavírus. Em seus discursos, o presidente Jair Bolsonaro ataca governadores e prefeitos por causa do fechamento do comércio. Também se opõe ao uso de máscara e às medidas de isolamento social ao participar de aglomerações. Ele já pediu para a população “enfrentar” a doença e disse que a contaminação de todos era inevitável.
Em relação ao provável agravamento da pandemia no país, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na sexta-feira (21) que o governo não enxerga a aproximação de uma nova onda, embora tenha reconhecido que alguns estados e municípios voltaram a sofrer com hospitais lotados.
“Estamos numa pandemia, já tivemos a primeira onda, estamos reduzindo os óbitos nesta segunda onda, e todos temos que estar vigilantes a uma possível terceira onda, mas não estamos vislumbrando isso neste momento. E a maneira adequada de se evitar a terceira onda é avançar na campanha de vacinação, e é isso que estamos fazendo”
As medidas tomadas também são consideradas tardias. O governo federal decidiu suspender os voos com origem na Índia em 14 de maio, dez dias após a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendar a medida devido ao aparecimento de uma nova variante mais contagiosa naquele país.
Na manhã de quarta-feira (26), o governo de São Paulo divulgou ter identificado o primeiro caso de um passageiro infectado com a variante que entrou no estado. O homem, de 32 anos, desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos em 22 de maio.
O governo disse, porém, só ter sido notificado do caso pela Anvisa, que é responsável pelo monitoramento do aeroporto, quando o passageiro já havia embarcado em voo doméstico para o Rio de Janeiro. Ele mora em Campos dos Goytacazes. A vigilância sanitária no Rio foi notificada para acompanhar o caso e evitar novas transmissões.
Seis casos já haviam sido confirmados em meados de maio. São passageiros que chegaram ao Maranhão a bordo de um navio chinês atracado no litoral do estado. No domingo (23), Queiroga foi ao Maranhão para acompanhar a situação. Ele anunciou o envio de 600 mil testes rápidos de antígeno para o estado e 300 mil doses a mais de vacinas, 5% a mais do que já estava previsto. Outros três casos são investigados no Distrito Federal, Espírito Santo e Minas Gerais.
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