Expresso

Cheia no Acre, seca em Roraima: os extremos na Amazônia

Isadora Rupp

05 de março de 2024(atualizado 06/03/2024 às 18h14)

Estados que abrigam floresta vivem situações opostas, um com chuva demais, outro com forte estiagem. Ambos decretaram emergência. População sofre com falta de moradia, água e energia elétrica

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

Temas

Compartilhe

FOTO: Bruno Kelly/Reuters 02.03.2024Membros do Ibama e brigadistas caminham por área destruída por incêndio na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Em meio à área destruída, há um tatu morto no chão, entre as cinzas

Membros do Ibama e brigadistas caminham por área destruída por incêndio na Terra Indígena Yanomami, em Roraima

Acre e Roraima, da região da floresta amazônica, estão passando por extremos do clima simultaneamente: enquanto o Acre registra uma cheia histórica, Roraima passa por estiagem e bate recordes de incêndios. 

Dezenas de milhares de acreanos enfrentam problemas causados pelas chuvas. Já os roraimenses da capital Boa Vista estão cobertos por fumaça, com roças indígenas ao redor destruídas pelo fogo. 

Neste texto, o Nexo mostra como está a situação em cada um dos estados e explica os motivos dos fenômenos climáticos. 

Acre: cheia e desalojados 

As chuvas no Acre tiveram início em 20 de fevereiro. As precipitações elevaram o nível do rio Acre: estava acima dos 17 metros na terça-feira (5). Há mais de 27 mil pessoas, entre desabrigadas ou desalojadas, em todo o estado, de acordo com o governo local. Quatro pessoas já morreram por causa da cheia. 

Segundo a Defesa Civil, na capital Rio Branco, mais de 4.600 pessoas estão em abrigos da prefeitura. Pelo menos 45 bairros foram atingidos, além de 18 comunidades rurais. O abastecimento de energia e água está comprometido, e cerca de 7.000 imóveis estão sem energia elétrica.

19

dos 22 municípios do Acre estão em estado de emergência

A situação de emergência é decretada quando o poder público não é mais capaz de lidar com uma crise. O decreto facilita o acesso das prefeituras e governo estadual a recursos federais e permite que compras emergenciais sejam realizadas sem licitação, por exemplo.

Na segunda-feira (4), uma comitiva com o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, visitou as regiões alagadas. O governo federal liberou mais de R$ 20 milhões para ações de assistência.  

FOTO: Claudia Morales /Reuters 01.03.2024Vista da cidade de Brasiléia, no Acre, atingida por enchentes e pela cheia. Casas estão alagadas e algumas submersas por água e lama

Vista da cidade de Brasiléia, no Acre, atingida por enchentes e pela cheia

Ao menos 23 comunidades indígenas sofrem com os efeitos da cheia dos rios e igarapés, de acordo com dados do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Purus. 

São 395 famílias afetadas — a Terra Indígena Mamoadate é uma das mais críticas, segundo autoridades locais. O governo estadual criou uma força-tarefa para atender às regiões atingidas, muitas delas cujo acesso só pode ser feito de avião ou barco — neste caso, com longas horas de viagem. 

A previsão do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) é que as chuvas prossigam no Acre pelo menos até o dia 20 de março. 

Roraima: estiagem e incêndios 

A estiagem em Roraima persiste desde outubro de 2023. Embora a falta de chuva seja comum nesse período do ano — o chamado verão amazônico, de outubro a março —, a seca atual é uma das mais severas em 17 anos. 

De acordo com o Inmet, choveu apenas 14% do esperado em janeiro e 21% do esperado em fevereiro. O rio Branco, principal fonte de água de abastecimento de Boa Vista, capital do estado, perdeu volume de água bruscamente em fevereiro e está secando. 

Segundo a Caer (Companhia de Água e Esgotos de Roraima), o nível do rio atingiu -0,13 metros no dia 26 de fevereiro. O valor negativo refere-se à metodologia usada pela companhia para medir os níveis. 

9

dos 15 municípios de Roraima estão em estado de emergência

Os 19 mil moradores de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, estão sem água encanada. O início das aulas da rede municipal foi adiado, e o funcionamento do único hospital da cidade, afetado. O município de São Luiz, no sul de Roraima, com 8.000 habitantes, está com os mesmos problemas. 

Moradores reclamam que têm dificuldades para realizar atividades básicas, como cozinhar e tomar banho, e buscam água em poços públicos ou compram de caminhões-pipa. 

Na sexta-feira (1°), o Ministério Público de Roraima abriu procedimento para apurar a falta d’água em Pacaraima. A Caer iniciou a perfuração de poços artesianos para atender os dois municípios. 

Além da estiagem, incêndios também consomem Roraima. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em fevereiro de 2024, o estado teve 2.057 focos de queimadas, o que corresponde a 45% de todos os focos de incêndio do país. 

FOTO: Bruno Kelly /Reuters 29.02.2024Incêndio atinge área no município de Cantá, em Roraima. Fumaça se espalha no meio de árvores, e há um círculo de fogo rodeando a floresta

Incêndio atinge área no município de Cantá, em Roraima

No dia 21 de fevereiro, famílias da Terra Indígena de São Marcos, em Pacaraima, tiveram de deixar a região às pressas no meio da noite por causa do fogo, que ficou fora de controle. 

De acordo com o Inpe, há mais de 70 focos ativos de incêndio na região. Outras terras indígenas sentem o avanço das queimadas, como a Yanomami (250 focos), que enfrenta ainda uma crise humanitária, e a Raposa Serra do Sol, com 205 focos de incêndio. 

Segundo o ISA (Instituto Socioambiental), há comunidades indígenas que estão bebendo lama por causa da estiagem, e que roças na Terra Yanomami foram destruídas pelo fogo. 

Na capital Boa Vista, moradores relatam que a cidade parece estar constantemente sob neblina, por causa das queimadas, e que a fumaça causa problemas respiratórios sobretudo em crianças e idosos. 

De acordo com o governo federal, 273 brigadistas federais do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade) atuam na região para reforçar as ações do governo estadual, junto com quatro aeronaves. 

FOTO: Bruno Kelly/Reuters 29.02.2024Bombeiro tenta controlar incêndio em Cantá, em Roraima. Ele usa óculos e máscara de proteção enquanto joga água em labaredas de fogo

Bombeiro tenta controlar incêndio em Cantá (RR)

A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) monitora a situação nas terras indígenas e atua junto às brigadas comunitárias indígenas para conter a disseminação dos incêndios. 

A previsão do Inmet é que pancadas de chuva ocorram no sul de Roraima — não há previsão de chover no norte do estado nos próximos dias. É ali que ficam cidades como Pacaraima. 

O que explica os extremos 

Tanto a cheia no Acre como as queimadas em Roraima tem como uma das explicações principais o El Niño, um evento cíclico marcado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial, que predominou em todo o mundo em 2023. O fenômeno agravou os extremos climáticos. Seus impactos devem ser sentidos pelo menos até abril de 2024. 

No Brasil, geralmente isso significa mais seca na região Norte do país e mais chuvas na região Sul. O que houve no Acre, porém, foi uma desconfiguração da estação chuvosa por causa do El Niño, o que gerou as enchentes atípicas no estado ao mesmo tempo em que Roraima enfrenta a seca. 

Em entrevista ao Nexo em outubro de 2023, o climatologista Francisco Eliseu Aquino, chefe do Departamento de Geografia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), explicou que todos os oceanos estão com ondas de calor que alimentam a atmosfera. Isso força eventos extremos, que podem ser tanto estiagens como grandes tempestades. 

Um artigo de pesquisadores da UFAC (Universidade Federal do Acre) publicado em outubro de 2023 na revista Perspectives in Ecology And Conservation mostra que a recorrência de extremos climáticos no Acre subiu a partir de 2010, quando ocorreu uma ruptura do padrão vigente até então. A situação aponta para um novo padrão no futuro, com um ambiente que não consegue se regenerar por causa da sucessão de extremos. 

Entre as ocorrências analisadas pelo estudo, 60% foram incêndios florestais, 33% inundações e 6% crises hídricas no Acre, eventos que afetam, de acordo com o os pesquisadores, pessoas que vivem em áreas de risco — são mais pobres e com menos estrutura. 

FOTO: Alisson Oliveira/Secretaria de Comunicação do AcreInundações deixam Acre em estado de emergência

Inundações deixam Acre em estado de emergência

Em Roraima, o aumento dos incêndios florestais se relaciona com as queimadas controladas, diz estudo do Greenpeace Brasil. Esses incêndios, utilizados para limpeza de áreas na zona rural, são autorizados pelo governo estadual, e são legais. 

O governo de Roraima é comandado por Antonio Denarium (PP) — o governador do estado teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral em janeiro, por abuso de poder econômico, mas segue no cargo enquanto recorre da decisão. 

De acordo com o levantamento do Greenpeace, o governo de Roraima concedeu 55 licenças ambientais para queimadas controladas em pleno período de seca na região. Isso gerou um provável descontrole do fogo, que atingiu áreas de floresta e levou aos recordes de incêndios

O governo de Roraima suspendeu o ciclo oficial de queimadas no dia 21 de fevereiro, e que a maioria das 55 autorizações expedidas não foram utilizadas. Segundo a gestão Denarium, parte das queimadas é originada de incêndios florestais e de ações ilegais e criminosas. 

O Nexo agora tem um canal no WhatsApp!

Você pode se inscrever neste link 

Ative as notificações para receber avisos de publicação ao longo do dia.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas