Como a transição energética gera conflitos no Brasil
Mariana Vick
12 de agosto de 2024(atualizado 18/10/2024 às 16h52)Extração de metais destinados à produção de placas solares e baterias para carros elétricos tem deflagrado disputas por terra, água e outros recursos. Produtos são exportados para países desenvolvidos
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Produção da mineradora Sigma Lithium Corp na mina Grota do Cirilo, em Itinga (MG)
Estudo publicado em julho pelo Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil mostra que a extração de metais destinados à transição energética tem deflagrado conflitos sociais e ambientais no país. Violações no uso da terra e da água estão entre os problemas associados à atividade. Os principais atingidos são agricultores, indígenas e quilombolas.
Chamados de minerais críticos ou estratégicos, os metais destinados à transição servem para a produção de novas tecnologias no setor de energia. Países desenvolvidos, no Norte global, estão entre os que mais os demandam no contexto da mudança climática. Já os do Sul global, como o Brasil, estão entre seus principais exportadores, absorvendo, com isso, impactos negativos desse tipo de extração, seja no meio ambiente ou nas comunidades locais.
Neste texto, o Nexo explica o que são os minerais de transição, como eles têm crescido no Brasil e quais tipos de conflitos eles geram. Mostra também o contexto global em que essa exploração acontece.
Os minerais estratégicos (ou críticos) são as matérias-primas minerais consideradas necessárias para a produção de mercadorias ligadas à transição energética — como placas solares, turbinas eólicas e baterias para carros elétricos. A pesquisa publicada em julho contou com a participação de pesquisadores da UFF (Universidade Federal Fluminense) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e analisou 31 minerais demandados nesse campo. São os principais:
Esses minerais são considerados fundamentais para o combate à mudança climática, segundo o estudo. Placas solares, turbinas eólicas e baterias são constituídas por esse tipo de matéria-prima. Os esforços têm sido cada vez maiores para adotar essas tecnologias e reduzir a dependência do setor de energia de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo.
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A pesquisa mostra que a exploração de minerais de transição cresceu 39% em valores reais no Brasil de 2013 a 2022, de acordo com dados da ANM (Agência Nacional de Mineração). O setor mineral como um todo, em contrapartida, registrou crescimento de 9,3%. A participação dos novos minérios, no entanto, ainda é pequena na receita geral do setor — 14,5% em 2022.
Investimentos
O estudo também mostra que os investimentos em pesquisa de minerais de transição cresceram 240% no Brasil entre 2013 e 2022, contra 150% em investimentos para todo o setor de mineração. O aporte de capital para novas matérias-primas passou de R$ 0,23 bilhão para R$ 0,78 bilhão. Os maiores valores foram para Bahia, Goiás e Pará.
A pesquisa afirma que a exploração de minerais de transição gerou pelo menos 348 ocorrências de conflitos em 15 estados de todas as regiões do Brasil entre 2020 e 2023. Foram mais de 101 mil pessoas afetadas em 249 localidades. Os dados são do Observatório dos Conflitos da Mineração do Brasil, que os coleta de fontes como jornais, redes sociais, movimentos e organizações da sociedade civil.
Os conflitos costumam envolver disputas por terra, água ou minérios, ter relação com questões trabalhistas, ser desencadeados por problemas de saúde pública ou mobilizar instâncias judiciais. Os tipos mais frequentes foram os ligados à terra (59%), à água (39%), à saúde (16%) e ao trabalho (12%). As violências que desencadearam incluíram:
Conflitos
Os estados do Pará e de Minas Gerais, onde a mineração é tradicional, concentraram juntos 66,7% dos conflitos entre 2020 e 2023. Mais de 45% das ocorrências estão na Amazônia Legal, que compreende nove estados. Os municípios de Barcarena (PA), Canaã dos Carajás (PA) e Craíbas (AL) ficaram no topo do ranking.
Mais violações
Por cidade
Os principais atingidos pelos conflitos foram pequenos proprietários rurais (24%), trabalhadores (12%) e indígenas (10%), segundo o estudo. Mineradoras internacionais (46%) e nacionais (34%), principalmente de médio porte, foram as maiores violadoras.
Mais vulneráveis
Os tipos de conflitos identificados
Cadeia de alumínio
Ribeirinhos da comunidade de Boa Nova, em Oriximiná (PA), afirmam que a joint-venture Mineração Rio do Norte não consultou as populações locais para a exploração mineral de bauxita. Os moradores afirmam que há sobreposição entre as áreas tradicionalmente utilizadas e as de extração mineral, com impactos sobre as águas e as áreas de caça. A empresa diz que faz mineração com responsabilidade, respeito às pessoas e diálogo constante.
Operação de cobre
A mineradora inglesa Mineração Vale Verde explora cobre em Craíbas (AL), onde moradores dizem temer um desastre ambiental. Segundo o estudo, um agricultor teve que abandonar sua casa após explosões detonadas pela mineradora terem causado rachaduras, enquanto outros reclamam de poeira e poluição sonora. A empresa diz que tem compromisso com o desenvolvimento do território onde está inserida e divulga projetos socioambientais.
Extração de lítio
Grande parte dos conflitos identificados pelo estudo em Minas Gerais envolvem a exploração de lítio. O projeto de maior porte na região do Vale do Jequitinhonha, entre as cidades de Itinga e Araçuaí, é o da mina Grota do Cirilo, da empresa canadense Sigma Lithium. A população local relata danos causados pelo empreendimento, como rachaduras nas casas, e diz temer o acesso a terras e à água de nascentes. Já a empresa diz que o projeto tem as melhores práticas de sustentabilidade.
Os dados mostram que a transição energética representa um problema para diferentes grupos no Brasil, segundo Luiz Jardim Wanderley, professor na UFF (Universidade Federal Fluminense), coordenador do Observatório dos Conflitos em Mineração no Brasil e um dos autores do estudo. “Não é um problema do futuro. A política para a transição já provoca inúmeros tipos de conflitos e violações de direitos a partir da extração de minérios”, disse ao Nexo.
A pesquisa identificou conflitos associados à extração de 14 minerais de transição no Brasil. O cobre e a bauxita foram os que mais causaram danos — 25% das ocorrências para cada um. Ambos são também os minérios com maior valor de operação entre 2020 e 2024, o que sugere uma correlação entre os ganhos da extração e os conflitos que geram.
Mais danos
Gráfico de barras mostra minérios mais associados a conflitos no Brasil.
Para Wanderley, esses conflitos ainda não são tratados de forma adequada pelas autoridades. O governo federal lançou em 2024 o programa Mineração para Energia Limpa para abrir novas fronteiras e estimular pesquisas. “A demanda por esses minerais vem crescendo, e a tendência é que tenhamos mais conflitos”, disse.
A pesquisa afirma que os conflitos ligados aos minerais de transição fazem parte de um contexto global de injustiça climática. “Grande parte da política de transição energética no mundo reafirma antigos padrões de desigualdades global”, disse Wanderley. “Mantemos nas periferias fornecedores de matérias-primas para possibilitar a transição no Norte global.” O estudo chama isso de “imperialismo verde”.
“[esse imperialismo verde] permite que Estados Unidos da América e Europa, mas também a China, avancem em direção à desfossilização ou a uma suposta matriz energética ‘limpa’, enquanto para a periferia global resta a posição dependente de exportadores de commodities, inclusive as ligadas à economia verde, e a criação e aprofundamento de novas e velhas zonas de sacrifício, agora pintadas de verde”
Vários autores
no estudo “Transição Desigual: as violações da extração dos minerais para a transição energética no Brasil”
Para Wanderley, o Brasil deve pensar qual tipo de transição energética deseja. “Nossa política ainda continua intensiva em recursos naturais e extração mineral, apostando em novos produtos sem questionar elementos como a durabilidade dos bens e a obsolescência programada”, afirmou. “Temos, pelo contrário, que rediscutir nosso padrão de consumo.”
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