GRÁFICO
Independência ou morte:
Os mitos presentes no quadro de Pedro Américo
Por Caroline Souza e Gabriela Salles
em 07 de setembro de 2022
Pintura finalizada seis décadas depois de 7 de setembro de 1822 construiu o imaginário brasileiro de como se deu o nascimento da Independência
A declaração da Independência ocorreu em 7 de setembro de 1822. Na data, dom Pedro 1º formalizou a separação do Brasil de Portugal.
Embora vista como célebre, a ocasião aconteceu de forma apressada, às margens do riacho do Ipiranga.
A imagem solene que se tem do momento vem de uma narrativa construída posteriormente, com investimento do Império. Uma das iniciativas foi o quadro ‘Independência ou morte!’, encomendado por dom Pedro 2º ao artista Pedro Américo em 1885.
A cena descrita não retratava a realidade, mas se instalou no imaginário brasileiro sobre a ocasião.
Neste material ilustrado, o Nexo mostra, com base no livro ‘O Sequestro da Independência’, de Carlos Lima Junior, Lilia Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf, a história por trás do quadro símbolo do Brasil fundado em 1822.
autor
Pedro Américo
Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu em Paraíba em 1843, e se formou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
pedro américo, m. nogueira da silva (1871), biblioteca nacional
Era um artista próximo de dom Pedro 2º e frequentava os círculos sociais da elite da época.
O artista realizou estudos na Europa e consolidou-se como pintor de fatos históricos, tendo produzido quadros como a ‘Batalha do Avaí’, uma das principais vitórias brasileiras na Guerra do Paraguai (1864-1870).
batalha do avaí, pedro américo (1877), museu nacional de belas artes, rio de janeiro.
o quadro
Independência ou morte!
O quadro ‘Independência ou morte!’
data de 1888, mas foi idealizado anos antes.
independência ou morte, pedro américo (1888), museu paulista da USP, são Paulo.
Dimensões do quadro:
O quadro mede 4,15m de altura por 7,60m de largura.
A obra foi encomendada para integrar o acervo do Museu do Ipiranga – hoje, Museu Paulista da USP –, edifício construído para simbolizar a imagem oficial da Independência.
rua dos patriotas
Parque da
Indepêndencia
Museu Paulista
da USP
rua bom pastor
avenida narazé
100 m
Bairro do Ipiranga,
São Paulo
Observação: O mapa representa
o sistema viário atual da cidade.
Para pintar o quadro, Pedro Américo viajou até Florença, na Itália, onde costumava realizar seus trabalhos.
Florença
Itália
Durante a execução da pintura, retornou ao Brasil algumas vezes para realizar pesquisas geográficas sobre o local retratado.
São Paulo
Brasil
A obra foi concluída em 1888 e enviada ao Brasil, sendo exposta ao público apenas em 1895, com a inauguração do atual Museu Paulista.
museu do ipiranga, 1931, arquivo nacional.
Linha do tempo
Pedro Américo inicia seus estudos na Academia Imperial de Belas Artes
Nascimento de Pedro Américo
Dom Pedro 1º proclama a Independência do Brasil
1856
1822
1843
Américo assina o contrato com a Comissão do Ipiranga para executar o quadro ‘Independência ou morte!’
Apresentação da pintura ‘Independência ou morte!’ em Florença e entrega à comissão responsável pelo Museu Paulista
1886
1888
1889
Proclamação da República
Inauguração do Museu Paulista e apresentação do quadro ao público
Morte de Pedro Américo
1905
1895
O Nexo elenca alguns elementos presentes no quadro que o aproximam da mitificação da declaração da Independência brasileira:
01
Uma inspiração bem forte
02
A pintura de Pedro Américo é inspirada pelo quadro ‘Friedland’, de 1875, do francês Meissonier. O quadro ilustra uma das vitórias mais importantes de Napoleão.
1807, Friedland, Meissonier (1875),
museu metropolitano de arte, nova york.
Para elevar dom Pedro 1º à imagem de herói na tela e – segundo os valores da época – aumentar o valor de seu trabalho ao fazer referência a outra obra, Américo mostra a cena brasileira como uma batalha que não existiu.
7
5
3
2
6
4
Independência ou morte!, pedro américo (1888)
02
A presença de cavalos na pintura
No momento da declaração da Independência, dom Pedro estava retornando de uma viagem a Santos, dirigindo-se ao Rio.
Viagens longas como essa, à época, eram feitas principalmente com burros.
Isso significava dizer que os elementos que pudessem deturpar a mensagem elevada seriam afastados da composição.
Essa posição explica, por exemplo, porque o artista preferiu retratar dom Pedro 1º montado num cavalo a retratá-lo sentado numa mula — animal de fato utilizado para travessias distantes como aquela que o príncipe e sua comitiva enfrentavam até o Ipiranga, mas considerado indigno de ser apresentado numa pintura com tamanhas projeções e perspectivas oficiais.
(p.85)
03
As roupas dos guardas
A opção por pintar as roupas oficiais dos guardas também se relaciona com a proposta de enaltecer dom Pedro 1º e dar mais solenidade ao momento.
Também considerando a longa viagem que enfrentavam, o mais provável é que a comitiva utilizasse roupas mais leves e confortáveis.
04
O posicionamento do riacho e a geografia do local
Considerando-se localização exata do evento e as reais dimensões da colina do Ipiranga, não seria possível avistar o riacho na cena da tela.
O riacho passaria alguns metros atrás da colina, na perspectiva de quem vê o quadro.
Seguindo as regras da pintura histórica, Américo apresentava o herói ao centro, de forma a facilitar seu reconhecimento.
O artista tampouco teve receio em reconhecer que sacrificara a geografia em nome da elevação da cena.
(p.85)
05
A casa do grito
Possivelmente, a simples casa colocada no canto da pintura foi vista por Pedro Américo em uma de suas visitas à colina enquanto elaborava o quadro.
Contudo, ela não existia em 1822, tendo sido erguida por volta de 1840. A casa também não tinha aquela aparência, e a janela que aparece na tela foi construída posteriormente, para se assemelhar ao retrato de Américo.
vista do ipiranga, Edmund pink (1823).
06
A presença do caipira
O caipira paulistano retratado por Américo na frente do quadro era uma imagem constantemente utilizada para simbolizar a província de São Paulo.
O estereótipo reforçava
a ideia de um povo formado pela mistura de sangue branco e indígena, exclusivamente.
07
A posição do povo
A única figura negra da imagem aparece no fundo da tela, virada de costas e alheia à cena.
Isso sugere a exclusão da população negra no processo de Independência.
O quadro foi pintado em meio às pressões externas pela abolição da escravidão no Brasil.
Na pintura de Américo, as figuras colocadas à esquerda [o homem negro e os caipiras] parecem só observar, escanteadas, o episódio heroico realçado pelos grupamentos centrais do quadro.
(p.91)
Fonte: “O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro”. Carlos Lima Junior, Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf. Companhia das Letras, 2022.
Produzido por Caroline Souza
Texto por Gabriella Sales
Design por Caroline Souza e Gabriella Sales
Desenvolvimento por Caroline Souza
Revisão por Letícia Arcoverde
Edição por Gabriel Zanlorenssi
©2022 Nexo Jornal
Pintura finalizada seis décadas depois de 7 de setembro de 1822 construiu o imaginário brasileiro de como se deu o nascimento da Independência
A declaração da Independência ocorreu em 7 de setembro de 1822. Na data, dom Pedro 1º formalizou a separação do Brasil de Portugal.
Embora vista como célebre, a ocasião aconteceu de forma apressada, às margens do riacho do Ipiranga.
A imagem solene que se tem do momento vem de uma narrativa construída posteriormente, com investimento do Império. Uma das iniciativas foi o quadro ‘Independência ou morte!’, encomendado por dom Pedro 2º ao artista Pedro Américo em 1885..
A cena descrita não retratava a realidade, mas se instalou no imaginário brasileiro da ocasião.
Neste material ilustrado, o Nexo mostra, com base no livro ‘O Sequestro da Independência’, de Carlos Lima Junior, Lilia Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf, a história por trás do quadro símbolo do Brasil fundado em 1822.
autor
Pedro Américo
Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu na Paraíba em 1843, e se formou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
pedro américo, m. nogueira da silva (1871), biblioteca nacional
Era um artista próximo de dom Pedro 2º e frequentava os círculos sociais da elite da época.
O artista realizou estudos na Europa e consolidou-se como pintor de fatos históricos, tendo produzido quadros como a ‘Batalha do Avaí’, uma das principais vitórias brasileiras na Guerra do Paraguai (1864-1870).
batalha do avaí, pedro américo (1877),
museu nacional de belas artes, rio de janeiro.
o quadro
Independência ou morte!
O quadro ‘Independência ou morte!’ data de 1888, mas foi idealizado anos antes.
independência ou morte, pedro américo (1888), museu paulista da USP, são Paulo.
Dimensões do quadro:
O quadro mede 4,15m de altura por 7,60m de largura.
A obra foi encomendada para integrar o acervo do Museu do Ipiranga – hoje, Museu Paulista da USP –, edifício construído para simbolizar a imagem oficial da Independência.
rua dos patriotas
Parque da
Indepêndencia
Museu Paulista
da USP
rua bom pastor
avenida narazé
100 m
Bairro do Ipiranga,
São Paulo
Observação: O mapa representa
o sistema viário atual da cidade.
Para pintar o quadro, Pedro Américo viajou até Florença, na Itália, onde costumava realizar seus trabalhos.
Durante a execução da pintura, retornou ao Brasil algumas vezes para realizar pesquisas geográficas sobre o local retratado.
Florença
Itália
São Paulo
Brasil
A obra foi concluída em 1888 e enviada ao Brasil, sendo exposta ao público apenas em 1895, com a inauguração do atual Museu Paulista.
museu do ipiranga, 1931, arquivo nacional.
Linha do tempo
1822
Dom Pedro 1º proclama a Independência do Brasil
1843
Nascimento de Pedro Américo
1856
Pedro Américo inicia seus estudos na Academia Imperial de Belas Artes
1886
Pedro Américo assina o contrato com a Comissão do Ipiranga para executar o quadro ‘Independência ou morte!’
1888
Apresentação da pintura ‘Independência ou morte!’ em Florença e entrega à comissão responsável pelo Museu Paulista
1889
Proclamação da República
1895
Inauguração do Museu Paulista e apresentação do quadro ao público
1905
Morte de Pedro Américo
O Nexo elenca alguns elementos presentes no quadro que o aproximam da mitificação da declaração da Independência brasileira:
01
Uma inspiração bem forte
02
1807, Friedland, Meissonier (1875),
museu metropolitano de arte, nova york.
A pintura de Pedro Américo é inspirada pelo quadro Friedland, de 1875, do francês Meissonier. O quadro ilustra uma das vitórias mais importantes de Napoleão.
Para elevar dom Pedro 1º à imagem de herói na tela e – segundo os valores da época – aumentar o valor de seu trabalho ao fazer referência a outra obra, Américo mostra a cena brasileira como uma batalha que não existiu.
7
5
3
2
6
4
Independência ou morte!, pedro américo (1888)
02
A presença
de cavalos na pintura
No momento da declaração da Independência, dom Pedro estava retornando de uma viagem a Santos, dirigindo-se ao Rio.
Viagens longas como essa, à época, eram feitas principalmente com burros.
Isso significava dizer que os elementos que pudessem deturpar a mensagem elevada seriam afastados da composição. Essa posição explica, por exemplo, porque o artista preferiu retratar dom. Pedro 1º montado num cavalo a retratá-lo sentado numa mula — animal de fato utilizado para travessias distantes como aquela que o príncipe e sua comitiva enfrentavam até o Ipiranga, mas considerado indigno de ser apresentado numa pintura com tamanhas projeções e perspectivas oficiais.
(p.85)
03
As roupas dos guardas
A opção por pintar as roupas oficiais dos guardas também se relaciona com a proposta de enaltecer dom Pedro 1º e dar mais solenidade ao momento.
Também considerando a longa viagem que enfrentavam, o mais provável é que a comitiva utilizasse roupas mais leves e confortáveis.
04
O posicionamento do
riacho e a geografia do local
Considerando-se localização exata do evento e as reais dimensões da colina do Ipiranga, não seria possível avistar o riacho na cena da tela. O riacho passaria alguns metros atrás da colina, na perspectiva de quem vê o quadro.
Seguindo as regras da pintura histórica, Américo apresentava o herói ao centro, de forma a facilitar seu reconhecimento.
O artista tampouco teve receio em reconhecer que sacrificara a geografia em nome da elevação da cena.
(p.85)
05
A casa do grito
Possivelmente, a simples casa colocada no canto da pintura foi vista por Pedro Américo em uma de suas visitas à colina enquanto elaborava o quadro.
vista do ipiranga, Edmund pink (1823).
Contudo, ela não existia em 1822, tendo sido erguida por volta de 1840. A casa também não tinha aquela aparência, e a janela que aparece na tela foi construída posteriormente, para se assemelhar ao retrato de Américo.
06
A presença do caipira
O caipira paulistano retratado por Américo na frente do quadro era uma imagem constantemente utilizada para simbolizar a província de São Paulo.
O estereótipo reforçava
a ideia de um povo formado pela mistura de sangue branco e indígena, exclusivamente.
07
A posição do povo
A única figura negra da imagem aparece no fundo da tela, virada de costas e alheia à cena.
Isso sugere a exclusão da população negra no processo de Independência.
O quadro foi pintado em meio às pressões externas pela abolição da escravidão no Brasil.
Na pintura de Américo, as figuras colocadas à esquerda [o homem negro e os caipiras] parecem só observar, escanteadas, o episódio heroico realçado pelos grupamentos centrais do quadro.
(p.91)
Fonte: “O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro”. Carlos Lima Junior, Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf. Companhia das Letras, 2022.
Produzido por Caroline Souza
Texto por Gabriella Sales
Design por Caroline Souza
e Gabriella Sales
Desenvolvimento por Caroline Souza
Revisão por Letícia Arcoverde
Edição por Gabriel Zanlorenssi
©2022 Nexo Jornal
Pintura finalizada seis décadas depois de 7 de setembro de 1822 construiu o imaginário brasileiro de como se deu o nascimento da Independência
A declaração da Independência ocorreu em 7 de setembro de 1822. Na data, dom Pedro 1º formalizou a separação do Brasil de Portugal. Embora vista como célebre, a ocasião aconteceu de forma apressada, às margens do riacho do Ipiranga.
A imagem que se tem sobre esse momento se deve à narrativa construída posteriormente, com investimento do Império. Uma das iniciativas foi o quadro ‘Independência ou morte!’, encomendado por dom Pedro 2º ao artista Pedro Américo em 1885.
A cena descrita não retratava a realidade, mas se instalou no imaginário brasileiro sobre a ocasião.
Neste material ilustrado, o Nexo mostra, com base no livro ‘O Sequestro da Independência’, de Carlos Lima Junior, Lilia Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf, a história por trás do quadro símbolo do Brasil fundado em 1822.
autor
Pedro Américo
Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu na Paraíba em 1843, e se formou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Era um artista próximo de dom Pedro 2º e frequentava os círculos sociais da elite da época.
pedro américo, m. nogueira da silva (1871), biblioteca nacional
O artista realizou estudos na Europa e consolidou-se como pintor de fatos históricos, tendo produzido quadros como a ‘Batalha do Avaí’, uma das principais vitórias brasileiras na Guerra do Paraguai (1864-1870).
batalha do avaí, pedro américo (1877), museu nacional de belas artes, rio de janeiro.
o quadro
Independência ou morte!
O quadro ‘Independência ou morte!’ data de 1888, mas foi idealizado anos antes.
Dimensões do quadro:
O quadro mede 4,15m de altura por 7,60m de largura.
independência ou morte, pedro américo (1888), museu paulista da USP, são Paulo.
A obra foi encomendada para integrar o acervo do Museu do Ipiranga – hoje, Museu Paulista da USP–, edifício construído para simbolizar a imagem oficial da Independência.
rua dos patriotas
Parque da
Indepêndencia
Museu Paulista
da USP
rua bom pastor
avenida narazé
100 m
Bairro do Ipiranga,
São Paulo
Observação: O mapa representa
o sistema viário atual da cidade.
Para pintar o quadro, Pedro Américo viajou até Florença, na Itália, onde costumava realizar seus trabalhos.
Florença
Itália
Durante a execução da pintura, retornou ao Brasil algumas vezes para realizar pesquisas geográficas sobre o local retratado.
São Paulo
Brasil
A obra foi concluída em 1888 e enviada ao Brasil, sendo exposta ao público apenas em 1895, com a inauguração do atual Museu Paulista.
museu do ipiranga, 1931, arquivo nacional.
Linha do tempo
1822
1843
1856
1886
1888
1889
1895
1905
Nascimento de Pedro Américo
Morte de Pedro Américo
Proclamação da República
Apresentação da pintura ‘Independência ou morte!’ em Florença e entrega à comissão responsável pelo Museu Paulista
Pedro Américo inicia seus estudos na Academia Imperial de Belas Artes
Dom Pedro 1º proclama a Independência do Brasil
Inauguração do Museu Paulista e apresentação do quadro ao público
Américo assina o contrato com a Comissão do Ipiranga para executar o quadro ‘Independência ou morte!’
O Nexo elenca alguns elementos presentes no quadro que o aproximam da mitificação da declaração da Independência brasileira:
Uma inspiração bem forte
02
A pintura de Pedro Américo é inspirada pelo quadro ‘Friedland’, de 1875, do francês Meissonier. O quadro ilustra uma das vitórias mais importantes de Napoleão.
01
1807, Friedland, Meissonier (1875),
museu metropolitano de arte, nova york.
Para elevar dom Pedro 1º à imagem de herói na tela e – segundo os valores da época – aumentar o valor de seu trabalho ao fazer referência a outra obra, Américo mostra a cena brasileira como uma batalha que não existiu.
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Independência ou morte!, pedro américo (1888)
02
A presença de cavalos na pintura
No momento da declaração da Independência, dom Pedro estava retornando de uma viagem a Santos, dirigindo-se ao Rio.
Viagens longas como essa, à época, eram feitas principalmente com burros.
Isso significava dizer que os elementos que pudessem deturpar a mensagem elevada seriam afastados da composição.
Essa posição explica, por exemplo, porque o artista preferiu retratar dom Pedro 1º montado num cavalo a retratá-lo sentado numa mula — animal de fato utilizado para travessias distantes como aquela que o príncipe e sua comitiva enfrentavam até o Ipiranga, mas considerado indigno de ser apresentado numa pintura com tamanhas projeções e perspectivas oficiais.
(p.85)
03
As roupas dos guardas
A opção por pintar as roupas oficiais dos guardas também se relaciona com a proposta de enaltecer dom Pedro 1º e dar mais solenidade ao momento.
Também considerando a longa viagem que enfrentavam, o mais provável é que a comitiva utilizasse roupas mais leves e confortáveis.
04
O posicionamento do riacho e a geografia do local
Considerando-se localização exata do evento e as reais dimensões da colina do Ipiranga, não seria possível avistar o riacho na cena da tela.
O riacho passaria alguns metros atrás da colina, na perspectiva de quem vê o quadro.
Seguindo as regras da pintura histórica, Américo apresentava o herói ao centro, de forma a facilitar seu reconhecimento.
O artista tampouco teve receio em reconhecer que sacrificara a geografia em nome da elevação da cena.
(p.85)
05
A casa do grito
Possivelmente, a simples casa colocada no canto da pintura foi vista por Pedro Américo em uma de suas visitas à colina enquanto elaborava o quadro.
Contudo, ela não existia em 1822, tendo sido erguida por volta de 1840. A casa também não tinha aquela aparência, e a janela que aparece na tela foi construída posteriormente, para se assemelhar ao retrato de Américo.
vista do ipiranga, Edmund pink (1823).
06
A presença do caipira
O caipira paulistano retratado por Américo na frente do quadro era uma imagem constantemente utilizada para simbolizar a província de São Paulo.
O estereótipo reforçava a ideia de um povo formado pela mistura de sangue branco e indígena, exclusivamente.
07
A posição do povo
A única figura negra da imagem aparece no fundo da tela, virada de costas e alheia à cena.
Na pintura de Américo, as figuras colocadas à esquerda [o homem negro e os caipiras] parecem só observar, escanteadas, o episódio heroico realçado pelos grupamentos centrais do quadro.
Isso sugere a exclusão da população negra no processo de Independência.
(p.91)
O quadro foi pintado em meio às pressões externas pela abolição da escravidão no Brasil.
Fonte: “O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro”. Carlos Lima Junior, Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf. Companhia das Letras, 2022.
Produzido por Caroline Souza
Texto por Gabriella Sales
Design por Caroline Souza e Gabriella Sales
Desenvolvimento por Caroline Souza
Revisão por Letícia Arcoverde
Edição por Gabriel Zanlorenssi
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