Qual a relação entre mobilidade urbana e segurança

Ensaio

Qual a relação entre mobilidade urbana e segurança
Foto: Harun/Pexels

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Cadu Ronca e Carolina Ricardo


06 de abril de 2025

Como a forma de nos deslocarmos e ocuparmos as ruas pode transformar a segurança urbana?

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A pesquisa Viver em São Paulo – Qualidade de Vida, lançada em janeiro deste ano, revelou que 74% dos entrevistados consideram a segurança o maior ou o segundo maior problema da cidade. O transporte coletivo aparece em terceiro lugar, mas com um percentual significativamente menor (15%). Em âmbito nacional, pesquisa da Genial/Quaest também de janeiro mostrou que 26% dos entrevistados consideram a violência o principal problema do Brasil, superando pela primeira vez a economia, que obteve 21% das menções.

Em fevereiro, Vitor Medrada aguardava em sua bicicleta quando foi abordado por dois assaltantes em uma motocicleta na Zona Oeste de São Paulo. Durante o assalto, sem chance de reação, ele foi baleado e não resistiu aos ferimentos. O chocante caso de Vitor, somado ao aumento dos crimes patrimoniais e contra a vida nas cidades brasileiras, assusta, indigna e reforça a necessidade de respostas no curto prazo. Medidas como aprimoramento do policiamento, uso de inteligência, investimento em investigação e maior eficiência na resolução de crimes são frequentemente demandadas e exploradas no discurso político, embora nem sempre com a efetividade que se costuma anunciar.

Não há dúvidas de que a segurança urbana é uma das principais dores da população e que policiamento e investigação são fundamentais. O que a maioria não percebe é que repensar a forma como as pessoas se deslocam também pode ser crucial para enfrentar esse desafio.

O planejamento urbano e as escolhas relacionadas ao transporte têm um impacto direto na segurança pública. Essa relação, embora evidente para especialistas da área, ainda encontra resistência e pouca priorização em políticas públicas estruturais. O modo como as pessoas se deslocam e ocupam os espaços nas cidades influencia a qualidade de vida e pode ser determinante na redução da violência urbana. 

Cidades ao redor do mundo têm demonstrado como o planejamento urbano voltado para pedestres, ciclistas e transporte público impacta positivamente a segurança. Bogotá, há mais de duas décadas, sob a liderança de Enrique Peñalosa, transformou sua infraestrutura urbana, priorizando a mobilidade ativa e  o transporte coletivo, o que, combinado com outras iniciativas, resultou em uma cidade mais pulsante e com menos criminalidade, mesmo durante um período de intensa presença do narcotráfico e das Farc.

De forma semelhante, Nova York tem alcançado resultados expressivos em segurança pública e viária. Os nova-iorquinos utilizam carros e motos com menos frequência, e trafegam mais devagar, em grande parte devido aos limites baixos de velocidade, congestionamento e à elevada presença de pedestres e ciclistas. Esses fatores contribuem para que a taxa de mortalidade em sinistros de trânsito seja um terço menor do que a de outras cidades norte-americanas. Justin Fox, colunista da Bloomberg, analisou que Nova York também se sobressai ao apresentar bons índices tanto em mortes no trânsito quanto na taxa de homicídios, quando comparada a outras localidades do país.

O modo como as pessoas se deslocam e ocupam os espaços nas cidades influencia a qualidade de vida e pode ser determinante na redução da violência urbana

No Brasil, o caso de Afuá, no Pará, é emblemático. A cidade, com cerca de 40 mil habitantes, é uma das poucas no mundo onde a circulação de carros e motos é proibida. Apesar de desafios sociais, como um IDH abaixo da média estadual (0,489) e baixa formalização no emprego (6,2%), a cidade mantém uma taxa de homicídios quase duas vezes inferior à média do estado e muito abaixo da nacional. Essa peculiaridade faz de Afuá um exemplo valioso para que estudos investiguem como a ausência de veículos automotores pode impactar positivamente a segurança urbana e os índices de mortes violentas.

Esses exemplos mostram que o jeito como as pessoas se deslocam afeta muito além do trânsito: impacta diretamente a segurança pública e a vitalidade urbana. Sabemos que as políticas de mobilidade urbana precisam estar associadas a melhorias no ambiente urbano. Estudos indicam que ruas movimentadas por pessoas geram maior sensação de segurança e reduzem crimes. A PNAD Contínua: Vitimização e Sensação de Segurança de 2021, parceria do IBGE com o Ministério da Justiça, por exemplo, evidenciou que serviços públicos como a iluminação, parques, praças, transporte coletivo e escolas públicas e postos de saúde, são considerados pela população ouvida como fatores quase tão relevantes quanto um policiamento adequado para reduzir a criminalidade.

Essa percepção também afeta comportamentos. A PNAD Contínua demonstrou que a sensação de insegurança leva muitas pessoas a mudar hábitos: um quarto das mulheres evita usar o transporte público, mais da metade evita locais com pouca movimentação e 63,6% evitam sair ou chegar em casa muito tarde. A pesquisa também mostra que a insegurança pública afeta mais mulheres do que homens. Na pesquisa Pesquisa Nacional Perfil Ciclista 2024, organizada pela Transporte Ativo, quase metade das respondentes mulheres (46%) afirmou que a segurança é a principal barreira ao uso da bicicleta.

Outros estudos indicam que, em busca de proteção, muitos recorrem ao automóvel particular, o que alimenta um ciclo vicioso: maior sensação de insegurança leva a mais carros nas ruas; políticas que priorizam automóveis geram menos pedestres e ciclistas circulando, criando locais com pouca movimentação, que por sua vez intensifica a insegurança urbana.

Esse levantamento do IBGE é um excelente subsídio para os gestores desenharem melhores políticas para lidar com os crimes contra o patrimônio e suas vítimas. No entanto, conforme já apontado pelo  Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil, uma das organizações que lideram o debate e as ações pela promoção de transportes sustentáveis em todo o mundo, embora haja uma série de iniciativas acadêmicas e de diversas organizações da sociedade civil neste sentido, ainda há uma carência de consolidação periódica de indicadores que permitam monitorar e avaliar as condições de mobilidade urbana no nível municipal, metropolitano e nacional. Esse monitoramento mais estruturado poderia evidenciar ainda mais os impactos positivos da mobilidade ativa e do transporte público na segurança urbana.

Investir em mobilidade urbana pode parecer uma pauta coletiva pouco atraente em um mundo cada vez mais individualista e demandante por soluções de curto prazo, mas seus impactos são inegáveis. Melhorias robustas na infraestrutura para pedestres e ciclistas, ampliação e qualificação do transporte público e redução das velocidades viárias salvam vidas no trânsito, como também criam cidades mais seguras. Soma-se a isso investimentos em iluminação pública, equipamentos públicos de lazer, saúde, cultura e educação e o estímulo às fachadas ativas (edifícios com comércios e serviços que interagem diretamente com o espaço público) e teremos vitalidade e maior bem-estar social.

O desafio agora é consolidar esse conhecimento e transformá-lo em política pública. Por exemplo, é possível avançar em uma análise que compare cidades com alta motorização àquelas que priorizam o uso de bicicletas, transporte público e caminhabilidade? Identificar como essas cidades se comportam em relação aos índices de homicídios por 100 mil habitantes pode ajudar a estabelecer um referencial, como “Cidades +75”, onde ao menos 75% dos deslocamentos diários são feitos de maneira ativa ou coletiva, avaliando o impacto disso em um ambiente urbano mais seguro. Precisamos de mais pesquisas que cruzem dados de mobilidade e segurança pública e estabeleçam métricas claras para orientar gestores urbanos. 

Sabemos que crimes não são explicados apenas por fatores socioeconômicos. Eles também estão profundamente relacionados ao ambiente construído, uso do solo e aos padrões de mobilidade dos bairros. No entanto, é sempre importante abordagens contextualizadas e cruzamento de dados, pois a relação entre fatores sociais e do ambiente urbano com a criminalidade varia de cidade para cidade.

Fica o convite para estudiosos de planejamento de cidades, modos de transportes e segurança pública aprofundarem-se nessa conexão. Além disso, é essencial que os gestores das áreas de segurança pública e mobilidade urbana colaborem mais estreitamente. Se as pesquisas evidenciam a (in)segurança como uma grande demanda, talvez seja hora de reconhecer as formas de deslocamentos como parte essencial da solução e de construir políticas públicas que integrem essas duas dimensões.

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Cadu Ronca é especialista em gestão de sustentabilidade e negócios socioambientais. Diretor do Instituto Aromeiazero.

Carolina Ricardo  é advogada e socióloga. Diretora Executiva do Instituto Sou da Paz.

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