Esta pesquisa investiga qual é a origem da valorização do uso das tecnologias digitais nas escolas, se ela vem das empresas, dos próprios educadores ou dos governantes. De acordo com a autora, as tecnologias vêm sendo adotadas em processos educativos com uma “aura” positiva, sem que haja uma visão crítica sobre esse processo. A partir das políticas adotadas pelo Estado de São Paulo, o estudo busca mapear os discursos de modernização, ao revelar as instituições, os sujeitos e os valores envolvidos.
As perguntas que movem a pesquisa são: como se explicaria a valorização dos usos das tecnologias nas escolas? Seriam as empresas em busca de maior rentabilidade em seus negócios? Seriam os educadores e as escolas buscando a atualização de seus currículos? Seriam os governantes no afã de se adequarem ao estilo de um novo tempo? Quais valores e posicionamentos institucionais são veiculados sobre a moderna socialização escolar? Quem são seus porta-vozes? Quais instituições e posições na sociedade eles representam?
As tecnologias digitais vêm sendo adotadas em processos educativos como “solução modernizante”; condição para a inovação; ou “garantia de qualidade”. O ambiente simbólico para a construção dessa crença é pouco ou nada criticado. Desvelar os sujeitos, valores e instituições envolvidos na construção dessa orquestração simbólica é relevante, para que seja possível mapear os discursos da modernização, não necessariamente com o intuito de “barrar” a chegada das tecnologias na educação (o que seria ingênuo), mas, sim, com a intenção de construir um olhar crítico e enxergar o potencial das tecnologias para a inovação educativa, cumprindo um sentido pedagógico e um objetivo significativo para os sujeitos da educação. Atendendo aos apelos da moderna socialização escolar e sem compreender os contextos de inserção das tecnologias na educação, aparentemente, dá-se conta de um imperativo de sentido mercadológico. O que a tese revela é que esses sentidos construídos aparentemente pelo campo das tecnologias circulam por outros campos (mídia, poder público e academia), construindo uma espécie de “aura” em torno das tecnologias, que dificulta qualquer olhar crítico para esses processos.
Este estudo parte de um problema concreto: as políticas adotadas pelo Estado de São Paulo para modernizar a educação via tecnologias digitais. Seu objetivo é analisar como as tecnologias são representadas por quatro campos sociais: poder público, empresas, mídias e universidades. A intenção é averiguar se os valores promovidos por esses campos constituem um ambiente favorável ao processo de valorização, adoção e uso das tecnologias na educação. Tal processo recebe o nome de moderna socialização escolar, recurso retórico cuja validade é testada pelo estudo a partir de dois pressupostos centrais: (1) o de que existe uma sinergia entre esses campos na construção e na divulgação do repertório relacionado à moderna socialização escolar; (2) e o de que essa zona de convergência ou ambiência comum formada pelo compartilhamento de valores incide em um campo da educação “poroso”, que acolheria tais contribuições, aderindo à modernização de forma incontestável ou mesmo natural. A pergunta que move a pesquisa é: como se explicaria a valorização dos usos das tecnologias nas escolas?
O estudo foi motivado pelo que se confirmou ser um tipo de violência simbólica, sutil, doce e difusa, de algo que se tornou evidente e paira sobre todos os espaços. Tal violência (cujo expoente é imperativo da cibercultura sob a forma de apelo pela modernização via tecnologias) é exercida e incorporada quando agentes e instituições a submetem e a ela são submetidos de maneira aparentemente natural e destensionada. A imagem desse retrato acima mencionado revela uma pulverização de ideias e representações, uma verdadeira socialização difusa de um consenso, matéria de investigação para o campo da Sociologia da Educação. O que se estudou foi o processo de construção dessa ambiência, responsável pela existência de um “clima” favorável à implementação de políticas e projetos modernizadores da educação paulista. Viu-se que Estado/poder público, empresa, mídia e universidade comungam de valores e abordagens no que diz respeito ao impacto das tecnologias na educação; às tendências e à linguagem tecnológica nos espaços educativos. A incursão pelos documentos apresentou o que parece ser uma “rede em prol” da moderna socialização escolar.
Educadores/as, gestores/as, pesquisadores/as da educação e das tecnologias, estudantes de pedagogia e de comunicação.
Michelle Prazeresé jornalista, mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e doutora em Educação pela FE-USP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo). Atualmente é professora da Faculdade Cásper Líbero, integrante da diretoria da ONG Ação Educativa e idealizadora do Desacelera SP. Atua como consultora para projetos educativos com uso de tecnologias digitais para a inovação e a qualidade; planejamento estratégico e comunicação para organizações e movimentos sociais; e arquitetura da informação e produção de conteúdo para mídias sociais.
Referências
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