Acadêmico

Quais as relações entre segregação social e a formação urbana de Salvador

Solange Valladão

11 de abril de 2018(atualizado 28/12/2023 às 07h44)
O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

Esta pesquisa, realizada na UFBA, investiga relações sociais que fazem parte da formação urbana do centro histórico de Salvador, primeira capital do país. O lugar, que foi símbolo do poder colonial, ainda carrega aspectos do período de sua fundação, que se refletem até hoje nos processos de disputa por ocupação e uso da cidade.

Entre as conclusões, a pesquisadora destaca a importância do resgate da memória de segregação na cidade para pensar em novas formas de urbanismo.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

Esta pesquisa investiga como foi produzida — e como se articula para o futuro — a relação entre segregação social e as formas de fazer cidade e urbanismo no Centro Histórico de Salvador. Para responder a questão, entre maio de 2015 e maio 2017, elaborou-se uma coleção de dados organizados por documentos e épocas. A partir da coleção, elegemos os elementos que atenderiam aos dois objetivos da pesquisa: primeiro, perceber e analisar no espaço os diferentes tipos de segregação social; segundo, pesquisar e reunir fatos históricos para falar desse tipo de segregação e das memórias mais expressivas de como esse processo se desenvolveu na cidade.

2Por que isso é relevante?

Em Salvador e em outras regiões brasileiras, a relação entre segregação social e as formas fazer cidade não é fortuita. É intrínseca a uma tradição política e econômica, detentora do poder de decisão sobre as obras na cidade, definindo quais áreas serão criadas ou beneficiadas e quais serão destruídas ou deixadas como estão, ainda que estejam em situação precária.

Como primeira capital do país, fundada como marco do poder colonial, Salvador carrega fortes aspectos colonialistas na sua formação urbana, que persistem ainda hoje nos processos de disputa por ocupação e uso da cidade. O principal aspecto é a extrema desigualdade entre os grupos vulneráveis e os que estão no poder político e financeiro que, legitimados pela força do aparato que detêm (instituições, arquitetos, urbanistas, engenheiros, poder normativo e repressivo), agem sobre o espaço, impondo processos de ocupação, expulsão e de segregação (que ignoram problemas sociais) e de infraestrutura preexistentes em áreas onde está a população mais pobre.

3Resumo da pesquisa

Trata-se de um estudo histórico sobre como foi produzida, e de como se articula para o futuro, a relação entre segregação social e as formas de fazer cidade e urbanismo no Centro Histórico de Salvador. A pesquisa foi realizada por meio de um mosaico onde foram justapostos elementos e tempos heterogêneos através de conceitos chave: heterotopia, alegoria e mosaico e engrama.

Os elementos que os expressam foram encontrados na coleção de dados históricos realizada para a pesquisa. Os cinco mosaicos apresentados reúnem os momentos insurgentes de disputa por ocupação e uso do Centro; instrumentos autoritários de regulamentação do espaço que foram usados em diversas épocas; a vulnerabilidade da ocupação e uso do espaço pelas pessoas mais pobres e os caminhos por onde se articula a ambição da elite social.

O resultado da pesquisa mostrou que o método desenvolvido traz a possibilidade de compreender processos urbanos complexos, como a segregação, tendo como premissa a justaposição anacrônica de elementos diversos e a elaboração de questões a partir do conceito de alegoria.

4Quais foram as conclusões?

A partir dos dados históricos, construímos uma rede de conexões entre os elementos pesquisados e reunidos, que têm a característica de serem memórias expressivas das formas de segregação. Isso torna mais legível a complexidade deste processo.

Assim, tem-se outras possibilidades de discussão sobre a forma de fazer cidade ontem e hoje para construir um novo urbanismo. Isso se dá conhecendo melhor os mecanismos alojados em camadas superficiais e profundas da nossa história, onde estão as ações hegemônicas e de resistência ao modelo segregador ao qual o urbanismo adere, e sobre o qual devemos refletir criticamente.

5Quem deveria conhecer seus resultados?

A difusão de ideias é um elemento importante para disputar as políticas sociais e urbanas. Assim foi no Centro Histórico, com a revolta dos Búzios, em 1798, quando os manifestantes fixaram 12 panfletos revolucionários em diversos pontos da cidade apresentando seus objetivos e reivindicações . Neste sentido, desejamos “panfletar” esta pesquisa entre movimentos e grupos de articulação político-social, que estão no Centro Histórico de Salvador lutando contra os processos de segregação social e disputando, em condições de extrema desigualdade, o direito de ocupação e uso mais justos e humanos do lugar. Com relação às ações de resistência popular, esta pesquisa aponta para uma compreensão mais profunda do papel dos movimentos na história e das formas de disputa empreendidas. Especialmente aquelas que, ao desejarem o papel de resistência participativa dentro das regras do jogo do poder hegemônico, foram capturadas em armadilhas para legitimar simulacros de participação social.

Solange Valladão é arquiteta urbanista, mestra em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal da Bahia. Tem especialização em Artes Visuais – Cultura e Criação pelo Senac e em fotografia pela Uniara.  Atua na coordenação de projetos destas áreas, no desenvolvimento de projetos em artes visuais e fotografia e em pesquisas sobre discursos políticos na arquitetura e no urbanismo, implicando questões relacionadas a arte e movimentos sociais.

Referências

  • SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Navegue por temas