Acadêmico

Como o rap ganhou seu espaço em São Paulo nos anos 1990

Paula Costa Nunes de Carvalho

25 de março de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h01)
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Dissertação: A encruzilhada do rap: produção de rap em São Paulo entre 1987 e 1998 e seus projetos de viabilidade artística

Autora

Paula Costa Nunes de Carvalho, Universidade de São Paulo

Lattes

Orientador

Fernando Antonio Pinheiro Filho

Área e subárea

Sociologia, sociologia da cultura

Publicado em

Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP 18/02/2020

Link para o original

Esta dissertação de mestrado, elaborada por Paula Costa Nunes de Carvalho, na USP (Universidade de São Paulo), analisa os diferentes agentes envolvidos nas origens do rap paulista. Além dos próprios rappers, a indústria fonográfica e a mídia teriam influenciado os caminhos tomados pelo gênero musical no Brasil.

A autora questiona a narrativa — difundida pela crítica especializada do período — de que o rap teria sido “importado” integralmente dos Estados Unidos, e defende que os artistas nacionais também recuperaram tradições da música popular e negra brasileira.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

De modo geral, a partir dos anos 2000, o rap nacional passou a ser vislumbrado por parte da crítica musical e dos jornalistas especializados como uma grande “novidade” e uma “nova força” na música popular produzida no Brasil. A pesquisa toma isso como ponto de partida para entender os descompassos entre produção de rap, indústria fonográfica e recepção por parte da crítica especializada nos anos 1990. A que tradições musicais o rap feito no país se ligava? Por que, em boa parte dos anos 1990, o gênero sofreu tanta perseguição? De que forma alguns artistas de rap conseguiram viabilizar suas carreiras no mundo extremamente seletivo da indústria fonográfica? Essas são algumas das questões que o trabalho pretende responder, sem deixar de considerar que havia também competições, alianças e estratégias (conscientes ou inconscientes) de inserção entre os próprios agentes do rap — o que envolve não apenas artistas, mas também produtores, críticos, empresários, DJs, etc.

2Por que isso é relevante?

Esta forma de olhar para o rap nacional (no recorte da pesquisa, especialmente voltada a São Paulo) traz mais nuances e camadas para a ideia comum de que o rap é um “grito das ruas” ou uma das “vozes das periferias”. Também é preciso entendê-lo como um gênero dentro da indústria fonográfica, com todos os percalços e conquistas que decorrem disso: rappers de fato encontraram muito racismo e preconceito ao cantarem suas realidades. Produtores daquela época pediram para que atenuassem suas críticas ao racismo nas letras, ou que moldassem o tom de suas vozes para que fossem melhor recebidos pelo público, rádios e TVs. Alguns desses grupos de fato mudaram sua sonoridade e partiram para canções mais românticas, numa busca por sucesso comercial e pela viabilização de suas carreiras. Em suma, o trabalho se torna relevante ao complexificar a chegada do rap no Brasil, olhando para os diversos componentes da indústria fonográfica envolvidos nessa trajetória — produtores, diretores de gravadoras, rádios, jornalistas especializados, público e artistas.

3Resumo da pesquisa

Dividida em três partes, a dissertação começa olhando para as tradições musicais às quais o rap sempre se ligou, no que chamo de um resgate de memórias coletivas negras, registradas nas gravações a partir do uso de samples — recortes de músicas já existentes que são reapropriados em novas composições. Este primeiro capítulo demonstra que o gênero, apesar de se orientar especialmente por um estilo surgido nos Estados Unidos, também buscou recuperar o fio da música negra brasileira.

Na segunda parte da pesquisa, a proposta é recompor o espaço que o rap ocupava em São Paulo entre 1987 e 1998, considerando os diversos agentes que compunham esse meio e sua relação com outros nichos. Nesse trecho, mostro que havia uma busca pela viabilização material de carreiras artísticas no mundo do rap. Para isso, não bastava apenas compor e divulgar músicas por aí: foi necessário que houvesse todo um investimento artístico e de formação intelectual, o que envolveu não apenas alianças com homens e mulheres do movimento negro e líderes sindicais, mas também com radialistas, produtores musicais, empresários e jornalistas de outras origens sociais.

O último capítulo, em tom mais ensaístico, busca discutir as posições tomadas por um circuito restrito de posição relativamente hegemônica no campo da música popular — críticos e jornalistas formados por universidades consagradas, por exemplo — que tomavam o rap como um “fato novo” na música brasileira nos anos 2000. A discussão parte do resgate dos argumentos dos dois capítulos anteriores: que “fato novo” traz o rap, se ele reivindicava a filiação a uma certa tradição da música brasileira? Por que ele não foi visto assim nos anos 1990?

4Quais foram as conclusões?

O grupo do rap paulista dos anos 1990 não era um bloco homogêneo, e sim um conjunto de agentes com disposições, intenções e perspectivas diversas. É possível observar, por exemplo, a posição de destaque que grupos como Racionais MC’s e Sampa Crew tiveram naquele momento quando comparados a outros e outras rappers paulistas.

Além disso, a pesquisa revela o enviesamento de parte da crítica com relação à história da música popular brasileira. Análises que consideravam o rap como mera “importação” de gêneros vindos de fora por vezes deixavam escapar preconceitos sociais e raciais camuflados. Ora, foram gêneros musicais relegados pela crítica nos anos 1960 e 1970 que inspiraram a criação artística do rap nacional.

Também é possível concluir que, seja no caso de grupos mais “radicais” ou de artistas que cederam às pressões por uma música mais “suave”, não há como deixar de entender o produto fonográfico também como resultado de estratégias de autoria e de inserção no mercado, sejam elas conscientes ou não. Olhar também para a forma como a indústria cultural em geral recebeu o rap torna evidente que esse setor também espelha e reproduz padrões de comportamento estruturais como o racismo e o classismo.

Por outro lado, o maior interesse pela parte mais “radical” do rap nacional em setores da publicidade, mídia e crítica vindos de origens sociais mais abastadas também demonstra, como lembra o sociólogo Sergio Miceli, o caráter “progressista” e “socialmente comprometido” de parte dos produtores artísticos na indústria cultural, atrelando sempre a estas formas de expressão uma ideia de autenticidade e legitimidade.

5Quem deveria conhecer seus resultados?

Pessoas interessadas em rap, música popular feita no Brasil e num olhar para a cultura do país que busca entender a atividade artística não apenas a partir de “projetos criadores” individuais, mas também por meio de uma relação entre indivíduos, suas disposições, e estruturas sociais.

Paula Costa Nunes de Carvalho é formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e em ciências sociais pela USP (Universidade de São Paulo). É mestre pelo PPGS/USP (Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP) e atualmente cursa o doutorado na mesma instituição. Participa do Núcleo de Sociologia da Cultura da USP e faz parte da comissão executiva da Plural, revista do PPGS/USP. Também atua com comunicação e jornalismo, com passagens pelo jornal O Estado de S. Paulo, Instituto Humanitas360 e Revista Bravo!.

Referências

  • BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  • DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz. São Paulo: Boitempo, 2000.
  • HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
  • HERTZMAN, Marc A. Making Samba: A New History of Race and Music in Brazil. Duke University Press. 2013
  • MICELI, Sergio. A Noite da Madrinha. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • PINHEIRO FILHO, Fernando Antonio. O mago, o santo e a esfinge – três experimentos em sociologia da literatura. Tese de livre docência. 2019. (No prelo)

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