Um novo olhar sobre o Santo Graal de Peter Townsend: a teoria e medida da pobreza como privação relativa
Autoria
Samuel Sousa de Azevedo Maia
LattesOrientação
Ernesto Perini-Santos (orientador) e Sibelle Cornélio Diniz (coorientadora)
Área e sub-área
Filosofia das Ciências Sociais
Publicado em
31/01/2024
Como participar?
Peter Townsend foi um sociólogo e economista britânico, importante professor da London School of Economics. Nos anos 1960, ele liderou um grupo de pesquisa sobre as condições de vida dos britânicos, propondo a hipótese de que o sistema oficial de medição da pobreza não correspondia à realidade.
Esta pesquisa analisa a teoria da pobreza de Townsend do ponto de vista das ciências sociais e da filosofia da ciência. Além disso, mostra como essas ideias sobre medir a pobreza influenciaram políticas sociais no Brasil.
Como a teoria de medida da pobreza de Peter Townsend se diferencia das ideias dominantes na sociedade e na política de sua época?
Estatísticas sobre a pobreza escondem histórias de disputas científicas e políticas. Veja o caso do Reino Unido nos anos 1960: ali era amplamente aceito que o crescimento econômico e o estado de bem-estar social estabelecidos no pós-guerra tinham eliminado a pobreza e diminuído consideravelmente a desigualdade. Mas um conjunto de pesquisadores, liderados pelo sociólogo Peter Townsend (1928-2009), passaram a dizer o contrário.

Mulher passa em frente a acampamento de morador de rua em Londres, no Reino Unido
Tais conclusões otimistas seriam produto de visões subjetivas, influenciadas por preconceitos sociais sobre as necessidades e a realidade das pessoas. Esses preconceitos teriam levado cientistas e políticos a conceber a pobreza apenas como falta de recursos para garantir a subsistência alimentar e, como consequência, a adotarem uma linha de pobreza muito baixa.
Na pesquisa, foi feita uma análise da obra de Townsend em torno da pobreza, em especial de seu trabalho mais sistemático, publicado em 1979, “Poverty in the United Kingdom” (Pobreza no Reino Unido). A teoria foi interpretada tendo em vista dois campos: um sobre o que medidas confiáveis de fenômenos como a pobreza e desigualdade precisam ter; e outro voltado a trabalhos da filosofia contemporânea que tentam entender como conceitos, medidas e teorias podem ser influenciados pelo contexto político e social.
Townsend propõe a hipótese de que existe um ponto na escala da distribuição de renda e recursos de uma sociedade onde a privação relativa (a exclusão do padrão de vida de uma sociedade) aumenta desproporcionalmente. E sugere que a linha de pobreza deveria ser traçada nesse ponto, pois abaixo dele encontramos pessoas com características semelhantes justamente pela matriz da falta de recursos. Isso significa que a pobreza depende da desigualdade de recursos. Além disso, medir a pobreza desse modo cumpriria o papel de ponte entre os dados empíricos sobre a condição de vida dos britânicos e formulações teóricas abstratas sobre a desigualdade.
Também foi apresentado como essas discussões influenciaram pesquisas sobre a pobreza e a desigualdade no Brasil e os critérios de concessão de programas sociais como o Bolsa Família.
Para além da medida de pobreza, a teoria de Townsend é sistemática. Ela apresenta um conjunto de elementos que se pretendem consistentes: um conceito de pobreza, hipóteses e observações antropológicas relacionadas ao conceito, medidas para testar essas hipóteses, uma explicação da pobreza e procedimentos para coleta de dados.
Com esses elementos, a teoria teria capacidade de explicar um conjunto de dados sobre o comportamento, as condições de vida e os recursos dos habitantes do Reino Unido. Além disso, poderia conectar o fenômeno da pobreza com as desigualdades socioeconômicas de uma população em geral – algo difícil para sociólogos e economistas mesmo nos dias atuais.
Nas décadas seguintes, as hipóteses de Townsend foram testadas por sociólogos e economistas, e os resultados foram inconclusivos. Ainda assim, a teoria foi uma das tentativas mais sistemáticas de traçar uma linha de pobreza de modo não arbitrário. Não por acaso, ela deu origem a diversos programas de pesquisa sobre a pobreza e a desigualdade seguidos por sociólogos e economistas até os dias atuais.
Economistas, sociólogos e pesquisadores interessados em estatísticas sociais e na história das ciências.
Samuel Maia é mestre em filosofia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Hoje realiza doutorado em economia pela mesma universidade.
Referências
- ATKINSON, Anthony B. Measuring Poverty Around the World. Edited by John Micklewright and Andrea Brandolini. Princeton University Press, 2019.
- BRADBURN, Norman; CARTWRIGHT, Nancy; FULLER, Jonathan. “A Theory of Measurement.” In McClimans (org.). Measurement in medicine: philosophical essays on assessment and evaluation. Rowman & Littlefield, 2017, pp. 73-88.
- MEDEIROS, Marcelo. Os pobres e os ricos. Cia. das Letras, 2023.
- ROCHA, Sônia, Pobreza no Brasil: Afinal, do que se trata? Editora FGV, 2006.
- TOWNSEND, Peter. Poverty in the United Kingdom: A Survey of Household Resources and Standards of Living. Los Angeles: University of California Press.