Como participar?
Segundo dados divulgados em 2023 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 46,6% do total de mortes violentas intencionais no Rio de Janeiro em 2017 foram atribuídas ou possuíam algum tipo de ligação com o tráfico de drogas ilícitas. O relatório ainda cita outros problemas que podem se relacionar com os confrontos decorrentes do proibicionismo de drogas no Brasil, como custos sociais e econômicos e redução da expectativa de vida da população.
Esta pesquisa busca entender como policiais atuam na linha de frente da chamada guerra às drogas e chama atenção para a perpetuação de desigualdade e a violência que pode ser desencadeada pelas ações do sistema de segurança do Estado nas periferias do Rio de Janeiro e em sua região metropolitana.
Como as práticas policiais se relacionam com a lei antidrogas no Rio de Janeiro e que efeitos sociais essa relação gera?
Dizer que determinadas ações policiais violam os direitos das pessoas em territórios periféricos pode se configurar como uma denúncia. Por outro lado, descrever essas ações com base na interlocução com os policiais que as protagonizam e propor interpretações a partir de conceitos das ciências sociais e de uma perspectiva histórica é superar o mero denuncismo.

Polícia civil do Rio de janeiro mostra resultado de apreensão de drogas
Essa superação é necessária para a construção e difusão de um conhecimento baseado em fatos concretos sobre a administração de conflitos nas sociedades contemporâneas, o que permite a produção de novas tecnologias sociais de administração sob uma perspectiva que dê atenção às demandas das comunidades, e não necessariamente do Estado ou de interesses corporativos.
A pesquisa foi realizada junto a policiais dos grupos PATAMO (Patrulhamento Tático Motorizado) e GAT (Grupamento de Ações Táticas) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, cuja principal missão é dar efeito ao caráter proibicionista da Lei 11.343, de 2006, conhecida como Lei de Drogas no Brasil.
As atribuições desses policiais são prender pessoas e apreender drogas e armas. Eles são cobrados institucionalmente para produzir registros de tais ações, que são posteriormente apresentados como “estatísticas”. Atuam com “liberdade de ação”, e exercem tal liberdade quase sempre em territórios cuja relação com o Estado é precarizada e onde há naturalização da violação de direitos.
Grande parte do mercado clandestino de drogas no Rio de Janeiro é formada por pontos de venda públicos, chamados de “bocas de fumo”, conhecidos por todos, inclusive pela polícia. Esses espaços estão localizados nas franjas e periferias da malha urbana, e são controlados por grupos armados que usam a violência como linguagem. Nesse contexto social, em nome da chamada “guerra às drogas”, a tensão diária vinda do sistema de policiamento e sofrida por milhares de pessoas é tratada como um “efeito colateral”.
Em primeiro lugar, a modalidade de trabalho exercida por grupos da Polícia Militar como os PATAMO e os GAT é dependente e se alimenta do tráfico de drogas. Na forma como se configura, se o tráfico de drogas deixasse de existir no Rio de Janeiro e sua região metropolitana, grupos policiais como esses não teriam razão de existir.
Além disso, um efeito altamente perverso de tal estado de coisas é a reprodução ampliada de uma desigualdade profunda de direitos e oportunidades em desfavor dos enormes contingentes populacionais que vivem nos territórios onde essas ações arbitrárias e violentas ocorrem.
Tendo isso em vista, é necessário que tais temas sejam colocados em discussão, para que a produção do conhecimento sobre o assunto (qualificado e posto à prova após difundido) favoreça, no futuro, a produção de políticas de segurança pública e administração de conflitos em uma chave democrática e cidadã.
Estudantes das áreas de ciências sociais, direito e segurança pública, profissionais do campo da segurança pública, ativistas de Direitos Humanos e demais leitores sensibilizados a pensar os dilemas da cidadania no Brasil contemporâneo.
Marcos Verissimo é pesquisador vinculado ao INCT-InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos), da UFF (Universidade Federal Fluminense). Graduado em ciências sociais pela UFF. Doutor e mestre em antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF. Bolsista Pós-doc CNPq. Professor de sociologia da SSEDUC-RJ (Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro). Autor dos livros “Maconheiros, fumons e growers: um estudo comparativo sobre o consumo e o cultivo de canábis no Rio de Janeiro e em Buenos Aires” (2017) e “’De sol a sol’: a Guarda Municipal do Rio de Janeiro e a segurança pública na ‘cidade maravilhosa’” (2020), ambos pela editora Autografia. Coordenador do LEPIC (Laboratório Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica).
Perla Alves é pesquisadora vinculada ao INCT-InEAC/UFF (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos, da Universidade Federal Fluminense). Doutora e mestre no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito pela UFF na linha de políticas de segurança pública e administração institucional de conflitos. Possui graduação em pedagogia pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e graduação em Tecnólogo em Segurança Pública e Social pela UFF.
Referências
- CAMPOS, Marcelo. Pela metade: a Lei de Drogas no Brasil. São Paulo: Annablume, 2019.
- COSTA, Perla. Quando a gansóloga sou eu. Uma etnografia sobre as práticas dos policiais militares no Rio de Janeiro. (Dissertação de Mestrado). Niterói: Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, 2018.
- GRILLO, Carolina; POLICARPO, Frederico; VERÍSSIMO, Marcos. A Dura e o Desenrolo: efeitos práticos da Nova Lei de Drogas no Rio de Janeiro. In: Revista de Sociologia e Política – dossiê Crime, Segurança e Instituições Estatais: problemas e perspectivas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2011.
- MISSE, Michel. O Rio como um Bazar, a conversão da ilegalidade em mercadoria política. Rio de Janeiro: Revista Insight Intelingência, v.3, n. 5, 2002.
- ______ . Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, 79: 15-38, 2010.