Coluna

Reinaldo Moraes

Floripa a bordo de um boteco genial

18 de setembro de 2016

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Visitando amigos, a história e a gastronomia de Florianópolis

O Mercado Público de Florianópolis, inaugurado em 1899, fica ao lado do Largo da Alfândega, no centro comercial da cidade. Entendi, pelo que me contaram, que ali ficava o antigo porto da ilha de Santa Catarina. O mar chegava até bem perto do Mercado e do prédio da Alfândega, ali ao lado, até que as obras do aterro, em meados dos anos 1970, empurraram o Atlântico pra bem longe. O terreno antes lambido pelas ondas hoje abriga avenidas, um terminal de ônibus e amplos espaços vazios. O mar deixou saudades em quem vivia na cidade antes de urbanizarem um dos pontos mais emblemáticos da cidade.

Dentro do mercado tem um box, o 32, especializado em frutos do mar, que te deixa a fortíssima impressão de estar no melhor boteco do Brasil, e no mais caro também. A chance de você saber do que estou falando é alta, já que o Beto Barreiros, o dono do pedaço, garante que, desde 1984, quando foi inaugurado, até hoje, mais de 12 milhões de pessoas já se deliciaram com os pastéis de camarão do Box 32. Mas o pastel, que carrega em seu bojo 100 gramas de recheio camarônico, é só um dos gloriosos quitutes preparados sob a batuta do Beto, que oferece também aos clientes de paladar mais requintado e bolso bem fornido itens como haddock escocês, ovas dos melhores peixes brasucas, lagostas e escargots, além de lascas de Pata Negra, o lendário presunto cru espanhol.

Quem me levou lá foi o meu amigo Mário Prata, dramaturgo, romancista e cronista que se bandeou há 15 anos de São Paulo pra Floripa, onde se estabeleceu de frente pro mar, em Canajurê, e todos os dias, ao abrir a janela da sala, declara em alto e bom som pros golfinhos que costumam ornamentar a paisagem: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira.”

Essa foi a terceira ou quarta vez que tive a chance de assentar minha bunda viajante numa cadeira do Box 32, dessa vez tendo por companhia na mesa, além do Prata, o próprio Beto, típico “mané” da ilha, apelido dos floripanos da gema, descendentes ou não dos 260 casais de açorianos que em 1.692 aportaram em Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis.

Depois de saborearmos de joelhos o divino pastel de camarão aos goles de cerveja, Beto colocou em causa uma caipirinha perfeita, acompanhada de lascas do Pata Negra. Vai daí, passou a nos contar como foi que ensinou a fazer o clássico drinque nacional a centenas de clientes, entre eles um argentino muito simpático que, em retribuição , convidou-o pra assistir na primeira filha a um concerto que sua orquestra daria num teatro da cidade. O argentino era ninguém menos que o Astor Piazzolla. E o espetáculo musical, memorável.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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