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Vapor metálico.
Muita gente não sabe o que é vapor metálico – muita gente que acaba de ser iluminada pelo vapor metálico. Eu mesmo não sabia até 5 minutos atrás. E continuo não sabendo grande coisa sobre o vapor metálico, também dito de sódio, salvo engano. Coisa tão fundamental na vida dos urbanitas do planalto de Piratininga, e não se vê ninguém andando pelas ruas e avenidas a render homenagens ao vapor metálico por iluminar as trevas e aclarar os caminhos na cidade.
Mesmo sem entender em profundidade a natureza da luz produzida pelo vapor metálico, vi o momento exato em que ela se acendeu sobre as cabeças dos munícipes enquanto eu caminhava, dia desses, desde a minha casa, na banda sudoeste da avenida Paulista, até a “cidade”, na banda nordeste. “Cidade” é como muita gente ainda se refere à região central da metrópole, caso alguém não saiba disso.
Considero epifânico esse momento em que a luz artificial vem combater as trevas noturnas, mantendo afastado seu cortejo de fantasmas e mortos-vivos, como vampiros mesoclíticos e frankensteins multipartidários. Luz metálica, fria, pervasiva, que adere à superfície de todas as coisas. Sem ela, numa noite de céu nublado e lua nova, como a que se anunciava naquele fim de crepúsculo, as coisas e os seres seriam engolfados pela escuridão. Andaríamos com lanternas, lamparinas, archotes, à mercê de assaltos, estupros, assassinatos. Tropeçaríamos nas calçadas esburacadas ou escorregaríamos em cocôs e cascas de banana, sofrendo fraturas horríveis, quiçá fatais. Seríamos atropelados, daríamos cabeçadas nos postes, rolaríamos por escadarias, despencaríamos em ribanceiras, trombaríamos com outros seres humanos, nem todos amigáveis. E a manhã nasceria tinta de sangue e lavada de lágrimas.
Rendamos loas, pois, ao bendito vapor metálico. Ou de sódio, se preferir. Última palavra em iluminação pública. Ou penúltima. A última agora acho que é o tal do LED – Light Emitting Diode, segundo o manual da lanterna chinesa de LED que eu comprei na loja de 1,99, mas que me custou 25 paus. Achei que seria divertido ter uma lanterna, como na minha infância, quando eu vivia com uma delas na mão à procura de uma boa escuridão pra combater, feito um jedi precoce empunhando sua espada de luz. Sempre que rolava um blackout lá em casa era eu quem tirava a pátria da escuridão, iluminando os caminhos domésticos até a gaveta do armário da cozinha onde ficavam as velas.
Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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