Coluna

Denis R. Burgierman

A máquina que move o Brasil

20 de abril de 2017

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É assim que é. É assim que tem sido assim desde a redemocratização: quem paga campanha eleitoral é construtora. 'É normal', disse Emílio Odebrecht, para minha estupefação

Até anteontem, algumas das maiores empresas do mundo eram construtoras brasileiras: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht. Todas com faturamento de bilhões, todas donas de dezenas de outras empresas, em vários setores diferentes, presentes em dezenas de países. Todas empresas familiares, com os donos nas listas de bilionários da “Forbes”. Todas com obras gigantescas no portfólio – rodovias, usinas, pontes, estádios, catedrais, sistemas de metrô, de eletricidade, de saneamento.

O trabalho que essas empresas fazem não é muito diferente daquele de um mestre de obra – são contratadas por empreitada, se comprometem a deixar uma estrutura pronta, de acordo com o projeto, num determinado prazo. Um modelo de negócio simples – ainda mais porque trabalha basicamente para um único cliente: o Estado. Mas, nos últimos meses, graças à Polícia Federal, estamos aprendendo que o “business model” dessas empresas é bem mais complexo, interessante e lucrativo que isso. Aí ficou fácil entender como elas se tornaram tão grandes e poderosas.

Seguinte: as empresas pegavam toda a fortuna que faturavam e separavam um pouquinho para pagar propina (Marcelo Odebrecht calculou que era alguma coisa entre 0,5 e 2% do faturamento anual, não muito longe de um bilhãozinho ao ano). Quem recebia esse dinheiro era basicamente todos os políticos com cargo importante. Fala um nome aí: Lula, Aécio, Kassab, Alckmin, Temer, FHC, Sarney, Palocci, Serra. Todos são citados, e mais dezenas de outros. Mais de um terço dos ministros, os chefes das duas casas parlamentares, os dirigentes de quase todos os partidos, boa parte dos governadores, perto da metade do Senado.

Era tipo um caixa eletrônico, com a diferença de que não precisava ter cartão nem senha nem mesmo conta no banco. Bastava passar lá, ou mandar alguém, ou indicar os dados bancários, geralmente de conta fria, e a construtora alegremente transferia alguns milhões de reais. Se necessário, fazia o dinheiro viajar por quatro países diferentes, para ficar impossível rastreá-lo. Em troca de quê? De nada, meu filho, gasta com saúde, boa sorte na eleição. Como campanhas eleitorais são caras demais – custam milhões de reais –, esse dinheiro era fundamental para chegar ao poder.

Mas é em troca de nada mesmo? Claro que depois as empresas ficavam acompanhando os mandatos de quem se elegia para saber se o sujeito estava mesmo ajudando. E havia muitos jeitos de ajudar: contratos vultosos para construir coisas, uma mãozinha na hora de criar as regras para licitações, ajustes convenientes nas leis, pressão para calar esta ou aquela investigação, juro camarada num empréstimo do BNDES, encomendas militares para fazer mísseis, privatização de um serviço em condições vantajosas, o céu é o limite. E, nas eleições seguintes, quem não ajudasse dava com a cara na porta do caixa eletrônico de dinheiro grátis.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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