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Ainda inspirada pelas celebrações de maio, o “mês das flores”, como dizia Lima Barreto, volto a uma pergunta que marcou os quatro dias de debates do controverso II Seminário Internacional Histórias do Pós-abolição no Mundo Atlântico, realizado na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro:quando começa e quando termina o pós-abolição no Brasil?
A leitura do livro “ Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação ” ajuda a responder. Na obra, os historiadores Rebecca Scott, Frederick Cooper e Thomas Holt ressaltam a dificuldade de determinar balizas temporais fixas para o começo e o término do pós-abolição em sociedades escravistas como o Brasil. Através da ideia de que o oposto de escravidão não é necessariamente a liberdade, os autores convidam-nos a um desafio: “tirar o foco daquilo que terminou com a abolição dos escravos para lançá-lo sobre o que com ela começou”. Episódios contemporâneos ligados à disputa de narrativas evidenciam a relevância do conceito “pós-abolição no tempo presente” para interpretar as relações entre ciência, saber e poder dentro e fora da academia.
Uma semana depois que a assinatura da Lei Áurea completou 130 anos, recebemos a notícia que o álbum “ Sobrevivendo ao Inferno ” (1997), do grupo Racionais MCs, integrará a lista de obras obrigatórias do vestibular da Unicamp, em 2020. Dias depois, Djamila Ribeiro agradeceu em suas redes sociais a venda de mais de 15 mil exemplares de três títulos da coleção Feminismos Plurais: “O que é lugar de fala”, assinado por ela, “O que é empoderamento?”, da arquiteta Joice Berth, e “O que é encarceramento em massa?”, da pesquisadora Juliana Borges. A filósofa também aproveitou a oportunidade para anunciar o Selo Sueli Carneiro. Trata-se de um projeto editorial em parceria com o Grupo Letramento, que, inspirado pela produção da grande Sueli Carneiro, dedica-se a publicar o pensamento de autoras negras.
Na academia, Gessiane Peres presenteou-nos com brilhante narrativa . Doutoranda em Educação da UFRJ, a quilombola escreveu sobre os impactos que sua ida à Universidade de Harvard representou para si, familiares e comunidade religiosa: “Somos nós quem devemos realizar a mudança e a justiça que tanto esperamos. Nós precisamos transformar o nosso cativeiro em alegria. Nós temos valor! Nossa história tem valor. O meu trabalho de pesquisa e tudo o que eu faço é para honrar a nossa história. Não sou apenas eu que vou para uma das melhores universidades do mundo, mas uma de nós! Eu sou parte de vocês, de uma história que ainda não acabou e Harvard quer ouvir a nossa história”.
Já no mundo da música, o premiado rapper Rincón Sapiência causou, com sua releitura do dia da abolição, narrada no eletrizante clipe da música “ Crime bárbaro ”: “Boatos correm, eu também/Me sinto como um herói e isso me faz bem/Escravos me colocam como um rei/Porque o senhor de engenho fui eu que matei”
Giovana Xavieré professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Formada em história, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado, por UFRJ, UFF, Unicamp e New York University. É idealizadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras. Em 2017, organizou o catálogo “Intelectuais Negras Visíveis”, que elenca 181 profissionais mulheres negras de diversas áreas em todo o Brasil.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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