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Lembro de achá-la linda: quase uma vantagem indevida na Copa do Mundo. Que chance teriam aqueles branquelos de camisa branca ou azul diante do Sol? Metidos nela, éramos amados aonde íamos. Enverguei-a em tantas cidades do mundo, e a vi abrir sorrisos turcos, vietnamitas, marroquinos, franceses, peruanos, poloneses, americanos, chilenos, egípcios, até argentinos. Senti-me popular vestindo-a até no gelo da Antártica.
Mais recentemente, a camisa famosa saiu de moda. A derrocada começou com força quatro anos atrás, quando a malha amarela foi carimbada sete vezes em campo, enquanto fora dele explodiam uma crise econômica e a mãe de todos os escândalos de corrupção, que expôs as entranhas de um sistema político movido a dinheiro sujo circulando entre empresas privadas e governos. Difícil imaginar melhor símbolo do descalabro do que os estádios erguidos com superfaturamento para a Copa, em cidades sem futebol.
Mas vesti-la ficou complicado mesmo alguns meses depois da derrota, com a eleição presidencial, quando o eleitorado-torcida votou furioso. De lá para cá, a peça de roupa fabricada com teórica exclusividade pela Nike, sob licença muitíssimo bem remunerada da infame CBF (Confederação Brasileira de Futebol), ganhou um monte de sentidos que não tinha antes, pelo menos não para mim.
Hoje se sabe que a campanha que conclamou os brasileiros às ruas, ressignificando suas camisas amarelas que haviam ficado guardadas no fundo da gaveta desde a goleada humilhante para os alemães, abusou da lei. Uma pesquisa de Dan Arnaud, especialista em cibersegurança da Universidade de Oxford, revelou recentemente que a campanha que acabaria por derrubar Dilma começou no mesmo dia de sua vitória nas urnas, quando vários bots e perfis falsos que vinham atuando na campanha eleitoral começaram, de maneira ilegal, a cultivar a indignação que a partir daí cresceria sem parar e inviabilizaria o governo.
Como nos Estados Unidos, com a Cambridge Analytica, por aqui também prosperaram notícias falsas, perfis operados do estrangeiro, fazendas de likes e páginas anônimas criadas às centenas para enganar os algoritmos do Facebook e criar a ilusão de que os conteúdos espalhados em massa por uma operação centralizada estavam sendo compartilhados espontaneamente por muita gente diferente. Essas estratégias, contrárias à lei e às regras das plataformas, não são exclusividade nem da direita nem da esquerda. Todas elas fazem parte do arsenal de quase qualquer “consultoria política de marketing em redes sociais”, o que significa que elas são usadas aos montes na comunicação de qualquer grande partido político – certamente MDB, PSDB e PT entre eles.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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